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Salesman e o destino trágico de um homem privado



Os primeiros planos de Salesman (Caixeiro-Viajante, no título do DVD brasileiro) nos lançam em uma zona, até então, pouco explorada pelo documentário, até mesmo pelo Cinema Direto. Trata-se do lar. Dessa vez, diferentemente de Housing Problems, o lar não é visto sob uma perspectiva institucional, ou seja, sob um olhar público, mas a partir de um lugar íntimo, da perspectiva de um personagem, não mais célebre como nos outros filmes do Direto. Ao contrário do documentário britânico do grupo de Grierson, em Salesman a cena doméstica não é montada, exclusivamente, para a câmera, mas a câmera é que entra nos lares assumindo a perspectiva de um dos personagens. O cineasta, enquanto operador da câmera, está na cena. Para o público, no entanto, ele não é senhor da situação, ou a instância da qual se origina o filme, mas alguém que atua em conjunto com os personagens e, principalmente, a partir deles. Quem dá acesso ao domínio do lar em Salesman são os personagens do vendedores de bíblia. Como no filme de dramático ficcional, acompanhamos a narrativa a partir da perspectiva do personagem, ele a conduz e não o contrário.

O filme é a mais ousada experiência dos cineastas oriundos da Drew Associates nos anos 60, o primeiro longa-metragem e o primeiro “feature documentary”, nas palavras de Maysles, um documentário construído sob a perspectiva dramática, que desperta, segundo o cineasta, o interesse a atenção de um espectador como em um filme ficcional. O filme narra o cotidiano de vendedores de bíblia nos subúrbios norte- americanos, centrando-se na figura de um vendedor, Paul Brannan. Em uma entrevista televisiva com os irmãos Maysles por ocasião do lançamento do filme em salas de cinema, David Maysles tem o seguinte diálogo com o entrevistador:

David: “Nós não queremos que as pessoas digam: 'é um documentário, não é?' Se nós alcançarmos esse dia, alguma coisa terá sido cumprida.”

Entrevistador: “A ficção tende a nos dar um ponto de vista. Esse tipo de filme deixa alguma coisa aberta para o espectador.”

David: “É mais adulto, não é? O espectador pode tomar sua própria decisão.”

Dois conceitos básicos perseguidos pelos Maysles estão presentes no filme e sintetizados pela fala de David. O primeiro, diz respeito a esse tratamento ficcional que passa a ser, desde então, o modelo a ser perseguido pelos filmes do Direto. Rompe-se definitivamente com os discursos jornalísticos (ou seja, que perseguem temas e personagens públicos), implícitos nos trabalhos da Drew Asssociates e os cineastas assumem em seus discursos um caráter fundamentalmente manipulador da arte cinematográfica, negando qualquer apelo a uma verdade factual, mas sim a um ideal de verdade somente acessível através da ficção.

O segundo conceito é o de que os documentários, como as obras de arte em geral, devem possuir uma abertura de sentidos para o espectador, não cabendo mais ao cineasta a posição de juiz dos eventos filmados, defensor ou acusador. Os vendedores de bíblia no filme, embora se apresentem, por vezes, ácidos ou antiéticos em suas falas em relação aos seus clientes, acabam por serem apresentados no mesmo nível que eles. A impressão ao final do filme é a de que, tanto os vendedores, quanto os seus clientes coparticipam de um mesmo sistema que os aprisiona no âmbito do consumo e da exploração. As cenas da venda do produto, apesar das técnicas de pressão dos vendedores que são, até mesmo, ensaiadas pelos personagens no filme, tornam-se momentos revelatórios em Salesman, momentos em que os personagem trocam memórias, informações afetivas, identificações étnicas e desejos de consumo comuns aos vendedores e aos seus clientes. É na encenação de seus papéis como vendedores que ps personagens acabam por se revelar.

Esses dois conceitos se articulam com a nova abordagem do tema da intimidade que vimos afirmando ao longo do trabalho. Só é possível estabelecer um acordo íntimo entre o público, o personagem e o cineasta se, por um lado, o cineasta abre mão do papel de púlpito, de representante da instância pública dentro do lar das pessoas, papel investido da moral coletiva. Por outro lado, é através dos recursos sedimentados da ficção que os cineastas irão estabelecer uma relação de ordem afetiva com o espectador, permitindo um descolamento da figura do cineasta como veículo de discursos públicos do evento filmado que a fruição das narrativas dramáticas permite. Em outras palavras, o documentarista não se esconde ou se oculta na cena, ele apenas abandona um papel tradicional de porta-voz dos ideais públicos ou coletivos e torna-se um narrador plasmado na câmera, um elemento no interior na narrativa, protagonizada, a partir de então, pelo personagem íntimo.

Em Salesman, a câmera entra no lar dos pobres norte-americanos, em sua grande maioria, descendentes de imigrantes como poloneses, irlandeses e latino-americanos que formavam uma minoria pobre e católica nas periferias das cidades de Boston e Miami, cenários do filme. Trata-se, também, como admite Albert Maysles, uma obra de caráter auto-biográfico, posto que ele próprio nasceu e foi criado em uma comunidade judaica nessas mesmas ruas em Boston, junto com seu irmão, e havia também trabalhado como vendedor em sua juventude.

A origem irlandesa de Brennan e judaica de Maysles comunicam-se sutilmente ao longo do filme, na música cantada, por exemplo, pelo vendedor em seu veículo, “If I were a rich man” (se eu fosse um homem rico), do musical clássico da Broadway, Fiddler on the Roof , que narra a vida de judeus em uma aldeia russa no incio do século XX. A música cantada por Paul é uma ironia, ao mesmo tempo, de sua condição precária de trabalho e dinheiro, que o obriga a atuar como vendedor, como também uma lembrança de seu lugar na sociedade norte-americana como descendente de imigrantes, tradicionalmente vinculado às profissões ligadas ao comércio. No musical da Broadway, a música é cantada pelo personagem do judeu limpando um estábulo e queixando-se do trabalho duro. Aqui, outra diferença do filme dos Maysles em relação ao documentário clássico: o trabalho não é dignificado no filme e o trabalhador não é apresentado de maneira modelar, integrado ao conjunto harmonioso da sociedade. Não há mais “futuro glorioso”, tal como assinala Brian Winston(2008) prometido pelo documentário. Os personagens, nem na Bíblia, objeto de consumo e coerção no filme, encontram salvação. O trabalho, o consumo e a religião, temas coletivos, são expostos no filme como a antítese da intimidade, aquilo que oprime os sujeitos e os distancia de seus desejos.

Logo na primeira imagem do filme vemos as mãos de Paul Brennan, o vendedor de bíblias, folheando as páginas de uma bíblia e valorizando o seu produto em off: “o livro mais vendido no mundo é a bíblia”, diz Paul, “e por uma única razão: é a maior obra literária de todos os tempos”. As mãos de Paul tem os dedos ligeiramente tortos. Comentando a imagem de abertura do filme em entrevista para o cineasta João Sales (2006), Albert Maysles identifica uma espécie de presságio trágico na imagem, que registra a artrose do personagem, anos mais tarde, a causa de sua morte. Apesar dos trechos de tonalidade cômica no filme, para Albert, o filme seria uma tragédia, o relato do ocaso de um personagem enredado em um destino fracassado da primeira a última

imagem do filme. Segundo o cineasta, ainda, a diferença entre um filme ficcional e um filme documental seria esta: “em uma ficção Paul Brennan seria morto no final do filme”. O caráter antecipador da imagem, no entanto, não diz respeito apenas à vida de Brennan posterior ao filme. Nessa sequência de imagens, há um sumário do destino trágico do personagem.

O plano seguinte ao das mãos sobre a bíblia revela Paul Brennan sentado, uma dona de casa e sua filha em uma sala de estar. Uma luz suave vinda de uma janela ao fundo os ilumina folheando o livro, formando uma quadro de harmonia entre os três, como se Paul estivesse, ele próprio, em uma pregação religiosa. A espécie de aura de comunhão construída no quadro é rompida pelo plano seguinte, no qual Paul tenta estabelecer um vinculo mais afetivo com seus possíveis compradores, intercalando o elogio ao seu produto e perguntas pessoais. A partir desse instante, saímos do registro harmonioso e ingressamos no embate entre vendedor e cliente.

Paul pergunta o nome da criança e diz o seu, apresentando-se simultaneamente para ela e para os espectadores do filme. O diálogo segue com a insistência de Paul em vender a bíblia, as negativas da mulher que diz não ter dinheiro para pagar. Planos próximos de Paul contrariado, da mulher desinteressada e o alheamento total da criança que boceja e segue em direção a um piano na sala para dedilhá-lo. Vemos novamente a mão de Paul alisando a capa da bíblia e, em seguida, a menina tocando as notas do piano, em uma escala que vai das agudas às mais graves. A decadência das notas avança sobre a próxima imagem, a de Paul em close, frustrado. Em off, a mulher diz: “estamos atolados em contas médicas”. Paul balança a cabeça olhando para o chão. O som grave da última nota tocada no piano pela menina coincide com o surgimento do nome “Paul Brennan, o texugo” como primeiro crédito do filme. As notas do piano funcionam na cena como uma espécie de sonoplastia que acentua o fracasso do personagem, uma “composição”, segundo Albert Maysles, mais perfeita para cena do “se fosse composta pelo próprio Beethoven” pela identidade trágica que confere ao personagem e, sobretudo, pelo caráter espontâneo da sua criação. Afirma, ainda, Albert, “aquela cena toda é um tipo de premonição daquilo que vai acontecer depois. Trata-se de um recurso frequentemente usado na literatura e que funcionou muito bem nesse filme”53.



53

Em aproximadamente dois minutos de filme sabemos quem é Paul Brennan, o que ele faz, com quem ele se relaciona e qual a crise que o personagem irá passar ao longo do filme, exatamente como nos manuais de roteiro clássico54 e, sobretudo, não através de uma locução ou depoimento do personagem, mas da construção entre imagem e som, pelos enquadramentos e pela montagem. Sabemos também como será narrada a história. Não da forma habitual dos documentários, mas tendo como metáfora e modelo a própria Bíblia, algo sublinhado pelo próprio Paul, invocando em sua primeira fala a gênese da tradição literária ocidental.

A escolha da fala definitiva de Paul sobre a bíblia para abrir o documentário não é gratuita e afina-se com a percepção dos cineastas Albert e David Maysles acerca do nova experiência documental a qual estão engajados. Ainda na entrevista para a TV no momento do lançamento do filme em salas de cinema nos EUA, afirmou, por exemplo, David:

“O que nós realmente estamos tentando fazer não é totalmente diferente de um filme convencional hollywoodiano. Apenas não estamos usando atores. Nós estamos tentando transmitir a mesma coisa. Nossa intenção é criar um envolvimento emocional com a audiência, uma interesse, uma excitação. (…) Nossa intenção não é informar ou ensinar ou qualquer coisa assim, tal como foi a intenção do documentário por anos. (…) Nós estamos tentando fazer alguma coisa que é melhor do que Hollywood pode fazer com atores. Nós sentimos que nós podemos obter no filme algo que nenhum roteirista pode inventar. As coisas como surgem na vida real são muito mais excitantes do que qualquer coisa que você puder inventar ou encenar. Os escritores tentar emular a vida. Eles sentem que eles a tem sob o seu controle. Nós sentimos justamente o oposto. Nós observamos e filmamos as coisas tal como elas acontecem.”55

William Rothman, em seu livro Documentary Classics, ao analisar a produção de Drew e de outros cineastas do Direto, percebe uma relação intrínseca entre o novo estilo documental e uma temática própria do cânone ficcional ao qual esse novo estilo se vincula. Para Rothman, esse tipo de cinema, “herdou a aposta do cinema clássico no cotidiano, no ordinário”. Há, nesse sentido, um vínculo entre a forma e a temática nesse tipo de documentário, que, paradoxalmente, investe sobre uma abordagem espontânea para atingir uma espécie de drama natural (o “teatro sem atores”, de Drew), onde todos encenam o seu papel na sociedade.

[...] ao mesmo tempo, [o cinema Direto herdou] a compreensão do cinema clássico de que, no interior do domínio privado, o não-inocente – o não- espontâneo, o manipulado e o manipulador, o teatral – pode ser encontrado em toda parte. E herdou ainda a convicção do cinema clássico de que a nossa



54

Ver, por exemplo, FIELD, Syd. O Manual do Roteiro.

55

Entrevista de 1968 para TV (http://www.youtube.com/watch?v=hmh71PFBGJE acessado em 29/09/2012)

felicidade como indivíduos, e a da América como nação, desperta a nossa habilidade de superar ou transcender a divisão entre nossos sujeitos privados e públicos, entre nossos atos públicos e nossas fantasias e sonhos privados. (ROTHMAN, 1997, p. 118)

Paul é um vendedor que está diante do fracasso. Enquanto seus colegas voltam satisfeitos depois de um dia de vendas, ele não obtém sucesso e o desenvolvimento do filme é o acirramento dessa crise, a revelação de uma irreversibilidade da situação do personagem. Como técnica de venda, Paul procura estabelecer em todos os lares um vínculo afetivo com o cliente, envolvendo no discurso promocional do produto e das condições de pagamento perguntas sobre a sua origem étnica, a cidade natal, os primeiros nomes ou elogiando as pessoas por características pessoais que ele identifica. Esses ganchos levantados pelo vendedor transportam os diálogos para o campo das intimidades, e os Maysles passam a ter acesso às histórias pessoas através de uma técnica de vendas e não diretamente, através de depoimentos, como em Housing Problems.

Não é para o público que as pessoas se revelam, mas para Paul. A crise do personagem faz com que, pouco a pouco, ele ocupe esse lugar de exposição e comece a falar de si, do seu passado, do seu ódio e, ao mesmo tempo, simpatia pelos clientes que se parecem, afinal, com ele.

Figura 32: Planos iniciais de Salesman: a bíblia, Paul e a família. O desacordo entre os personagens e a apresentação do personagem trágico.

Em seguida à apresentação de Paul, a sequência inicial credita os outros personagens vendedores que, como atores de um filme ficcional tem seus nomes apresentados uma a um e suas ações. O “bagre”, “o coelho” e “o touro” são os três companheiros de Paul nas vendas que, em outra sequência no meio do filme, são apresentados por Paul diretamente para a câmera, enquanto dirige, comentando que seus apelidos se identificam com o modo como agem no momento das vendas. Um plano

noturno do carro de um vendedor na estrada traz a imagem gráfica do título do filme “The Maysles brother's Salesman”, encerrando a sequencia inicial.

Nos 20 minutos seguintes, temos uma longa sequência composta de cenas dos vendedores em ação e de Paul em sua dificuldade para conseguir entrar em alguma das casas. Nessa sequência, os sucessos de venda dos outros personagens são contrastados com cenas de Paul errando pelas ruas, sem conseguir entrar em nenhuma residência. A sequência se encerra com uma cena no quarto de hotel e o depoimento de Paul sobre sua infância para companheiro vendedor, a revelação de um passado comum entre Paul e seus clientes.

A segunda sequência é aberta com uma cena dos vendedores chegando em seu quarto de hotel e discutindo as vendas. Sabemos que Paul vendeu apenas uma bíblia no dia. O gerente da companhia, no papel de cobrador ao final do dia, pede os recibos de venda. O “touro” apresenta as melhores vendas e a cena se encerra com um plano de Paul, em pé, constrangido. “Dá dinheiro esse negocio de bíblia”, afirma o gerente de vendas em uma fala em off antecipada da cena seguinte que se sobrepõe a expressão triste de Paul. Após o corte vemos o seu rosto, seguido de um movimento de zoom out revelando, aos poucos, o vendedor em um auditório, ouvindo a fala do mesmo gerente da cena anterior, diante de um grupo de vendedores de bíblia. Continua o gerente:

Gerente: “É um grande negócio. É um bom negócio. E o que eu tenho a dizer para quem não está faturando é: a culpa é sua. Ponham isto na cabeça. O dinheiro está lá fora para ser pego. Eu estou cansado de ficar empurrando vocês e implorando para que façam o que é melhor para vocês... e o que é bom para nós.” (…) “Talvez vocês percebam a ausência de algumas figuras. É que eliminamos alguns elementos. Não porque estivéssemos com raiva deles, não porque não fomos com a cara deles ou porque não precisamos das poucas vendas que eles faziam. Mas é o problema da ovelha negra corrompendo a manada”.

A câmera passeia pelos rostos dos vendedores, homens constrangidos. A imagem fixa-se em Paul ao final de discurso. Ele é o que veste a carapuça da “ovelha

negra corrompendo a manada”. Junto com todos os outros vendedores, Paul aplaude sem entusiasmo o fim da palestra. A cena situa os personagens para as ações subsequentes, ela anuncia o sentido de seus trabalho, ou seja, obter o lucro da companhia e uma ameaça que recai sobre todos os personagens que, tal como em um jogo, podem ser eliminados se não cumprirem satisfatoriamente os resultados. Ela apresenta um personagem completamente enredado em um sistema de vendas. Como afirma um dos vendedores em uma sequência posterior: “Não é um território pobre, é um pobre no território”, definindo a posição de Paul em suas vendas.

Ainda na segunda sequência do filme, após o término da palestra do gerente de vendas, vemos o grupo de vendedores, pela primeira vez no filme, saindo para uma locação externa, em uma imagem que alude ao imaginário de soldados se lançando para o campo de batalha. Eles caminham por um corredor escuro e abrem uma porta porta para uma paisagem intensamente nevada. Vemos seus carros atolados e cobertos de neve.

O filme caracteriza um ambiente extremamente hostil no qual os vendedores se lançam à sorte do destino. Os homens dentro de seus carros contam as notas de venda e partem. Estamos dentro do carro de Paul, ouvindo-o cantar “wish I were a rich man”. Vemos, ironicamente, pessoas caminhando com dificuldade na nevasca, carros deslisando e, em seguida, os pés de Paul caminhando na neve em direção à primeira porta.

Figura 33: caracterização do ambiente hostil e dos vendedores como soldados na batalha, primeiras externas em Salesman.

A diferença dessas cenas em relação, por exemplo, aos filmes de Frederick Wiseman, que trabalham na mesma chave de denúncia das máquinas de produtividade, cujas engrenagens são pessoas, é que, no filme dos Maysles, para Paul, há uma dimensão íntima preservada. O personagem não adere completamente ao sistema, há algo nele que o faz incapaz de satisfazer às expectativas, algo que se trata, justamente, de uma dimensão que Albert Maysles chama de “humana”. Nos filmes de Frederick Wiseman, os personagens atuam em meio a essas engrenagens, embora igualmente

oprimidos, de um modo inconsciente a respeito de sua posição. O médico em Hospital (1970) exerce apenas o seu papel de médico, o carcereiro em Titicut Follies (1967), o policial em Law and Order (1973), o vendedor em The Store (1984), enfim, todos exercem as suas funções estritas, não restando uma dimensão alheia ao domínio das relações públicas, não havendo espaço de construção subjetiva. Seus filmes abordam instituições e não personagens individuais, a intimidade é tematizada pela sua ausência.

Em Salesman, diferentemente, há uma constante tensão entre os domínios público e privado, entre o exercício autômato de um papel social por parte dos personagens e a crença, ou aposta, dos realizadores, em uma interioridade preservada do personagem que o salva em meio a maquinária do consumo e das vendas. Paul atua de uma forma irônica diante de sua situação, parodiando os seus clientes ou tecendo comentários críticos sobre os “territórios” de venda, o que revela a dimensão reflexiva do personagem, que reconhece o seu lugar no sistema de vendas e, especialmente, compreende o seu papel no filme como ator de si mesmo.

Paul, ainda, identifica-se com seus clientes através de um discurso de origem, no caso, seus antepassados imigrantes. O que une os católicos do filme, além da dinâmica