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Clarificando os conceitos de concepção, imagem, representação…

Capítulo II Concepções curriculares dos professores acerca das línguas e da

2. As concepções dos professores: repercussões nas práticas de gestão curricular do plurilinguismo

2.1. Clarificando os conceitos de concepção, imagem, representação…

Pelo que acabámos de dizer, podemos verificar que, actualmente, há uma crescente preocupação com uma nova imagem do professor, enquanto profissional e gestor curricular. Deste modo, torna-se fundamental não só compreender essa nova imagem que a sociedade lhe confere, mas igualmente o que o próprio professor pensa e sente, isto é, a imagem que tem de si próprio, da sua formação e competências, das suas práticas e do seu papel face aos novos desafios do quotidiano profissional que parece ser cada vez mais exigente. Entre esses desafios, salientamos a importância de preparar a escola para lidar com a diversidade linguística e de preparar alunos e professores para o exercício da cidadania, não considerando este como um desassossego, mas enquanto defesa de um conjunto de valores que devem orientar as práticas curriculares e a vida de qualquer indivíduo (Apple & Beane, 2000).

Neste contexto, vários estudos se têm vindo a desenvolver em torno do “pensamento dos professores” (cf. Sanches & Jacinto, 2004). Trata-se de um conjunto de estudos ainda recentes pelo que se têm vindo a consolidar ao longo das últimas décadas do século XX. Usando as palavras de Sanches & Jacinto, “distinguiram-se duas fases na investigação internacional sobre o ensino como actividade de pensamento”: uma primeira (décadas de 70 e de 80), resultante de mudanças de carácter epistemológico que trouxeram consigo novos problemas investigacionais em torno da profissão docente e uma segunda fase (década de 90), de maior aprofundamento do debate epistemológico em torno da

relação teoria/prática e da importância da reflexão sobre as práticas docentes (Sanches & Jacinto, 2004: 134).

Em Portugal, a investigação acerca do pensamento dos professores parece centrar- se fundamentalmente nas preocupações destes enquanto decisores curriculares num contexto de mudanças e reformulações curriculares constantes, nas concepções e práticas ligadas à função ética de ensinar e às dimensões do conhecimento profissional. Neste sentido, entendemos que a complexidade do processo educativo e de gestão curricular se prende sobretudo com a tomada de decisões que deixa de ter um carácter exclusivamente cognitivo para assumir, simultaneamente, uma natureza ética e deontológica. Neste sentido, o professor é visto como aquele que “perspectiva a escola e a comunidade como espaços de educação inclusiva e de intervenção social, no quadro de uma formação integral dos alunos para a cidadania democrática” (Ministério da Educação, 2001c).

Neste trabalho investigativo, interessa-nos sobretudo explorar questões como as concepções/imagens/representações dos professores relativamente às línguas e à sensibilização à diversidade linguística nos primeiros anos de escolaridade, por um lado, e a forma como essas representações poderão influenciar as suas práticas, por outro. Tal interesse decorre particularmente da nossa crença de que essas concepções emergem sempre de um processo complexo de interacções que condicionam acções (e outras interacções) futuras. Neste sentido, será importante começar por clarificar alguns conceitos.

Partimos do princípio de que os conceitos de concepção, imagem e representação são similares na medida em que “caminham lado a lado e que, por serem muito próximos, são utilizados indistintamente” (Pinto, 2005:13).

O conceito de imagem tem sido objecto de estudo de múltiplas áreas das Ciências Humanas. Neste sentido, este conceito assume um carácter “pluriforme” (Pinto, 2005: 13), contraindo significações tão diversificadas quanto as disciplinas que o explanam (entre outras, a Psicologia Social, a Sociologia, a Sociolinguística, a Antropologia, a História, a Filosofia, as Ciências da Linguagem e da Comunicação…). Doise & Palmonari (1996) perspectivam a noção de imagem como um carrefour, entendendo-a como resultante de um cruzamento entre várias perspectivas e definições. Também Castellotti & Moore se manifestam acerca do carácter polissémico do conceito e da consequente necessidade de o clarificar segundo várias disciplinas,“la polysémie attachée à cette notion, du fait de sa

mobilisation dans des différents domaines disciplinaires, rend nécessaire certaines clarifications terminologiques (…)" (Castellotti & Moore, 2002 : 5). É nesta perspectiva também que outros o apelidam de conceito migrante (Pinto, 2005).

Nas áreas da Psicologia Social e da Sociologia, o conceito de representação surgiu explicitamente na década de 70 (Pinto, 2005). Com esta abordagem, reconhece-se o carácter social das representações. Neste sentido, admitimos a existência de concepções colectivas e as individuais, acreditando que é a relação entre umas e outras que confere dinâmica à actividade social. Desta forma, defendemos que a vida social é composta por várias representações colectivas, sendo que, muitas vezes, essas representações emergem daquilo que é transmitido socialmente, funcionando como símbolo, como identidade e coesão de um dado grupo social, sempre com uma conotação cultural. Esta é também a visão de Boyer quando se refere à existência de um “imaginário etnosociocultural colectivo” ou de “representações partilhadas” (1998). Pensamos, assim, que estas representações contribuem frequentemente para a organização e orientação do comportamento do ser humano em sociedade. Esta asserção de representação social vai ao encontro das teorias formuladas e defendidas por vários autores (cf. entre outros, Jodelet, 1989; Guimelli, 1994). Na nossa opinião, é essencial que se perspective o surgimento e a evolução das imagens no seio das relações sociais, isto é, julgamos que “não é possível compreender a evolução e a organização de uma representação se esta não for integrada na dinâmica social” (Pinto, 2005: 22). Também Mannoni (1998) vê a emergência das representações na intersecção de três elementos: o individual, o colectivo e a própria realidade social envolvente.

Também na área das Ciências da Linguagem e da Comunicação se aborda esta temática, vendo-a sobretudo como resultante de uma dinâmica constante (e até mesmo um conflito) entre representações e práticas (Boyer, 1991).

Também Calvet (1999) considera que, apesar de distintas, as concepções e as práticas são indissociáveis. Aliás, os resultados de alguns estudos realizados por Matthey & Moore mostram isso mesmo, permitindo que estas autoras afirmem “on ne constate pas le divorce entre pratiques et représentations souvent mis en évidence par Labov, si ce n’est lors d’évènements ponctuels" (Matthey & Moore, 1997 : 80).

É nesta perspectiva que acabámos de descrever que os conceitos de concepção/imagem/representação são actualmente conceitos de grande relevância na área da Didáctica das Línguas. Nas palavras de Moore:

“La notion de représentation est aujourd’hui largement circulante en didactique et dans les travaux portant sur l’acquisition des langues. Les images et les conceptions que les acteurs sociaux se font d’une langue, de ce que sont ses normes, ses caractéristiques, son statut au regard d’autres langues, influencent largement les procédures et les stratégies qu’ils développent et mettent en œuvre pour apprendre cette langue et en user” (Moore, 2001: 9).

Partilhando da opinião de Moore (2001), acreditamos que as concepções/imagens/representações das línguas influenciam as atitudes e as acções dos aprendentes e as práticas dos professores face às mesmas. Associadas a essas representações estão as atitudes e os estereótipos. Muitas vezes, estes dois conceitos são utilizados de forma inadequada por serem confundidos com a própria noção de representação. Castellotti & Moore (2002) preocupam-se particularmente com a distinção entre estes conceitos. Assim, atitude é definida pelas autoras referidas como uma disposição do sujeito para reagir relativamente a um objecto. No entanto, como o sujeito possui informações e crenças acerca do objecto, que podem ser preconceitos ou estereótipos, estes podem revelar-se através das suas atitudes.

Os estereótipos parecem funcionar frequentemente como grelhas de leitura através

da comparação e da oposição de traços atribuídos a outros grupos (Castellotti & Moore, 2002), contribuindo para a coesão dos mesmos e servindo de identidade grupal. Como afirma Tajfel, trata-se de "une forme spécifique de verbalisation d’attitudes, caractérisé par l’accord des membres d’un même groupe autour de certains traits, qui sont adoptés comme valides et discriminants pour décrire un autre (l’étranger) dans sa différence" (Tajfel,1981, citado por Castellotti & Moore, 2002). Para Byram, o estereótipo é como que “a view of a individual or a group of people held by others based on commonly held assumptions that may not be the result of direct, personal knowledge of those people” (Byram, 2001: 574). Neste sentido, o estereótipo aproxima-se da própria noção de representação como um conhecimento socialmente elaborado e partilhado por uma dada comunidade social (Jodelet: 1989), sendo a representação vista como uma espécie de “categorização da memória nacional identitária" (Boyer, 1998: 7). Para além disso,

ambos os conceitos podem assumir um carácter interno ao sujeito (identidade e identidades da comunidade do sujeito) ou externo (identidade e identidades de outras comunidades e do Outro). Desta forma, poderemos falar em auto-representações, mas também de hetero- representações (Boyer, 1998) bem como de auto-estereótipos e hetero-estereótipos (Moore, 2001).

Uma vez clarificados estes conceitos, procuraremos evidenciar as principais razões que nos levaram a estudar as concepções/imagens/representações relativamente às línguas e à sensibilização à diversidade linguística. Assim, move-nos a vontade de reflectir sobre as vantagens de conhecer as representações dos professores acerca das abordagens plurais e as possíveis influências que essas mesmas representações poderão ter nas suas práticas, o que, a nosso ver, terá também implicações ao nível da formação de professores. Partimos, pois, do princípio de que é necessário formar os professores para a diversidade. A este propósito, Bennett afirma:

“thinking, caring, and acting are the heart of my teaching of multicultural education. I am assuming that addition to the need for teachers who are well informed about their content areas and cultural diversity, the nation needs teachers who are fair-minded, critical thinkers, who care about the welfare of their students and humanity in general, and who act in ways that encourage all students to learn and develop to their highest potential” (2005: 262).

2.2. Concepções dos professores: que lugar na gestão curricular da