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Cinema de Animação Experimental

2. A DICOTOMIA DO CINEMA ANIMADO

2.1 História do cinema animado: essência e origem

2.1.2 Cinema de Animação Experimental

Em seus primórdios, o cinema que estava nascendo foi ‘reivindicado’ tanto pelos artistas que queriam torná-lo narrativo e teatral quanto pelos artistas plásticos, que viam nele a possibilidade de expandir as propriedades da pintura e escultura ao dotá-las de movimento. Estes artistas seriam a origem do que ficou conhecido como cinema experimental.

O qualitativo “experimental” costuma ser utilizado ao referir-se a obras produzidas em determinados movimentos e contextos que, ao longo do século XX, se mostraram alternativas à forma cinematográfica convencional, caracterizada pelo modelo narrativo. Compreende, principalmente, a produção do contexto das vanguardas artísticas na década de 1920, e de movimentos artísticos da década de 1960, além da produção esparsa e independente de quaisquer movimentos artísticos e/ou cinematográficos (QUARESMA, 2015).

Sébastien Denis (2010) observa duas categorias distintas da utilização fílmica pelos artistas das Vanguardas Artísticas da década de 1920. A primeira delas é exatamente o cinema enquanto extensão da pintura, utilizando-se quase sempre de técnicas animadas. Podemos encontrar no manifesto ‘A cinematografia futurista’, de 1916, a afirmação de que o cinema deveria abandonar os maneirismos da arte teatral e abarcar as propriedades da pintura, adicionando a esta a cinética. Artistas como Viking Eggeling, Walter Ruttmann e Hans Richter criavam gráficos animados a partir de diversos tipos de materiais e processos, como gravura, pintura, escultura, etc., às vezes interferindo diretamente na película e, em outros casos, fotografando frame a frame quadros e outros objetos. “Estas obras consistiam, ao mesmo tempo, de um projeto de extensão da pintura – uma nova pintura, disposta de tempo e movimento – mas também de um projeto de autonomia para o cinema” (QUARESMA, 2015, p. 12). A outra categoria da utilização do cinema pelas Vanguardas, segundo Denis (2010), é a ‘perversão do real’, quando os artistas subvertiam imagens filmadas, transformando-as em figuras abstratas. A maior parte destes filmes, porém, só utilizam técnicas animadas em poucos trechos.

Animadores, criando sobre a base das artes plásticas, não meramente exploram abordagens e estilos, mas também, de consciência própria, exploram princípios teóricos e ideias geradas a partir das artes plásticas, e as usam de novo a partir do suporte animado (WELLS, 2002, p. 36).

Enquanto a animação comercial investe em estilos massificados, explorando os modelos dominantes do momento, a animação experimental é plural e varia de acordo com o estilo particular de cada artista ou movimento. Os filmes experimentais, pela sua liberdade criativa, buscavam resultados plásticos e investiam em conceitos mais do que em uma objetividade narrativa, além disso os artistas buscavam inovações e a exploração dos limites de diversas técnicas. Pode-se dizer que, tanto em termos de estilo quanto de técnica, as soluções

33 alcançadas pelo cinema experimental animado são infinitas. A seguir, mostraremos algumas poucas técnicas, talvez as que mais se destacam, e alguns autores que tiveram relevância para a história do cinema experimental animado. É importante destacar que este é apenas um resumo que busca ilustrar como são diversas as possibilidades do experimentalismo na arte animada.

A pintura na película é uma das técnicas experimentais mais usadas. Ela tem seu marco inicial em 1912 com os futuristas Arnaldo Ginna e Bruno Corra, mas conquistou notoriedade com as obras de Normam McLaren para o National Film Board do Canadá – NFB, nas décadas de 1940-1980, inspirando artistas no mundo inteiro. Por ser um método de criação muito barato, basicamente, precisava-se de um rolo de película e instrumentos de desenho, esta técnica é muito comum em diversas filmografias.

Oskar Fischinger, na década de 1930, usava a música clássica e o jazz para dar ritmo a composições abstratas com objetos feitos de madeira. Na década de 1940, na Califórnia, surge um movimento cinematográfico em torno do Art in Cinema Festival, que revelou artistas como Harry Smith e Larry Jordan, ambos conhecidos pelas animações com colagens e recortes. Na década de 1950, o animador Robert Breer cria trabalhos que buscavam expor a unidade básica do filme, ao usar uma imagem diferente em cada quadro, anulando assim a construção do movimento fílmico (BENDAZZI, 1995; CAVALIER, 2011).

Figura 5 – Respectivamente: objetos colados na película em Mothlight (1963), Moznosti Dialogu (1982).

Fontes das imagens: website These girls on film20, website Cine Outsider21.

Também da NFB, na década de 1960 e 1970, destacamos Ryan Larkin, jovem artista que experimentou com desenho e pinturas usando vários suportes e materiais. Ainda na década de 1960, o cineasta experimental Stan Brakhage experimenta colar objetos em cima da

20 Disponível em: <https://thesegirlsonfilm.files.wordpress.com/2013/12/mothlight.jpg?w=768>. Acesso em 09 jun. 2016.

34 película cinematográfica em Mothlight (1963). Na União Soviética, também na década de 1960, surge Jan Svankmajer, conhecido principalmente pelos filmes surreais em stop motion usando diversos tipos de objetos e materiais, inclusive comida e barro, entre eles:

Jabberwocky (1971) e Moznosti Dialogu (1982). (BENDAZZI, 1995; CAVALIER, 2011).

Com o aparecimento dos primeiros computadores nas décadas de 1960 e 1970, até mesmo o 3D, que hoje é a técnica mais usada em animações blockbusters, serviu como opção para experimentações nas obras de artistas como Ed Emshwiller, James Whitney e Larry Cuba. Nas décadas de 1980 e 1990, designers e artistas visuais começam a incorporar técnicas e elementos das animações experimentais em seus trabalhos para publicidade, motion design e computação. O fácil acesso a equipamentos de computação gráfica e as comunicações em rede fazem surgir inúmeros artistas independentes que usam a internet para divulgar os seus trabalhos sem necessariamente ter de passar pelo crivo das curadorias artísticas. Entre estes artistas, estão: Satoshi Tomioka, que trabalha com 3D, e PES, nome artístico de Adam Pesapane, que faz stop motion com objetos (BENDAZZI, 1995; CAVALIER, 2011).

A rotoscopia, inventada pelos Fleischers e utilizada à exaustão por Disney, é abarcada pelo cinema de animação experimental, que deturpa a sua ideia básica de ‘copiar’ o movimento e a imagem real filmada. Artistas como o nova-iorquino Jeff Scher usam a rotoscopia como base para experimentar soluções inusitadas feitas quadro a quadro, como em

Milk of Amnesia (1992), em que os quadros de vídeos aleatórios são desenhados e pintados de

forma também aleatória, o que resulta em um frenesi de cores, traços, pinceladas e manchas, mas o movimento dos filmes originais permanece inalterado (figura 6).

Figura 6 – Quadro isolado e conjunto de quadros do filme Milk of Amnesia (1992), respectivamente.

Fontes das imagens: website Nuncalosabre22, website do Maya Stendhal Gallery23.

22 Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-

KcpGnjEZtTg/VASoxpbQVXI/AAAAAAABiL0/WXD_SZHSCw4/s1600/Captura%2Bde%2Bpantalla%2Bco mpleta%2B24062013%2B204728.bmp.jpg>. Acesso em 09 jun. 2016.

23 Disponível em: <http://www.mayastendhalgallery.com/images/2jeffscher/milkofamnesia1_p1.jpg>. Acesso em 09 jun. 2016.

35 Esta noção de diversidade plástica, técnica e sentidos deve-se muito ao perfil dos autores destes filmes. “Seus produtores não consistiam de indivíduos orientados especificamente para a indústria de animação, alguns sequer orientados para o cinema como um todo” (QUARESMA, 2015, p. 13). De artistas plásticos, aos designers gráficos, dos cineastas independentes até os nerds da computação, cada um trouxe um pouco de experiência, características e influências para o cinema de animação experimental.

Por último, estas obras só foram possíveis por estarem contidas em uma esfera das artes plásticas, da contracultura e do cinema independente, distanciando-se, então, das animações comerciais dos grandes estúdios. Porém, elas não vivem isoladas e existe um intercâmbio e influências mútuas entres estes dois polos.