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Concepções dos professores: que lugar na gestão curricular da diversidade linguística? Implicações na formação de professores.

Capítulo II Concepções curriculares dos professores acerca das línguas e da

2. As concepções dos professores: repercussões nas práticas de gestão curricular do plurilinguismo

2.2. Concepções dos professores: que lugar na gestão curricular da diversidade linguística? Implicações na formação de professores.

Neste trabalho, temos vindo a defender a educação linguística dos aprendentes no sentido de desenvolver as competências plurilingue e pluricultural, facilitadoras da intercompreensão entre os povos. Desta forma, e tendo em conta a actual política educativa europeia para o ensino/aprendizagem das línguas, urge começar por formar os professores no sentido de os preparar para agir perante uma Europa cada vez mais multilinguística e multicultural. Esta questão remete-nos para a relevância do estudo das concepções dos professores acerca das línguas e da integração curricular da diversidade linguística nos primeiros anos de escolaridade, bem como para as necessidades de formação profissional que daí poderão emergir.

A relevância que atribuímos ao estudo do pensamento dos professores prende-se sobretudo com a crença de que as concepções destes, sejam elas de natureza individual, psicológica e/ou social, configuram “as intencionalidades e as lógicas condutoras da sua acção” (Sanches & Jacinto, 2004: 132), influenciando inevitavelmente a sua praxis. Como vimos no ponto anterior deste trabalho, daqui advém o facto do pensamento dos professores ocupar um lugar central na investigação em várias áreas, pois, como afirma Richardson, “anthropologists, social psychologists, and philosophers have contributed to an understanding of the nature of beliefs and their effects on actions” (1996: 103).

Na nossa opinião, conhecer, analisar e trabalhar as representações dos professores poderá contribuir significativamente para a melhoria do ensino. Acreditamos que este tipo de estudos fazem emergir imagens do professor relativamente ao seu papel e à sua profissionalidade; descrevem diversos dilemas e preocupações resultantes da acção pedagógico-didáctica e, finalmente, permitem problematizar a relação entre concepções e práticas (Sanches & Jacinto, 2004).

Face ao exposto anteriormente, pensamos que também a forma como os professores vêem as línguas e a abordagem à diversidade linguística nos primeiros anos de escolaridade condiciona as suas atitudes e os seus comportamentos. Dabène (1997) considera o estudo das representações como uma questão matricial na investigação em Didáctica das Línguas. A este propósito, a referida autora chama a atenção para três questões fundamentais de reflexão, questões essas que julgamos orientar (ainda que implicitamente) este nosso estudo. A saber: “pourquoi cette image des langues est-elle si importante?”; “comment peut-on l’analyser?” et “quelles sont ses implications?” (Dabène, 1997: 19).

Na nossa perspectiva, as representações acerca das outras línguas e culturas condicionam as decisões e as acções dos sujeitos. Assim sendo, e partindo do princípio de que, em contexto escolar, as representações “concernent aussi bien les élèves que les enseignants” (Kervran, 2005 : 11), pensamos que as concepções dos professores relativamente às línguas e às abordagens plurais podem favorecer ou, pelo contrário, constituir obstáculos à educação intercultural (cf. Cardoso, 1998; Tessonneau, 1997) e ao desenvolvimento da competência plurilingue dos aprendentes. Muitas vezes, as aprendizagens e a visão que estes criam do mundo que os rodeia e do Outro são influenciadas em grande medida pelo que o professor pensa e defende, isto é, pelo que se

diz e se faz em sala de aula e na escola. Por isso mesmo, julgamos fundamental que se reúnam esforços no sentido de se encontrarem os caminhos mais adequados, em termos metodológicos, para aceder ao pensamento dos professores relativamente a esta temática. Para além disso, é premente fazer emergir essas mesmas concepções de forma a podermos estudá-las e a compreender como se foram construindo. Isto passa, inevitavelmente, por uma tentativa de identificar os factores (sociais, económicos, ideológicos, emocionais, educativos, etc.) que interferem no seu processo de construção (Pinto e Araújo & Sá, 2004; Pinto, 2005). Ora, é precisamente nesta óptica que advogamos que as concepções dos professores face à educação para a diversidade linguística sejam valorizadas e reconhecidas como fundamentais para a concepção e implementação de programas de formação de professores (Andrade & Canha, 2006), servindo, por isso, de ponto de partida para os mesmos. Por outras palavras, consideramos fundamental que a sua formação (inicial e contínua) tenha em conta as concepções destes no sentido de os fazer reflectir para agir de forma adequada às necessidades da sociedade, tornando-os mais abertos à mudança (Alarcão et al, 2004).

Face às necessidades de uma sociedade diversa e plural, impõem-se agora novas dinâmicas curriculares e novas necessidades investigativas relativamente aos professores, aos seus conhecimentos e formação. Como afirma Avelino, a propósito da formação dos professores, “desenvolver a capacidade de observar, de reflectir, de tomar decisões adaptadas à diversidade linguística das sociedades europeias tornou-se uma das prioridades e, por esse motivo, as propostas de acção concretas ou simuladas constituem percursos formativos a explorar” (2006: 469).

Como referimos em 1.2 deste Segundo Capítulo, a profissionalidade (docente) é caracterizada, entre outros aspectos, por um “saber específico” ( Roldão, 2000b) que, na nossa opinião, não pode nem deve permanecer estático na medida em que se vai (re)construindo ao longo da vida pessoal, social e profissional do professor através da formação.

A propósito da formação contínua – e diríamos também continuada – importa, então, “investir a pessoa e a sua experiência; investir a profissão e os seus saberes, investir a escola e os seus projectos” (Nóvoa, 2002: 38). Nesta óptica, reconhecemos a formação contínua como um importante instrumento de redefinição da profissionalidade docente, podendo contribuir fortemente para a mudança e para a inovação educacionais.

Enquanto profissional, defendemos que o professor tenha conhecimento dos conteúdos propriamente ditos (nomeadamente, da sua área de especialidade), conhecimento pedagógico-didáctico desses conteúdos; conhecimento do currículo, conhecimento das finalidades educacionais gerais, conhecimento dos contextos gerais, mas também dos contextos particulares em que trabalha, conhecimento de si próprio e das suas funções e, finalmente, conhecimento dos seus alunos (cf. entre outros, Alarcão, 1991 e 1997; Sá-Chaves, 1997 e 2000). A nosso ver, estes são conhecimentos basilares do professor e, para que esses conhecimentos se desenvolvam ao longo de toda a sua vida profissional, gerando acções curriculares inovadoras, é necessário que os professores se assumam como profissionais em permanente (re)construção e formação, sendo capazes de assumir um posicionamento critico-reflexivo sobre a sua praxis. Como refere Sá-Chaves, a propósito do pensamento de Donald Schön, “é na continuidade do processo reflexivo (…) que reside o fulcro da própria formação” (2000:14).

Formar professores, neste sentido, “é conceber a formação como um instrumento de desenvolvimento profissional permanente, como uma estratégia de desenvolvimento das escolas” (Roldão, 2000b: 19) e de melhoria da qualidade da educação. Desta forma, vemos o novo professor como “um profissional do sentido” e “do encantamento” que orienta as suas práticas curriculares por valores éticos (Gadotti, 2003: 30-32). Para tal, nunca poderá perder a vontade e a capacidade de aprender, mas, pelo contrário, deve assumir-se como “um aprendiz permanente” (ibidem). Nesta linha de pensamento, importa formar os professores para compreender e analisar situações de ensino, para decidir, para colaborar, para avaliar a acção e, finalmente, para saber descrever, investigar e questionar as práticas curriculares (Roldão, 2000b). Para nós, a formação continuada do professor deve ser um processo de questionamento permanente e “deve ser concebida como reflexão, pesquisa, acção, descoberta, organização, fundamentação, revisão e construção teórica e não como mera aprendizagem de novas técnicas, actualização de novas receitas pedagógicas ou aprendizagem das últimas inovações tecnológicas” (Gadotti, 2003: 21).

Como já foi referido, esta formação continuada, permanente, implica que o professor tenha sede de se actualizar permanentemente de forma a acompanhar o mundo que o rodeia. Uma vez que o mundo actual se caracteriza pela diversidade linguística e cultural e pelo fácil acesso à informação, é nossa preocupação que se trabalhem as representações dos professores “com a convicção de que é preciso formar educadores

capazes de atribuir sentidos e procurar novos sentidos para as suas práticas educativas que, a nosso ver, se devem orientar para o exercício de uma cidadania planetária” (Andrade, 2006:182). Esta perspectiva parece ir ao encontro do que Cortesão defende ao afirmar que é premente que se delineiem planos de formação inovadores e se avance com experiências de abertura do espaço escolar à pluralidade linguístico-cultural (Cortesão, 2002). Também Marinho afirma que “nas instituições de formação de professores deve haver a preocupação de formar profissionais conscientes da diversidade linguística, em especial a nível linguístico e cultural” (Marinho, 2004: 92) no sentido de zelar pelo respeito e preservação dessa mesma diversidade e de contribuir para a construção de um mundo melhor.

Num dos seus estudos a propósito da formação de professores plurilingues,Tavares enuncia duas questões orientadoras do seu discurso que consideramos pertinentes para o nosso também. São elas: “formar professores plurilingues, porquê?” e “formar professores plurilingues, como?” (Tavares, 2001:192-197). Parece-nos que a resposta à primeira questão está directamente relacionada com a crença de que a formação de professores para o plurilinguismo surge como tentativa de responder às necessidades do mundo actual. Neste sentido, e advogando as abordagens plurais na escola, julgamos premente começar por formar os professores de acordo com a actual política linguística europeia, defensora da diversidade linguística e da valorização do ensino/aprendizagens das línguas, ao serviço de uma cidadania europeia mais participada (Conselho da Europa, 2001). Assim, importa formar professores no sentido de estes serem capazes de compreender e respeitar a diversidade linguística e cultural, promovendo o plurilinguismo e a interculturalidade junto dos seus aprendentes. Para tal, julgamos fundamental que se parta dos interesses e das concepções dos mesmos de forma a consciencializá-los do seu papel no seio de uma comunidade educativa que deve valorizar e promover cada vez mais repertórios linguístico-comunicativos diferenciados (Andrade & Martins, 2003).

Ainda que certos da necessidade desta vertente formativa, surgem frequentemente dúvidas relativas à forma como se pode formar os professores para o plurilinguismo, isto é “formar, como?”. Por isso mesmo, julgamos fundamental que nesse processo de formação se parta de um conhecimento prévio das representações dos professores e das necessidades educativas que acabámos de enunciar para que, posteriormente, se possam gizar planos de formação que constituam práticas de supervisão capazes de os levar a promover imagens

positivas em torno das línguas e da diversidade linguística. Perspectivamos, assim, a formação de professores plurilingues como um projecto capaz de consciencializar os professores das suas próprias concepções acerca da diversidade linguística e da forma como estas interferem na sua acção. Para além disso, essa formação deverá ser capaz de (re)construir imagens no sentido de promover uma educação mais plurilingue e intercultural. Neste contexto, partilhamos da opinião de Wood & Bennett quando afirmam:“how teachers construct and re-construct their knowledge is a key theme in the growing field of enquiry into teacher thinking” (2000: 635).

Como podemos constatar, vários têm sido os defensores da urgência em formar professores para uma educação linguística fortemente centrada numa educação para a sustentabilidade linguística (Andrade, 2003) e, por isso, capaz de promover o plurilinguismo como valor e como competência (Beacco & Byram, 2002). A nosso ver, a escola e os professores têm aqui um papel fundamental enquanto agentes educativos. Assim, entendemos que cabe à escola e aos professores promover a educação plurilingue, vista como capaz de valorizar a diversidade linguística e cultural e de formar para a cidadania (Kervran, 2005). Porém, alguns estudos revelam que, apesar dos professores reconhecerem a importância da integração curricular deste tipo de abordagem na educação básica dos seus aprendentes e de se manifestarem receptivos e interessados em desenvolver actividades nesta área, confessam não se sentir preparados para o fazer (Martins, 2006). Outros estudos parecem revelar que em instituições de Ensino Superior em Portugal faltam práticas concretas de valorização da diversidade linguística, das abordagens plurais e do desenvolvimento das competências plurilingue e pluricultural, verificando-se uma “certa prevalência de uma visão monolítica do domínio das línguas, onde, para além da Língua Materna, apenas são privilegiadas as grandes línguas internacionais” (Marinho, 2004:167). No entanto, existe por parte destas instituições a consciência da necessidade de formar os professores para desenvolverem as suas práticas educativas atendendo à diversidade em presença.

Estudos como estes que acabámos de referir parecem reforçar o que temos vindo a defender relativamente à necessidade de estudar o pensamento dos professores, conhecer os seus reportórios linguístico-comunicativos e as suas representações relativamente às línguas, ao papel das mesmas no currículo da educação básica e, consequentemente, à natureza das práticas de educação linguística nos primeiros anos de escolaridade a fim de

vir a traçar planos de formação adequados, capazes de responder às necessidades do público-alvo.

Assim, parece-nos fundamental que os professores (nomeadamente os professores do Ensino Básico) beneficiem desta formação plurilingue que "consiste à valoriser et à développer les répertoires linguistiques individuels des locuteurs, dès les premiers apprentissages et tout au long de la vie” (Beacco & Byram, 2002: 17). Isto é, a sua finalidade é preparar os professores para a educar para o plurilinguismo e para a tolerância linguística, sensibilizando para a diversidade linguística e para a cidadania democrática.

Em jeito conclusivo, a vontade de investir no conhecimento das concepções dos professores e daí partir para a formação destes para o plurilinguismo resulta da nossa crença de que estes são dotados de autonomia, sendo capazes não só de reflectir acerca do valor formativo/educativo das línguas, mas também de desenvolver práticas educativas orientadas para o exercício da cidadania e para a educação para a paz.

Procuraremos, no capítulo que se segue, apresentar a metodologia que seguimos, neste nosso trabalho investigativo, cuja finalidade é estudar a forma como as línguas e a integração curricular da diversidade linguística no 1º Ciclo são perspectivadas por um grupo de professores do 1º Ciclo do Ensino Básico.

Capítulo III