• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 1 CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

1.4 Características dos contratos de concessão de serviços públicos

1.4.3 Cláusulas contratuais e cláusulas regulamentares

“cláusula exorbitante”, preferindo denominá-las por cláusulas de prerrogativa ou cláusulas de privilégio:

A nosso ver, como dissemos, a expressão “cláusula exorbitante”, embora expressiva, é criticável porque residual. Não é denominação válida, em si e por si, mas tomada com referência ao direito civil, ao chamado “direito comum”. Melhor seria denominá-la “cláusula de privilégio”, “cláusula vertical”, “cláusula de prerrogativa”, sem reportá- la, terminologicamente, ao direito privado, “por exclusão”, residualmente, em relação de minuendo-subtraendo-resto: cláusula exorbitante é a que não pode estar no contrato privado. “Inabitual”, “inusual”, não empregada no contrato privado, se neste fosse introduzida, atentaria contra a ordem pública, por causa de seu caráter de “ilicitude”. Introduzida em contrato privado, não o transformaria em “contrato administrativo”, mas seria “corpo estranho”, repelido pelo direito.

De toda forma, o particular, mesmo sabendo da existência das cláusulas exorbitantes ou cláusulas de privilégio existentes nos contratos de concessão, manifesta sua vontade de contratar com o Estado. Qual a razão?

O interesse dos particulares em contratar com o Estado, mesmo com a existência das cláusulas exorbitantes, inerentes ao contrato administrativo, é consubstanciado pela garantia de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro da avença, ao longo de toda sua duração, mesmo no caso de instabilização do vínculo mediante alteração do pactuado ou rescisão da avença unilateralmente pelo Poder Público, entre outras, como veremos.

1.4.3 Cláusulas contratuais e cláusulas regulamentares

Nos contratos administrativos de concessão de serviço público existem duas espécies de cláusulas contratuais. As chamadas cláusulas regulamentares e as cláusulas contratuais ou cláusulas financeiras. As cláusulas regulamentares são aquelas que disciplinam a organização e o funcionamento do serviço, já as cláusulas financeiras, ou contratuais, disciplinam os direitos do contratante com relação à

56 CRETELLA JÚNIOR, José. As cláusulas “de privilégio” nos contratos administrativos. Revista de

remuneração prevista no contrato e a equação financeira a ser mantida durante toda a execução do contrato.

Na lição de Hely Lopes Meirelles57:

Assim em todo contrato administrativo coexistem duas ordens de cláusulas: as econômicas e as regulamentares do serviço, da obra ou do fornecimento. Aquelas são inalteráveis unilateralmente, porque fixam a remuneração e os direitos do contratado perante a Administração e estabelecem a equação financeira a ser mantida durante toda a execução do contrato; estas - as regulamentares ou de serviço - são alteráveis unilateralmente pela Administração segundo as exigências do interesse público que o contrato visa a atender. A variação do interesse público é que autoriza a alteração do contrato e até mesmo sua extinção, nos casos extremos em que sua execução se torna inútil ou prejudicial à comunidade.

A doutrina denomina as cláusulas que consagram as prerrogativas da Administração em prol do interesse público, de cláusulas “regulamentares”, e as cláusulas que protegem o contratante particular com relação à remuneração e ao equilíbrio contratual, de cláusulas “contratuais”. A concessão, portanto, tem cláusulas regulamentares, estabelecidas unilateralmente pela Administração, e cláusulas financeiras concernentes ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato. 58

São consideradas normas regulamentares ou de serviço todas aquelas estabelecidas em lei, regulamento ou no próprio contrato visando à prestação de serviço adequado. Faz parte do aspecto regulamentar tudo o que diz com o modo de prestação do serviço e fruição dele pelos usuários. Em consequência, integram as cláusulas regulamentares as disposições relativas à organização, ao funcionamento do serviço, ao prazo da concessão por ato exclusivo do Estado.

O Poder Público, na condição de titular do serviço público, que deve ditar para o concessionário a maneira pela qual o serviço deve ser prestado ao usuário. Dessa maneira, se faz necessário que a organização e o funcionamento do serviço delegado, mesmo passando a ser executado por um particular, não perca as suas características de generalidade, essencialidade, de continuidade, de modicidade, de relevância, de ser prestado de forma igual para todos os usuários e de ter por fim a satisfação de uma necessidade coletiva.

57 MEIRELLES, Hely Lopes. Licitação e contrato administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros,

2010. p. 259.

Conforme afirma José Carlos de Oliveira 59:

O poder concedente detém a prerrogativa legal de introduzir todas as modificações que julgue necessárias para alcançar uma melhor organização e funcionamento do serviço, além de exigir do concessionário adaptações para acomodar o serviço às novas demandas e conveniências para os usuários.

Entende-se, portanto que apenas à parte regulamentar é suscetível de alteração unilateral pela Administração Pública, dentro dos limites atinentes à estrutura do contrato e mediante a contrapartida do reajuste financeiro, se assim for o caso. Por outro lado, ao passo que existem as cláusulas regulamentares, existem as cláusulas que regem a parte de natureza econômica da concessão. Nesse sentido, Edmir Netto de Araújo 60 entende que:

Deve-se entender por cláusula econômica não só a que dispõe sobre a remuneração do contratante privado, mas também a que se reflete sobre sua remuneração ou lucro, não podendo também ser alterada ao alvedrio a Administração, pois em certos casos sua alteração poderá tornar inviável ou impossível a execução do contrato, não só do ponto de vista econômico-financeiro, mas até mesmo sob o aspecto técnico.

Exatamente em contrapartida a tais prerrogativas de instabilização da Administração Pública, segue-se o aspecto contratual da concessão, que relaciona- se diretamente com a equação econômico-financeira.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro 61:

Não há dúvida de que na concessão de serviço público se estabelece uma relação contratual entre concedente e concessionário, na qual este último tem os interesses especulativos próprios de qualquer empresário; daí a razão de ter-se construído toda a teoria do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, cujo objetivo é garantir que o concessionário, durante toda a execução do contrato, tenha assegurada a percepção de remuneração que lhe permita manter a relação custo-benefício estabelecida no momento da celebração do contrato. Daí também o fato de ser esse equilíbrio estabelecido por meio de cláusulas contratuais, que não podem ser unilateralmente alteradas pela Administração. Trata-se das chamadas cláusulas

59 OLIVEIRA, José Carlos de. Concessões e permissões de serviços públicos. Bauru: EDIPRO,

1996. p. 78.

60 ARAÚJO, Edmir Netto de. Curso de direito administrativo. 5. ed. São Paulo: Saraiva 2010. p. 675. 61 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na administração pública: concessão, permissão,

franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 8. Ed. São Paulo: Atlas, 2011. p. 77. (grifo do autor).

financeiras, que compreendem as referentes à tarifa e outras fontes de receita, além de qualquer outra que possa dizer respeito ao equilíbrio econômico-financeiro da concessão.

Isso significa que, a parte “imutável”, via de regra, do contrato de concessão de serviços públicos encontra-se nas cláusulas contratuais ou financeiras. Assim, as cláusulas financeiras, que correspondem à chamada parte contratual, são substancialmente inalteráveis.

Portanto, não é qualquer cláusula de um contrato de concessão que pode ser modificada pelo poder concedente. 62 O poder de alteração unilateral das cláusulas dos contratos de concessão restrigem-se exclusivamente à cláusulas regulamentares. Todavia, como veremos, ao instabilizar o vínculo contratual, com a alteração unilateral das cláusulas regulamentares, a Administração deverá recompor a equação econômico-financeira inicial do contrato.

62 Nesse sentido, Egon Bockmann Moreira: “[...] não é qualquer cláusula que pode ser alterada

unilateralmente. Ou, mais propriamente, não é o conteúdo de qualquer cláusula que pode ser modificado, mas sim aquelas cuja substancia diga respeito ao objeto do contrato e à forma de sua execução. São passíveis de modificação as cláusulas que disciplinem as prestações atribuídas ao concessionário: o objeto do contrato, entendido como a execução da atividade substancial definida pelo ato de outorga: a materialização da obra, a gestão do serviço concedido e sua prestação aos usuários.” MOREIRA, Egon Bockmann. Direito das concessões de serviço público. São Paulo: Malheiros, 2010. p. 381.

CAPÍTULO 2 O EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO NOS CONTRATOS DE