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Capítulo III Estudo empírico: problemática de investigação e procedimentos

4. Procedimentos de recolha de dados e de análise da informação

4.2. Instrumentos de recolha de dados

Tendo em conta que o nosso objecto de estudo envolve representações e atitudes resultantes da mente humana, as nossas opções relativamente à recolha dos dados recaíram sobretudo num conjunto de procedimentos que permitissem conhecer o pensamento dos professores acerca da temática central abordada, através das inter-relações entre o sujeito investigado e o investigador. Assim, tivemos o cuidado de construir instrumentos de recolha de dados que facilitassem não só a construção de conhecimento acerca das concepções destes professores, mas também que nos permitissem compreender como se disponibilizam as três professoras que constituem a nossa amostra para integrar a diversidade linguística no currículo do 1º CEB.

Desta forma, consideramos três instrumentos de recolha de dados neste trabalho: um questionário inicial de caracterização e duas entrevistas (inicial e final) realizadas a três professoras do 1º Ciclo do Ensino Básico.

Como referimos anteriormente, num primeiro momento, dinamizámos duas sessões de mestrado (cf. Anexo1), para contactar com aqueles que seriam os sujeitos do nosso estudo. Nesta fase, construímos um pequeno questionário – do qual apenas constavam alguns dados pessoais e profissionais – cuja finalidade não era recolher dados acerca da problemática do nosso estudo, mas apenas conhecer um pouco melhor as três professoras e poder, posteriormente, fazer uma caracterização da nossa amostra (cf. ponto 4.1).

Dado que a avaliação da disciplina de Educação e Pluralidade Linguística consistia na elaboração de um dossier de grupo em torno de uma das temáticas abordadas nesta disciplina, três elementos da turma mostraram-se interessados em abordar a questão da sensibilização à diversidade linguística no 1º Ciclo do ensino Básico. A partir daí, procurámos acompanhar o seu trabalho e dar algumas orientações, juntamente com a docente da disciplina. Partimos do princípio de que a relação directa que estabelecemos, enquanto investigadoras, com os sujeitos a investigar, se revelou extremamente vantajosa

na medida em proporcionou momentos de convívio informais, cuja partilha de saberes e de experiências (pessoais e profissionais) se deu de forma mais espontânea, complementando e enriquecendo o nosso conhecimento acerca destas professoras.

A partir deste momento, ao privilegiar o diálogo enquanto estratégia de aceder ao pensamento do outro, acreditamos que o instrumento de recolha de dados mais adequado ao nosso estudo empírico é a entrevista. Desta forma, assumimo-nos aqui como investigadoras de tipo qualitativo, ao interessarmo-nos em particular “pelo modo como as pessoas pensam sobre as suas vidas, experiências e situações particulares”, admitimos que “as entrevistas efectuadas são mais semelhantes a conversas entre dois confidentes do que a uma sessão formal de perguntas e respostas entre investigador e sujeito” (Bogdan & Biklen, 1994:68-69).

Contudo, sabemos que, numa entrevista, o contacto investigador-investigado é, de facto, muito directo e temos consciência de que a presença e as atitudes do investigador influenciam sempre – ou quase sempre – o processo de recolha de dados. Para além disso, sabemos que o discurso dos entrevistados poderá não ser totalmente fiel ao que realmente pensam ou fazem por várias razões, por vários constrangimentos ou simplesmente por quererem dar uma determinada imagem ao investigador. Por isso mesmo, procurámos planear de forma cuidadosa a construção e a realização das entrevistas. Definidos os objectivos inerentes à entrevista, seleccionados e preparados os entrevistados, procedemos à construção do guião da entrevista para, posteriormente, a realizar numa data e local favoráveis a todos os intervenientes (cf. Carmo & Ferreira, 1998).

Uma outra preocupação que tivemos prende-se com a validação dos instrumentos a utilizar na recolha de dados. Uma vez que, no âmbito da disciplina de Gestão Curricular do nosso 1º ano de Mestrado (2003/2004), tínhamos realizado um trabalho cujos objectivos gerais se identificam com os do presente estudo empírico, julgamos que esse trabalho serviu para validar e orientar a construção e aplicação das entrevistas deste estudo empírico. Para além disso, na segunda entrevista, foram trabalhadas algumas questões já focadas na primeira com o objectivo, não só de identificar possíveis alterações das concepções das três professoras que constituem a nossa amostra, mas também de nos certificarmos de que os dados recolhidos estão, de facto, em consonância com os nossos sujeitos. Foi precisamente por pretendermos descrever o mais fielmente possível a realidade dos dados que resolvemos, inclusive, colocar essa mesma realidade na voz dos

nossos sujeitos de investigação (através das entrevistas) para, ao registar as suas palavras (transcrição das entrevistas), podermos assegurar a validade interna dos dados.

Numa primeira fase, foram construídos dois guiões de entrevista (cf. Anexos 3 e 5) que permitissem responder às questões investigativas e atingir os objectivos da nossa investigação. Cada guião corresponde a uma fase diferente do processo de recolha de dados. Uma primeira, em que procurámos recolher alguns dados acerca dos professores, do seu percurso linguístico (Biografia Linguística) e das suas concepções (iniciais) em torno das línguas e da possibilidade de integrar a diversidade linguística no currículo do 1º Ciclo. Uma segunda entrevista que, apesar de tratar a mesma problemática, foi realizada após a experimentação em sala de aula de material didáctico específico para trabalhar a diversidade linguística. Esta segunda entrevista tratou assuntos mais ligados às práticas curriculares no âmbito das línguas e da diversidade linguística. Em síntese, pretendemos analisar paralelamente as duas entrevistas a fim de identificar algumas concepções dos professores acerca da problemática em estudo e a verificar se há mudança e/ou reconstrução dessas mesmas concepções. Para além disso, pretendíamos verificar que, através da experimentação de materiais de sensibilização à diversidade linguística, os próprios professores se apercebem mais facilmente da importância deste tipo de abordagens e da facilidade com que as podem inserir nas suas práticas curriculares. Note- se que, na análise dessas concepções, atribuímos nomes fictícios aos nossos sujeitos de investigação a fim de manter o anonimato dos mesmos.

Sendo nosso intento que as entrevistas tenham uma natureza suficientemente flexível para que a comunicação se estabeleça entre o entrevistador e o entrevistado de forma espontânea e não muito formal, optámos pelo modelo de entrevista semi-estruturado (Pardal e Correia, 1995; Quivy & Campenhoudt, 1995). Desta forma, os guiões servem apenas de referencial, contendo perguntas-guia, maioritariamente abertas para que os professores sentissem alguma flexibilidade e liberdade na expressão dos seus pensamentos e intenções.

Sendo o nosso estudo exploratório, estas entrevistas podem apelidar-se igualmente de exploratórias na medida em que não pretendem verificar hipóteses, mas visam sobretudo “abrir pistas de reflexão, alargar e precisar os horizontes de leitura, tomar consciência das dimensões e dos aspectos de um dado problema” (Quivy & Campenhoudt,

1995: 79), neste caso, a questão da sensibilização à diversidade linguística no currículo do 1º CEB.

Apesar de consideramos as entrevistas a forma mais adequada de recolher os nossos dados pela possibilidade de aprofundar a nossa análise e pela flexibilidade de aceder aos pensamentos dos entrevistados, estamos conscientes de algumas limitações desta técnica de recolha de dados (Quivy & Campenhoudt, 1995). Em primeiro lugar, admitimos que a própria flexibilidade do método pode gerar alguns problemas, nomeadamente àqueles que têm alguma dificuldade em improvisar aquando do acto de entrevista ou, pelo contrário, pode privar a recolha de dados de algum rigor se o investigador permitir que se fale de tudo um pouco aquando do tempo da realização da entrevista. Essa mesma flexibilidade pode ainda levar a crer numa espontaneidade do entrevistado e numa total neutralidade do investigador, conduzindo ainda a uma grande ingenuidade epistemológica na análise dos dados. Julgamos igualmente que esta técnica não é aplicável a universos muito extensos (Pardal & Correia, 1995). Finalmente, os dados recolhidos por entrevista não se apresentam logo sob uma forma que requeira uma análise em particular o que pode originar alguma angústia e algumas indecisões no investigador quando pretende tratar os dados. Por isso mesmo, optámos por, logo após a realização de cada uma das entrevistas, proceder à sua transcrição até porque, por um lado, ainda tínhamos presente alguns pormenores relativos ao momento em que as realizámos e, por outro, teríamos tempo para reflectir acerca de outros instrumentos de recolha de dados, se necessário, para completar o nosso estudo.

Foi precisamente no reconhecimento das vantagens e das limitações das entrevistas que alcançámos algum bem-estar e algum equilíbrio aquando do processo da recolha de dados, nomeadamente, na construção, preparação e concretização das entrevistas. Um outro aspecto que constituiu uma mais-valia neste nosso trabalho foi o facto de podermos cruzar a entrevista com outras técnicas de recolha de dados (Bogdan & Biklen, 1992; Cohen & Manion, 1994; Quivy & Campenhoudt, 1995). Por isso, considerámos a possibilidade de analisar também uma reflexão individual que os professores elaboraram para inserir num dossier de grupo. Julgamos que tais reflexões traduzem, tal como as entrevistas, algumas concepções dos professores acerca da sensibilização à diversidade linguística e da experimentação do material didáctico, podendo enriquecer a nossa análise. Porém, o interessante aqui é que as entrevistas são em tempo real e na presença do

investigador, ao passo que estes escritos resultam de uma reflexão tradutora de um percurso, de uma aprendizagem, enfim, de múltiplas experiências pessoais e profissionais. Para nós, é bastante enriquecedor poder cruzar estas duas técnicas, considerando que esta será a maneira mais adequada de tentar “captar aquilo que é verdadeiramente importante do ponto de vista do sujeito” (Bogdan e Biklen, 1994: 69). Todavia, reconhecemos que nunca é possível eliminar totalmente os efeitos que, enquanto investigadoras, produzimos nesses sujeitos e no próprio tratamento e interpretação dos dados. De facto, quando se recorre a sujeitos como fonte de informação, sabemos a priori que as suas respostas são influenciadas por um certo número de enviesamentos decorrentes da consciência que os sujeitos têm de que estão a ser observados e dos constrangimentos correspondentes da interacção entrevistador-entrevistado. É, aliás, a este propósito que Webb et al (1966), citado por Lee (2003), nos falam de medidas não interferentes que consistem na utilização de técnicas de recolha de dados em que o investigador não está presente e, por isso, não interfere nos resultados porque observa à distância e/ou usa também outras fontes (Lee, 2003: 15-16).