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6. A MACONHA DOS JORNAIS

6.4. Maconha: Usos e regulação social

6.4.3. Classe 5: Ciência, saúde e uso medicinal

Com 193 UCE, representando aproximadamente 8% do material analisado, a classe 5 é aquela que concentra as formas de discurso particularmente relacionadas ao campo da saúde e do uso terapêutico da maconha, como observado na tabela de palavras características seguinte:

Palavra Freq. na Classe Freq. Total Percentual na Classe (%) Qui-quadrado

Paciente+ 37 41 90,24 373,18

Doenca+ 23 28 82,14 205,86

Efeito+ 30 47 63,83 197,19

Depend+ 20 24 83,33 181,86 Est+ 24 34 70,59 178,41 Pesquisador+ 18 21 85,71 169,16 Cannabis 32 60 53,33 166,64 Cientista+ 15 16 93,75 156,65 Estud+ 32 66 48,48 146,42 Saud+ 24 41 58,54 140,48 Cientif+ 15 18 83,33 136,05 Esquizofren+ 12 12 100 135,05 Psiquiatr+ 12 12 100 135,05 Substancia+ 29 59 49,15 134,85 Cronica+ 11 11 100 123,74 Sintomas 11 11 100 123,74 Ansiedade 12 13 92,31 122,87 Medica+ 12 13 92,31 122,87 Cerebr+ 15 20 75 119,59

Tabela 5 – Palavras características da classe 5

Como observado a partir das 20 palavras mais características da classe, o vocabulário remete ao campo da saúde e, particularmente, ao discurso médico que se produz em torno do uso de maconha. Essa relação fica clara pela forte presença de termos como paciente, doença, efeito, saúde, psiquiatria, entre outras. Nessa classe, portanto, estão incluídas as matérias que trazem resultados de pesquisas no âmbito da medicina – psiquiatria e neurologia, principalmente – tanto sobre os efeitos danosos da maconha, como das suas potencialidades terapêuticas, conforme observado nos trechos seguintes:

“Os (pesquisadores) descobriram que a (atividade) (cerebral) fica descoordenada e inexata durante os estados de (alteração) mental com (resultados) similares aos observados na (esquizofrenia). O (estudo), produzido por (cientistas) da (universidade) de farmacologia de Bristol, Inglaterra, (analisou) os (efeitos) negativos da maconha na (memória) e no pensamento, o que pode (provocar) redes (cerebrais) desorquestradas”. “Na década de 1990, (pesquisadores) identificaram receptores capazes de responder ao (tetrahidrocanabinol), (THC), princípio (ativo) da maconha, na superfície das células do (cérebro). Essa descoberta (revelou) que (substâncias) muito semelhantes existem naturalmente em nosso organismo, permitiu (avaliar) em detalhes seus (efeitos) (terapêuticos) e abriu perspectivas para o (tratamento) da obesidade, (esclerose) (múltipla), (doença) de Parkinson”.

Desse modo, a classe 5 reúne UCE que abordam a maconha como um objeto que emerge a partir de conhecimentos da medicina. O vocabulário utilizado remete a um contexto de produção especializado em que termos técnicos, relacionados ao campo de pesquisa ou da clínica médica, são utilizados para tratar basicamente dos efeitos da maconha no corpo

humano, especialmente no cérebro. A droga é relacionada a efeitos negativos como ao desenvolvimento de esquizofrenia, dependência, danos cerebrais, prejuízos relacionados à memória, câncer de pulmão, bronquite, entre outros. Por outro lado, em outras matérias a maconha é apontada como possibilidade de tratamento, ou como medicamento auxiliar, para anorexia, Parkinson, depressão, ansiedade, fobia social, dor crônica, câncer, etc.

É curioso que as aplicações da maconha no contexto medicinal comportem relações de sentido aparentemente contraditórias. A esse respeito, Malcher-Lopes e Ribeiro (2007) explicam que, a depender da forma ou condição de uso alguns danos podem ser minimizados ou mesmo anulados e, com isso, algumas vezes a utilização de maconha pode ser entendida como danosa ou como proveitosa como medicamento para um mesmo fim. Um exemplo disso é a relação entre maconha e esquizofrenia que, no geral, encontra justificativa quando o uso é intenso e iniciado antes ou durante a adolescência. Por outro lado, considera-se que a partir de determinada idade, a relação entre maconha e sintomas psicóticos é transitória, exceto em casos de pessoas já suscetíveis ao transtorno. Em um sentido diferente, há estudos realizados com o CBD, um dos canabinóides presentes na maconha, que apontam efeitos antipsicóticos promissores, assim como a sua aplicação no tratamento de pessoas com esquizofrenia (MALCHER-LOPES; RIBEIRO, 2007).

De modo geral, ainda que os danos decorrentes do uso crônico de maconha sejam apontados nessa classe, é possível perceber uma maior aderência aos efeitos terapêuticos que os seus canabinóides apresentam. Além desses estudos, as matérias descrevem pesquisas com o sistema endocanabinóide em geral, apontando desdobramentos possíveis da sua abordagem, como no tratamento da obesidade. É preciso observar, ainda, que a classe anterior, sobre a regulação estatal da maconha, fazia referências diretas ao uso medicinal da droga. Por outro lado, a ênfase naquela residia na dimensão coletiva do objeto em face da sua condição legal, remetendo às experiências de uso medicinal no cotidiano. Na classe 5, entretanto, a maconha surge como um objeto que, embora também relacionado ao uso medicinal, é produzido em um discurso ancorado no conhecimento científico, em contexto de pesquisa e aparentemente isolado das relações políticas que esse uso necessariamente implica.

Nesse sentido, como um objeto de pesquisa, a maconha aqui é classificada como cannabis, numa clara referência à nomenclatura taxonômica da planta na biologia. Esse tratamento diferenciado insere o objeto nas relações científicas da medicina, neurologia, biologia, entre outros, ao mesmo tempo em que visa retirar o caráter moral que o termo “maconha” poderia produzir. O uso, portanto, da palavra cannabis nesse contexto se dá no sentido de produzir uma ideia de neutralidade ao tratamento do tema, conforme usualmente se

espera do conhecimento científico. A essa forma de construção que o objeto assume, chama- se atenção de duas categorias identitárias: os pesquisadores e os pacientes.

Os pesquisadores são apresentados como verdadeiros representantes do conhecimento científico que, através desse tratamento, conferem legitimidade aos argumentos produzidos pelo jornal. Um exemplo disso é o uso de outros termos como “cientistas” e “comprovam” de forma frequentemente acompanhada. De acordo com Motta (2006), é comum abordar técnicos ou especialistas nas comunicações jornalísticas, tendo por função demarcar e legitimar lugares sociais. Os pesquisadores são, portanto, inseridos nas matérias como aqueles responsáveis por falar sobre dada realidade: os efeitos positivos e negativos da maconha para a saúde humana. Os pacientes, por sua vez, não são aqui trazidos como usuários, mas categorizados como doentes, como aqueles que portam determinado transtorno e podem precisar de tratamento com cannabis.

O que chama atenção nessas construções é a produção de uma possibilidade restrita de uso legítimo, ou seja, somente em casos de doença, desligando o objeto da dimensão do prazer relacionada ao seu consumo recreativo – consequentemente muitas vezes desqualificado. Com isso, não só a maconha é produzida como um objeto da medicina, mas o próprio usuário é compreendido a partir de quadros patológicos. Por fim, os discursos dessa classe constroem uma maconha aparentemente asséptica e desligada de questões políticas e morais, em que o uso admitido é aquele autorizado e comprovado pela medicina.