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Considerações sobre a classificação de Wells

2. A DICOTOMIA DO CINEMA ANIMADO

2.2 Animação Ortodoxa, Experimental e Developmental

2.2.5 Considerações sobre a classificação de Wells

A definição de Animação Ortodoxa começou a tomar forma com o surgimento de uma indústria que impôs suas normas, regras e concepções de mercado sobre a criação e produção do filme animado. Este esquema foi fundamental para tornar a animação uma arte popular, lucrativa e difundi-la no mundo todo. Porém, limitou muito as possibilidades estéticas e práticas da animação, ficando esta parte mais experimental concentrada em um nicho próprio do cinema de arte e das artes plásticas, exibido em circuitos de festivais, cineclubes e mostras artísticas.

Apesar de a definição e os conceitos do cinema Ortodoxo não variar muito ao longo do tempo, as suas características variam de acordo com o que o mercado aceita e exige. Em termos de técnica para longas de cinema, a animação tradicional 2D, que dominou a maior parte da história da animação, começou a perder espaço para o 3D a partir do lançamento de

Toy Story (1996), tendo seu ponto final quando a Disney anunciou o fechamento de seu

estúdio de produção de animação 2D. Assim, todos os grandes estúdios viram neste filão do 3D um grande potencial e abriram seus próprios departamentos de animação, destaque para a Pixar, pioneira na produção de longas, e a Dreamworks Animation. Atualmente, os filmes 3D dominam o mercado, ficando as produções em longas-metragens 2D praticamente restritas ao cinema independente e às regiões periféricas, fora do circuito hollywoodiano.

Em alguns mercados como o da animação japonesa, que atua fortemente dentro e fora do Japão, a partir de uma forte subcultura global, a técnica 2D é dominante, tanto para longas- metragens quanto para séries de TV. Esta subcultura do Anime possui também uma estética, uma linguagem visual e cinematográfica muito particular com suas próprias regras e princípios, que são imitados, reproduzidos e recriados no mundo inteiro (LAMARRE, 2008). Podemos então inferir que, em mercados paralelos, em subculturas ou em contextos particulares, o Ortodoxo pode tomar formas diferentes e obedecer a cânones diversos.

Já a terceira técnica mais usada em longas, o stop motion, apesar de ter conseguido vários sucessos de bilheteria no decorrer da história, nunca chegou a ser uma técnica dominante. Nos últimos anos, podemos ver inclusive um ressurgimento da técnica de stop

motion, com obras rentáveis e de excelência artística. Mesmo assim, o stop motion continua

sendo uma técnica do ‘segundo escalão’ do cinema comercial. Vale destacar que o stop

motion talvez tenha sido o processo que menos mudou em termos de produção com o

surgimento do digital, mas que, mesmo assim, teve uma evolução técnica clara, ao conseguir atingir movimentos fluidos e naturais (figura 21).

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Figura 21 - Filmes realizados em stop motion: Coraline (2009) e A Noiva Cadáver (2005), respectivamente.

Fontes: Captura de tela dos arquivos digitais dos filmes.

Estilisticamente, houve, nas últimas décadas, o crescimento da popularização dos filmes de animação japoneses, os Animes. Vários aspectos gráficos foram incorporados pelas animações dos grandes estúdios, entre eles os grandes e expressivos olhos dos personagens, que já havia sido herança de Disney para o cinema de animação japonês, além de peculiaridades de montagem, representação e movimentos próprios desta cinematografia (figura 22).

Figura 22 - Akira (1988), exemplo de influência da animação japonesa na filmografia Ortodoxa americana em

Os Incríveis (2004), respectivamente.

Fontes das imagens: website Den of Geek43, website Rotoscopers44.

Conclui-se, neste sentido, que o estilo ortodoxo não é imutável. Ele adapta-se a novas realidades, novas tecnologias, novos contextos e a novos pensamentos, pois depende de resultados comerciais favoráveis. Até em uma cinematografia como a Disney, em alguns momentos, podemos ver a influência de obras mais experimentais, como foi o caso da

43 Disponível em: <http://cdn-

static.denofgeek.com/sites/denofgeek/files/styles/article_main_wide_image/public/3/38//akira- main_0.jpg?itok=xd3faVZ9>. Acesso em 19 jun. 2014.

44 Disponível em: < http://www.rotoscopers.com/wp-content/uploads/2013/09/images-incredibles-g- 300x227.jpg>. Acesso em 19 jun. 2014.

58 animação curta Toot, Whistle, Plunk and Boom, de 1953 (figura 23). O filme foi fortemente influenciado pelo estilo moderno e estilizado da UPA, que, na época, chamava a atenção da indústria ao conquistar prêmios e uma boa aceitação do público a partir de animações que iam de encontro ao realismo e naturalismo da Disney, utilizando movimentos simples, poucas cores, cenários abstratos, perspectiva própria aliada a uma bidimensionalidade intencionalmente exposta. Mas estes lampejos não mudaram o pensamento ortodoxo, e os estúdios Disney continuaram a utilizar seu estilo clássico e a influenciar outras produções.

Figura 23 - Toot, Whistle, Plunk and Boom, de 1953.

Fonte: Captura de tela do arquivo digital do filme.

Ou seja, normalmente as características da Animação Ortodoxa, para um determinado período, atendem, principalmente, às exigências do mercado, do meio e do público. O objetivo principal é produzir uma obra comercialmente bem-sucedida. Assim, com o tempo, quando fórmulas se esgotam e tecnologias avançam, os cânones ortodoxos naturalmente buscam novos ares e se renovam. Durante a história da animação, podemos inferir que esta mudança é gradual e, muitas vezes, rara.

Já o cinema de Animação Experimental ganha força com o surgimento das novas tecnologias digitais. Isso porque estas abrem caminho para mais experimentações estéticas, ao aliar o artesanal e o digital, além de proporcionarem um barateamento na produção de conteúdo animado e criarem uma nova condição de divulgação e escoamento de material, através de redes sociais e sites de compartilhamento de vídeos.

A classificação de Wells serve, desta forma, para o estudo estilístico de animações, mas esta análise deve observar e levar em conta o pensamento, os conceitos, o mercado do período e do contexto em que a animação foi criada.

Vale salientar que a lógica ortodoxa utilizada nas séries de animações para a TV é bem diferente daquela aplicada ao cinema. Visto que nesta tese o objeto de estudo são filmes

59 pernambucanos feitos para o cinema, não entraremos nesta discussão, mas propõe-se um estudo futuro acerca do ortodoxo e experimental em séries, videoclipes, comerciais etc.

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