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“Nós partimos para Lyon plenos de curiosidade e entusiasmo [...] descobrimos a mais gritante de todas as verdades:

não existe Cinema Verdade” Louis Marcorelles20

O primeiro termo a surgir nos anos 60 para designar a nova modalidade de documentários com os novos equipamentos foi Cinema Verdade e ele foi empregado de maneira genérica para todos os novos documentários que surgiram baseados em equipamentos leves e sincrônicos. Essa expressão fazia parte da publicidade do filme Crônica de um Verão (1960), de Jean Rouch e Edgar Morin para o Festival de Cannes de 1961. “Por um novo Cinema Verdade”, dizia o cartaz do filme. A locução conduzida por Rouch nos minutos iniciais do filme reforça, ainda, o mesmo slogan: “esse filme não foi encenado por atores, mas por homens e mulheres que nos deram alguns momentos de suas vidas para um novo experimento em cinema verdade”. Morin havia escrito um artigo com o slogan no título acerca do primeiro festival internacional do filme etnográfico em Florença, do qual ele e Jean Rouch fizeram parte da curadoria21.

A intenção de Morin, ao utilizar o termo Verdade, era a de homenagear Dziga Vertov, cineasta que, até os anos 60, era pouco celebrado pela historiografia canônica do documentário, que deu sempre maior destaque às figuras de Flaherty, como o pioneiro, e Grierson como formulador teórico do gênero. Vertov havia sido rotulado como um cineasta experimental, excessivamente formalista, à sombra Eisentein, cuja obra atendia mais diretamente às demandas pedagógicas da escola britânica documental.22

O termo Cinema Verdade é uma tradução de Kino Pravda, nome do cinejornal editado por Vertov nos anos 20 e uma das ideias-chave de sua sua obra. A noção de um Cinema Verdade pressupunha, para Vertov, a negação dos recursos ficcionais no cinema, do psicologismo da literatura e do caráter teatral burguês aplicado ao filme. As imagens de improviso, a ausência de atores e uma fé futurista na capacidade do aparelho

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MARCORELLES, 1963, La foire aux vérités. In; Cahiers du Cinéma, n. 143, mai 1963. p 26

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Pour un nouveau Cinéma Vérité, France Observateur (l'observateur literaire), no 506, 14 jan 1960

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cinematográfico de captar a vida para além do falho olho humano são as bases do cinema de Vertov.

Gilles Marsolais, autor canadense do livro referencial sobre o Direto nos anos 70, assinala que o termo mais importante no slogan publicitário do filme Crônica de um Verão não eram os termos “cinema” ou “verdade” e sim a palavra “novo” (MARSOLAIS, 1997, p. 11).

Marsolais desloca o debate, considerado por muitos, inócuo, em torno da noção de Verdade aplicada ao cinema para o caráter inovador dos modos de filmagem surgidos na virada dos anos 50 para o 60, caráter esse muitas vezes eclipsado pelas discussões de ordem filosófica ou essencialista, baseados mais na fala dos realizadores do que nos filmes em si. O que estava em questão naquele momento era a refundação do documentário a partir de novos equipamentos de som e imagem que, ao mesmo tempo, retomavam a mobilidade e capacidade de captar a “vida de improviso” preconizada por Vertov e introduziam um novo elemento no filme documentário: a palavra.

A noção filosófica de Verdade, embora na ordem dos discursos cinematográficos da época, era um fator que mais afastava as posições dos cineastas e seus filmes entre si do que as aproximava, posto que a definição do termo nunca foi um consenso. O elemento “novo” foi o termo agregador na época e impulsionou uma espécie de entusiasmo partilhado entre cineastas e críticos em torno da liberação da imagem e da palavra dos constrangimentos técnicos e ideológicos do documentário clássico.

Ele [o direto] poderia ser qualificado como 'cinema em ato' ou 'cinema em liberdade'. Liberdade da ação apresentada na sua própria gênese […] Também, liberdade do espectador chamado a participar de outra maneira que não passiva. Na verdade, ao olhar do cineasta se une aquele do espectador cuja participação (cada vez mais exigida) deriva numa espécie […] de ato de criação. (MARSOLAIS, 1997, p. 13)

No sentido apresentado por Marsolais e por todos os entusiastas do Direto dos anos 60 em diante, podemos inserir os novos documentários em um espírito maior de transformações no âmbito da cultura cinematográfica dos pós-guerra, apoiado sobre três aspectos: 1) A ênfase no caráter realista da imagem cinematográfica que, embora não de forma consensual e em graus variados, se expressa em todos os novos cinemas da época em uma crença no potencial revelatório da imagem; 2) A vinculação desse ideal realista

à um posicionamento político ou moral diante dos eventos filmados e uma chamada à participação do espectador nos processos fílmicos e suas consequências; 3) A retomada de discursos modernistas ou vanguardistas no cinema, fundados sobre o elogio ao “novo”, a crença na tecnologia como elemento transformador da arte cinematográfica e a centralidade e independência do autor cinematográfico. Tais aspectos são partilhados pelo Cinema Direto, o Cinema Verdade, bem como por todos chamados movimentos cinematográficos da época, tais como o neorealismo italiano, a nouvelle vague francesa e os novos cinemas nacionais que emergem em várias partes do mundo.

Logo após os primeiros debates em torno dos filmes, o termo Verdade provocou mal estar na crítica que associava a palavra a pretensões cientificistas, o que de fato é uma constante na história do documentário, sempre ligado aos discursos das ciências sociais. Mesmo assim, seu uso nunca foi abandonado. Curiosamente, a denominação não traduzida Verite (sem a acentuação do francês) é até hoje a largamente utilizada por realizadores nos EUA e Canadá, especialmente por profissionais da TV, que, não raro, relacionam o termo aos chamados Reality Shows. Não se utilizou Truth Cinema nos EUA e Canadá. O que indica que o emprego da palavra Verite, para os norte- americanos, não pretende dar conta do sentido filosófico do termo e é um rótulo, no fundo, propagandístico. Seu uso atende hoje a uma função valorativa, como uma chancela para um grupo de filmes e de realizadores, muitos ainda hoje em atividade, considerados os pioneiros dos anos 60.

Os profissionais da TV norte-americana utilizam, também, o termo Verite para definir um tipo de abordagem documental, caracterizada na maior parte das vezes como observacional, mas que mescla outras formas mais adequadas às demandas do jornalismo televisivo, como o uso de entrevistas, narração e dramatização. O uso do termo Verite também confere autenticidade aos documentários televisivos e intensifica o caráter espetacular ou sensacionalista das reportagens e programas. Uma reportagem televisiva ao estilo Verite contém clichês como a câmera na mão, a eventual perda de foco ou enquadramento, a montagem repleta de jump cuts, o uso de som direto mas, sobretudo, a construção de uma narrativa que acompanha, quase sempre, um personagem principal em um período muitas vezes extenso de tempo e enfatiza a sua vida privada ou íntima. É o que Brian Winston chama de estilo “Verite”, que não pode ser confundido com o Cinema Direto ou Cinema Verdade. É preciso ressaltar, assim, a diferença entre o chamado os documentários no estilo Verite de hoje e o chamado

Cinéma Vérité ou Verdade, nome que foi empregado com um sentido bastante restrito aos documentários dos anos 60 e 70:

Verite é um substituto desenvolvido pela televisão em ambos os lados do Atlântico, um modo bastardo que reduz o rigor da prática do Cinema Direto a um amálgama de formas de filmar com equipamentos portáteis e som sincrônico somado a elementos mais antigos. Os filmes Verites (...) contém material filmado no estilo do Cinema Direto, mas também utilizam entrevistas, gráficos, reconstrução de cenas (...) e todo o repertório do documentário realista original. Como consequência, o tempo de filmagem e a quantidade de material filmado são reduzidos a níveis próximos a normas tradicionais. Assim, esse é o estilo de documentário dominante hoje e não o Cinema Direto em si, mas um modo derivado do mesmo. (WINSTON, 2008 p. 210)

O termo Cinema Direto surgiu em 1963 e foi cunhado pelo cineasta franco- italiano Mario Ruspoli no âmbito do encontro do M.I.P.É.-TV (Mercado Internacional de Programa e Equipamentos de TV) organizado pela RTF (Radio Televisão Francesa) que reuniu os principais cineastas e teóricos que trabalhavam e discutiam os novos equipamentos e seus usos em Lyon, na França. Estiveram presentes no evento, dos EUA, Leacock, Drew e os irmãos Maysles, o cineasta Morris Engel, considerado precursor no uso do som direto no cinema ficcional nos anos 50. Da França, Mario Ruspoli, Edgar Morin e Jean Rouch, o fotógrafo de muitos filmes da nouvelle vague, Raoul Coutard, os engenheiros Stefan Kuldelski, inventor do NAGRA, e André Coutant, inventor da câmera silenciosa Éclair-Coutant 16mm. Do Canadá, Michel Brault compareceu. Estiveram ainda no evento os cineastas Georges Rouquier e Joris Ivens, além de críticos, jornalistas e outros profissionais da TV e Cinema. Tal encontro, ao contrário de unificar os discursos dos realizadores, acabou por contrastar as diferenças entre as propostas de cada país, estabelecendo uma polarização entre a posição norte-americana e a posição francesa. O cinema de Rouch foi associado fortemente pela crítica ao movimento da Nouvelle Vague francesa, que aproximou a esse contexto, ainda, a produção francófona de Quebec. Os filmes estadunidenses e canadenses anglófonos passaram a ser vistos como jornalísticos e televisivos e foram alvos de duras críticas.

Ruspoli, após o M.I.P.É., em sua comunicação para a UNESCO, justifica o uso da palavra Direto em substituição a Verdade em mais uma tentativa de unificar os grupos de produção em um movimento coeso:

A palavra 'verdade' é tão vasta, tão complexa por si só, tão repleta de contradições internas, por vezes secretas e ela corresponde a uma fluxo tão diverso e indivisível que não só se pode comprar por analogia ao movimento do pensamento. (RUSPOLI, 1963).

Para ele, o Direto representaria “o sonho acalentado pelos grande pioneiros do Cinema Direto, dentre os quais Dziga Vertov e Robert Flaherty”, ou seja, “a tomada de imagem e som sincrônico imediata e ininterrupta como meio de investigação e como reveladora do comportamento do homem” (RUSPOLI, 1963). É no sentido da construção de uma virtual unidade e não por um desprendimento de discurso de verdade que Ruspoli recusa o uso controverso do termo.

No M.I.P.É. as discussões foram além da simples apresentação de novos equipamentos e avançaram sobre as consequências estéticas e morais das novas técnicas.

A conferência demonstrou simultaneamente o papel maior da televisão na evolução das novas técnicas cinemáticas e o fracasso da mesma para concretizar as conclusões estéticas promovidas por essas novas técnicas. Foi particularmente deprimente ver o tipo de trabalho que vem sendo feito na TV francesa e é compreensível o porque de Leacock parecer impaciente quando confrontado com os pedaços de programas de TV tagarelas, baseados na simples ideia de que é o suficiente fazer com que as pessoas falem na tela para a verdade se derramar. (MARCORELLES, 1963, p. 26).

Uma polarização entre as figuras de Jean Rouch e Richard Leacock foi enfatizada nos relatos do evento pelas revistas cinematográficas da época (Cahiers, Movie, Sight and Sound, Sequences). Jean Rouch criticou a postura supostamente não- participativa dos norte-americanos, enquanto Leacock criticou o excesso no uso da palavra nos filmes franceses e a ausência de ação.

Leacock não compreendia nada de Rouch e nem Rouch compreendia Leacock. Nossos dois profetas se deixaram levar pela mais virtuosa e mais autêntica indignação. […] A incompreensão foi total: Leacock se posicionou imediatamente contra a escola francesa, prisioneira do verbo, alheia a espontaneidade do real, forçando as pessoas a se colocarem diante das cameras. (MARCORELLES, 1963, p 27).

Marcorelles destaca o que ele chama de conflito de civilizações representado no debate entre Rouch e Leacock;

[…] a evidente hostilidade entre os seus pontos de vista sugere, não apenas uma mera incompatibilidade entre duas diferentes formas de ver as coisas,

mas, em certo sentido, entre formas de civilização, a francesa e a anglo-saxã. (MARCORELLES, 1963, p 27).

O crítico vincula, ainda, as discussões aos debates no interior da Teoria do Cinema acerca do realismo cinematográfico que, especialmente a partir do surgimento dos filmes falados, assume um novo caráter.

Por detrás de um fenômeno de civilização – temperamento anglo-saxão contra temperamento latino – se esconde, talvez, o problema número um do cinema moderno: onde começa e onde termina o papel da linguagem falada? Onde começa e onde termina o teatro[...]? Onde começa e onde termina o suposto Cinema Verdade?. (MARCORELLES, 1963, p 27).

As posições contrárias de Rouch e Leacock também se evidenciam nas entrevistas que foram publicadas logo após o evento, ainda no ano de 1963. A controvérsia dizia respeito ao uso da palavra nos filmes e o posicionamento do cineasta diante da realidade a ser filmada. Os norte-americanos, coerentes com a bagagem do cinema ficcional hollywoodiano, defendiam a necessidade de ação nos filmes, o que só seria possível de se realizar através da mínima intervenção da equipe de filmagem. A postura francesa enfatizava a presença da câmera como catalisadora dos acontecimentos no filme e acusava os norte-americanos de adotarem uma postura ingênua ao acreditarem em um objetividade total.

Essa polarização dominou os debates subsequentes no campo do documentário e permanece até hoje como referência fundamental para duas posições hoje artificialmente antagônicas no campo do cinema documentário, como se a postura chamada de participativa fosse o oposto estético e ético da postura observacional. As diferenças reais de pontos de vista cinematográficos evidenciados no encontro de Lyon não significam que há uma oposição radical entre dogmas franceses e estadunidenses. Tal compreensão representaria uma redução da diversidade de propostas e filmes surgidos a partir dos novos equipamentos e ignora os diálogos que ocorreram entre os grupos de produção.

Se, de fato, não foi possível estabelecer uma unidade de um movimento aos grupos de produção presentes no encontro, isso não significa que não houvesse uma cooperação concreta entre os cineastas dos diferentes países que, não raro, trabalharam em projetos comuns. É preciso, então, matizar tal oposição e compreendê-la no interior

das discussões da época como reflexo de culturas cinematográficas diferentes e pontos de partida filosóficos acerca das noções de real e verdade. Nem unidade, nem oposição, as propostas em Lyon se mostraram diversas.

Há autores como William Rothman que criticam a oposição estabelecida entre o documentário europeu e os filmes norte-americanos. Rothman não utiliza o termo Direto e prefere Cinema-Vérité in America: “Cinema-Vérité nos dois lados do Atlântico – porque a distinção entre ‘cinéma-vérité’ e ‘cinema direto’ não é viável.” (ROTHMAN, 1997, p.109). A distinção entre os dois cinemas produz, segundo o autor, um preconceito em relação aos filmes e cineastas norte-americanos que seriam menos profundos ou filosóficos. Rothman afirma que seria nos EUA e não na Europa, onde essa forma de cinema teria desenvolvido uma produção mais extensa e marcante na história do documentário. Afirma o Rothman:

Dentro do campo dos estudos de cinema contemporâneo geralmente supõe-se que há uma clara distinção a ser formulada entre os filmes americanos [...], os quais são supostamente culpados de uma ingênua reivindicação de captar a realidade diretamente, enquanto que os filmes europeus [...] são tomados como sendo muito mais sofisticados em suas concepções filosóficas da realidade e de sua representação e, por isso, perdoados. (ROTHMAN, 1997, p. 109).

A expressão “mosca na parede” para caracterizar os filmes norte-americanos, em oposição à “mosca na sopa” para caracterizar o cinema de Rouch tornou-se um clichê para a definição do método de filmagem dos cineastas do Direto. O uso banalizado desses termos que acaba por sufocar possíveis leituras que compreendem níveis distintos de participação do cineasta na cena filmada e de interação entre filme e público.

Na introdução de 1974 de um dos livros canônicos do Cinema Direto, Cinéma Vérité in America: studies in uncontrolled documentary, Stephen Mamber já indicava uma dificuldade no uso dos termos Verdade e Direto, assumindo os dois termos como sinônimos ao longo do livro, embora utilizando o termo Vérité para designar a produção norte-americana. Mamber assinala, no entanto, que “o mais importante é que Cinéma Vérité não deve ser traduzido literalmente” (MAMBER, 1974, p. 2). O elemento essencial, para Mamber não está na busca pela Verdade, mas num certo estilo de

filmagem que ele define como “o ato de filmar pessoas reais em situações sem controle [uncontrolled]”:

Sem controle significa que o cineasta não atua como um diretor e nem, ainda, como um roteirista. No Cinema Vérité não se diz a ninguém como e o que deve ser feito. Um roteiro, mesmo que sumário, não é admissível, nem sugestões verbais, gestos, ou qualquer outra forma de comunicação direta do cineasta com o seu tema. O cineasta age como um observador, procurando não alterar as situações que ele testemunha não mais do que simplesmente estar lá (...) Cinema Verité possui uma crença no espontâneo. A relutância em assumir o controle chega ao ponto de uma recusa a recriar os eventos e a que as pessoas repitam as ações para serem filmadas. Entrevistas também não são empregadas, uma vez que a sua utilização é, na verdade, uma forma de comportamento dirigido. (MAMBER, 1974, p. 2).

A ideia de uma não-intervenção do realizador nas filmagens foi e ainda é tão atacada por teóricos e realizadores quanto a noção de Verdade aplicada na denominação dos filmes. Ela é criticável a partir do seguinte ponto de vista: a crítica cinematográfica e boa parte dos discursos autorais dos realizadores não admitia, em pleno período de consagração de cineastas e filmes da nouvelle vague e do neo-realismo italiano, um discurso de negação da função autoral, de desvalorização do papel do criador e de elogio à técnica como meio de acesso à uma realidade entendida como a própria experiência vivida sem a mediação de um autor. A tradição crítica cinematográfica, especialmente francesa, fora criada sob forte influência da literatura e a afirmação de uma criação essencialmente coletiva ou trans-individual23 se opõe às visões mais românticas de autoria recuperadas, à época, pela chamada política dos autores. É comum, especialmente nos filmes da Drew Associates, a assinatura conjunta dos filmes, incluindo fotógrafos, operadores de som e editores nos créditos autorais. Albert Maysles, cinegrafista, assina a autoria dos filmes com seu irmão David Maysles, operador de som. O Direto representa uma ruptura com a ideia de centralidade da figura do diretor e seu caráter autoritário.

No âmbito acadêmico, inclusive no Brasil, a leitura que enfatiza o contraste entre as posições francesa e norte-americana é a corrente. Sílvio Da-Rin assume uma defesa do modo participativo no cinema de Rouch como uma “tendência radicalmente oposta” (DA-RIN, 2004, p. 149) aos filmes observacionais supostamente puros norte- 

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americanos. O autor denuncia uma objetividade inocente nos filmes do direto, como se eles fossem herdeiros de um pensamento cientificista que remonta às origens do cinema enquanto mecanismo de reprodução do real.

Em sua concepção redentora do avanço técnico, os ideólogos do cinema direto promoveram uma releitura teleológica da tradição documentária, segundo critério de ‘transparência frente ao real’, reservando para si próprios o umbral entre a culminância de um longo processo histórico de procura e o início de uma nova era [...] Guardadas as proporções históricas, há muitas semelhanças entre a devoção ao real promovida por este direto sacralizado e a apologia que o pensamento positivista do final do século XIX fazia à imagens autênticas da natureza e do mundo veiculadas pelo modelo Lumière. (DA-RIN, 2004, p. 141-142).

A leitura corrente se baseia na taxionomia criada por Bill Nichols em 1991 que, por um lado, apresenta uma solução para a profusão de termos em torno do documentário dos anos 60 e, por outro, pode oferecer uma leitura simplista e reducionista dos chamados Cinema Direto e Cinema Verdade. Em Representing Reality, Nichols elabora uma classificação mais ampla para os documentários, a partir do que ele chama de “modos” documentais: expositivo, observacional, participativo e reflexivo.

Para alguns praticantes e críticos os termos cinema direto e cinema verité são intercambiáveis; Para outros, eles se referem a modos distintos, mas alguns atribuem uma posição mais observacional ao cinema direto e outros ao cinema verité. Por essas razões, eu decidi contornar os dois termos em favor de duas denominações mais descritivas, os modos de representação documentais observacional e interativo. (NICHOLS, 1991, p. 38.)

Cada modo corresponde a um período histórico do documentário, mas também a um conjunto de estilos e formas de abordagem do real. Os filmes norte-americanos se