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Diversidade linguística: uma característica da sociedade actual

Capítulo I Sensibilização à diversidade linguística no 1º Ciclo do Ensino Básico

1. Diversidade linguística: uma característica da sociedade actual

1.1. Diversidade linguística na Europa

Num mundo caracterizado pelo inevitável contacto entre línguas, culturas e religiões, e dada a crescente mobilidade dos indivíduos, a palavra diversidade ecoa por todo o lado e está presente em variados discursos. O fenómeno de globalização, nas palavras de B. S. Santos (1995), acarreta novas exigências que, por sua vez, implicam mudanças políticas e legislativas. Na nossa perspectiva, terá de começar-se por proceder a certas mudanças para que os cidadãos pensem, sintam e ajam de acordo com as necessidades e aspirações de outros, isto é, pensamos que “nesta era de globalização emergiu um novo tipo de reivindicações e exigências políticas dos indivíduos, comunidades e países que sentem que as suas culturas locais estão a ser eliminadas” (PNUD, 2004: 1). Torna-se, assim, premente manter a diversidade linguística num mundo globalizado. Aliás, gerir a globalização e o respeito pela diversidade parece ser um dos grandes desafios da sociedade moderna: “para que o mundo atinja os objectivos de desenvolvimento do milénio e acabe por erradicar a pobreza, tem de enfrentar primeiro, com êxito, o desafio da construção de sociedades culturalmente diversificadas e inclusivas” (PNUD, 2004: V). É neste contexto que B. S. Santos (1995) se refere ao mundo actual como um “arco-íris de culturas”, resultante de um e num inevitável contacto entre línguas e culturas diferentes. Em termos de educação linguística, pensamos que uma das maiores fontes de exclusão e de desrespeito por esse arco-íris cultural e linguístico advém das políticas monolinguísticas que ainda permanecem em muitos pontos do globo, criando obstáculos e resistindo ao reconhecimento e à valorização das línguas (cf. PNUD, 2004).

Neste trabalho, centrar-nos-emos sobretudo no arco-íris linguístico da Europa dado que não é nosso intento estudar exaustivamente estas questões. Para tal, baseámo-nos sobretudo em alguns dados publicados pela UNESCO em 2000 (cf. www.unesco.org)

Segundo alguns dados da UNESCO, calcula-se que existam no mundo entre 6000 e 7000 línguas vivas, das quais 90% são faladas por apenas 4% da população mundial, pelo que podemos aperceber-nos da existência de um enorme número de línguas utilizado por um pequeno número de falantes (UNESCO, 2000).

As dez línguas mais faladas no Mundo são o Mandarim, o Espanhol, o Bengali, o Hindi, o Inglês, o Português, o Russo, o Japonês, o Alemão e o Wu Chinês (cf.

http://www.ethnologue.com).Apesar de o continente europeu não ser o mais diversificado a nível linguístico e cultural, cinco destas línguas são faladas na Europa.

A propósito da própria história da constituição da União Europeia – e aqui podemos também juntar-lhe a metáfora do “arco-iris” linguístico e cultural – Adragão revela-se crítico, considerando vulgar a comparação da Europa a um mosaico, uma vez que “cada pedrinha é uma peça autónoma, mais ou menos semelhante às que a circundam mas sempre distinta” (Adragão, 1996: 6). Assim, o autor prefere compará-la a um vitral “em que os fios de chumbo não coincidem com as linhas que separam as cores. Tal como um vitral, as barreiras que nos separam são frequentemente cimentos que nos unem” (Adragão, 1996: 7). Parece-nos que, aos olhos deste autor, se por um lado, a Europa é rica em diversidade linguística e cultural, por outro, tem sempre algo que une os seus povos e essa diversidade.

De acordo com Faria (2002), só na Europa existem cerca de 450 milhões de pessoas de diversas etnias e culturas linguísticas. A Língua Portuguesa é a sexta mais falada no mundo (conta com cerca de 200 milhões de falantes), sendo a terceira língua europeia mais falada, a seguir ao Inglês e ao Espanhol. O Português é língua materna, na Europa, de unicamente cerca de 3% da população europeia, sendo o Russo, o Alemão, o Inglês, o Francês e o Italiano, as cinco línguas com maior número de falantes na Europa. A grande maioria das línguas da Europa faz parte da grande família indo-europeia. Estas línguas, porque viveram uma história comum, influenciaram-se mutuamente e foram adquirindo traços semelhantes. Um dos principais factores desta convergência foi o uso generalizado do Latim na maior parte do continente europeu.

Desta forma, partilhamos da ideia de que “o génio da Europa (…) é o génio da diversidade linguística, cultural e social” (Steiner, 2005: 49). Na nossa opinião, em termos educativos, a urgência de preservar e respeitar a diversidade (nomeadamente a diversidade linguística) deverá traduzir-se numa crescente valorização da aprendizagem das línguas, considerada, por isso, essencial na formação e desenvolvimento do indivíduo. Consideramos, pois, que saber comunicar em outras línguas e, principalmente, ser capaz de compreender e respeitar o Outro, é hoje uma competência básica de todo o cidadão europeu. Corroborando esta ideia, podemos afirmar que:

“as línguas estrangeiras são, cada vez mais, um instrumento transversal que estimula e sustenta a mobilidade, criando cidadãos mais cultos porque conhecem

realidades diferentes, mais participativos porque, compreendendo, podem intervir mais e melhor no mundo, mais emancipados porque não se deixam confinar ao espaço que os viu nascer, mais competitivos e empreendedores porque mais competentes, e mais solidários porque mais educados para viverem e trabalharem com os outros” (Solla, 2005: 5).

1.2. Preservação da diversidade linguística e cultural: algumas

preocupações

Apesar da diversidade linguística de que nos damos conta com os estudos que acabámos de enunciar, não deixamos de nos preocupar com algumas questões. Se, por um lado, nos apercebemos da riqueza que essa diversidade linguística representa; por outro, emerge em nós a preocupação – não só enquanto professores/formadores de línguas e investigadores, mas principalmente enquanto cidadãos – em preservar essa diversidade linguística. Tal cuidado decorre sobretudo da consciência que temos de que, não obstante a diversidade linguística e cultural em presença, muitas línguas têm desaparecido: nas palavras de Wurm, “según nuestras estimaciones alrededor de la mitad, es decir unas 3000 de las 5000-6000 lenguas del mundo se encuentran actualemente amenazadas en diversos grados” (1996: 5). Para além disso, se essa extinção foi um processo lento durante muitos anos, nos últimos três séculos, parece ter ganho um ritmo bastante acelerado (cf. entre outros, Skutnabb-Kangas, 2002; Wurm, 1996).

A propósito dos factores que parecem ter contribuído para o desaparecimento das línguas, e recordando alguns aspectos da história das línguas, Wurm destaca: “la reducción del número de hablantes” (por vários motivos, desde catástrofes, epidemias e decisões políticas que levam à não aprendizagem de uma determinada língua) e “las actitudes intolerantes, negativas, desdeñosas y destructivas de los portadores de la cultura dominante” (Wurm, 1996: 3-4). Também na Introdução à Declaração Universal dos Direitos Linguísticos se esclarecem alguns destes factores:

“diversos factores de natureza extralinguística (políticos, territoriais, históricos, demográficos, económicos, socioculturais, sociolinguísticos e relacionados com comportamentos colectivos) geram problemas que provocam o desaparecimento, a marginalização e a degradação de numerosas línguas, e que se torna portanto necessário que os direitos linguísticos sejam considerados sob uma perspectiva

global, para que se possam aplicar em cada caso as soluções específicas adequadas” (UNESCO, 1996).

A este propósito, citamos uma investigadora que em muito se tem dedicado a estas questões, afirmando

“if Europe wants to support linguistic diversity and become more creative and richer, we should grant maximal support to ALL indigenous and minority languages including, specially, immigrant and refugee minority languages which represent the only way to increase linguistic diversity in Europe” (Skutnabb- Kangas, 2002: 8).

Partilhando da ideia da autora referida anteriormente, julgamos que perder uma língua significa perder a riqueza que lhe é inerente, traduzida num conjunto de formas de comunicar, de agir, de pensar e de estar na vida e em sociedade. Perder uma língua é assim sinónimo de perder uma cultura, perder uma identidade, na medida em que ela é “uma realidade constituída colectivamente e é no seio de uma comunidade que ela está disponível para o uso individual como instrumento de coesão, identificação, comunicação e expressão criadora” (UNESCO, 1996). Neste sentido, assumimos que uma língua não se confina a um conjunto de vocábulos, de sintagmas com significados vários, pelo contrário, “a língua não acontece num vazio” (Strecht-Ribeiro, 1998: 27), associada a ela está sempre a cultura de um povo que a utiliza nas interacções que estabelece. A componente cultural parece-nos, então, emergir como parte da interacção entre a linguagem e o pensamento. Com a perda de uma língua, perdem-se simultaneamente padrões culturais, hábitos, modos de viver e visões que cada um tem do mundo. Nas palavras de Kenneth Hale (2001), “quando morre uma língua, extingue-se a cultura que a sustenta, perdem-se as fontes de conhecimento, desaparece uma obra de arte” (in Marinho, 2004: 13). Também Steiner se preocupa com esta questão, defendendo que, seja qual for o estatuto de uma língua, é importante preservá-la. Na óptica deste autor,

“Não há línguas pequenas. Toda a língua contém, articula e transmite não só uma carga única de recordação vivida, mas também uma energia em evolução dos seus tempos futuros, uma potencialidade para o amanhã. A morte de uma língua é irreparável, reduz as possibilidades do homem.. (…) A Europa morrerá efectivamente, se não lutar palas suas línguas, tradições locais e autonomias sociais” (Steiner, 2005: 50).

É por todas estas questões e preocupações que acabámos de enunciar que consideramos a preservação da diversidade linguística fundamental pela riqueza cultural que representa. Segundo Skutnabb-Kangas, é tão importante preservar as línguas como as espécies. A referida autora, estabelece, aliás, uma correlação directa entre a diversidade linguística e cultural e a biodiversidade, afirmando que, quando a primeira é elevada, a segunda também o é e vice-versa. Assim sendo, os ecossistemas mais fortes e estáveis, são os mais diversos: “evolution has been aided by diversity. The stongest and most stable ecosystems are those which are the most diverse” (Skutnabb-Kangas, 2002: 14).

Partimos do pressuposto de que, só estando sensibilizados para a importância da preservação dessa diversidade linguística, numa atitude de abertura ao Outro, conseguiremos lutar contra problemas como a desigualdade e a injustiça social, contra fenómenos de exclusão social, de etnocentrismo e de xenofobia que resultam normalmente de um certo “daltonismo cultural” (Cortesão, 2002).

Actualmente, importa mobilizar esforços, ao nível político e educativo, no sentido de preparar professores e aprendentes para saberem viver com a diversidade linguística e cultural do presente e do futuro. Nesta linha de pensamento, acreditamos que “the future belongs to multilinguals. They are an important part of the linguistic diversity which is necessary if the planet is to have a future” (Skutnabb-Kangas, 2002: 17). De facto, pensamos que as políticas de educação linguística viradas para o monolinguismo, baseadas e ao serviço do pincípio “uma nação – um estado – uma língua”, se revelam hoje inadequadas face ao desenvolvimento de sociedades caracterizadas pelo zelo dos valores da democracia e dos direitos humanos; pela crescente mobilidade transnacional de cidadãos; por uma economia globalizada e pelos altos níveis de exigência na formação das populações (nomeadamente em línguas) como condição indispensável no combate à exclusão social (Mateus, Fischer & Pereira, 2005). Desta forma, recai sobre a escola a responsabilidade de acolher, de modo inclusivo, a diversidade linguística, preparando os cidadãos e a sociedade para essa mesma diversidade. Na nossa perspectiva, a educação linguística virada para a diversidade e para o plurilinguismo permite que os indivíduos estejam mais abertos à diversidade e ao Outro, tornado-se mais flexíveis e até mesmo mais criativos. Nas palavras de Skutnabb-Kangas, “plurilinguals as a group think in more flexible and divergent ways than monolinguals as a group; they innovate more, create

more new knowledges and dreams – and have more exchangeable linguistic capital” (2002: 17).

A este propósito, um outro autor apresenta igualmente algumas das vantagens intelectuais e emocionais de ser bi ou plurilingue. Destaca-se, particularmente: uma maior facilidade de acesso à informação e ao conhecimento dada a flexibilidade ao nível das associações semânticas; um maior flexibilidade também ao nível das attitudes (tolerância) e, finalmente, um maior equilíbrio ao nível do pensamento e da cosmovisão, tendo mais facilidade de apreender e aprender coisas novas (Wurm, 1996: 9). Assim, conclui este autor que “lo ideal es promover el bi o pluralismo cultural, como así el entendimiento y la tolerancia con respecto a las otras culturas, a partir de la primera infancia y esto debe ser un objetivo” (ibidem).

É precisamente com este propósito de apelar à preservação e ao respeito pela diversidade linguística e cultural sob a forma de uma educação para a cidadania, para a democracia, para a paz e para a intercompreensão dos povos, que, ao longo das últimas décadas, se foram delineando determinadas políticas linguísticas educativas que passamos a descrever seguidamente.