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6. A MACONHA DOS JORNAIS

6.4. Maconha: Usos e regulação social

6.4.1. Classe 2: Do uso privado à discussão pública

Quando o consumo de maconha em âmbito privado9 se torna público em uma matéria jornalística? Os resultados da classe 2 parecem ter estreita relação com essa pergunta. Nesse sentido, a classe 2 compreende 343 UCE – cerca de 14% do material – que fazem referência a fenômenos de consumo de maconha diversos no que se poderia chamar, para a discussão, de âmbito privado. Em outras palavras, nessa classe são apresentados discursos sobre fatos que usualmente seriam compreendidos como pertencentes à vida privada, mas que ganham, por razões diversas, o caráter de interesse público. Nota-se, com isso, que essa não é uma classe tão homogênea em termos de conteúdo, mas o uso do vocabulário em relação aos temas encontrados remete de algum modo à pergunta inicial. As 20 palavras mais características da classe são:

Palavra Freq. na Classe Freq. Total Percentual na Classe (%) Qui-quadrado

Entrevist+ 21 27 77,78 87,66 Fum+ 45 95 47,37 85,55 Diss+ 81 234 34,62 83,87 Exame+ 14 14 100 82,57 Film+ 16 18 88,89 80,48 Music+ 16 18 88,89 80,48 Acusações 11 11 100 64,8 Pens+ 11 11 100 64,8 Jovem 18 26 69,23 63,1 Fal+ 20 32 62,5 59,87 Atriz 10 10 100 58,88 Culp+ 10 10 100 58,88 Rudd 10 10 100 58,88

9 Nota-se que o uso dos termos público e privado tem a ver com a experiência largamente compartilhada no

cotidiano de que fenômenos microssociais dizem respeito ao âmbito privado, enquanto os fenômenos macrossociais pertenceriam a um nível público de relação. Entretanto, assim como a discussão sobre individual e social, não é possível, em última análise, estabelecer um limite entre o que se chama de privado e o que se compreende como público, pois essa é uma divisão que somente tem fins ilustrativos de discussão.

Admit+ 12 14 85,71 57,27 Filho+ 16 23 69,57 56,43 Pag+ 15 21 71,43 55,03 Rapper+ 9 9 100 52,97 Snoop 9 9 100 52,97 Conden+ 12 15 80 51,92 Mãe+ 11 13 84,62 51,52

Tabela 3 – Palavras características da classe 4

De antemão, é possível observar palavras relacionadas ao meio artístico, tais como música, atriz e rapper, assim como nomes de pessoas desse contexto, como o do rapper Snoop Dogg e do baterista da banda AC/DC Phil Rudd. Dessas, é possível demarcar um primeiro tema encontrado nessa classe, referente ao consumo de maconha por pessoas conhecidas publicamente, como artistas:

“A (atriz) Cameron Diaz (disse) durante (entrevista) no (programa) Lopez tonight que o (rapper) (Snoop) (Dogg) já lhe (deu) maconha no (colégio)”. “Justin Timberlake (diz) que (fuma) maconha para parar de (pensar). Justin Timberlake revelou que (fuma) maconha regularmente para relaxar e (fazer) seu cérebro desacelerar. O (ator) e (cantor) (falou) sobre a droga em (entrevista) à revista playboy”.

“(Ator) de (se) (beber) (não) (case) (fuma) maconha ao (vivo) na (TV). O (ator) Zach Galifianakis, 41, acendeu um cigarro de maconha e (fumou) ao (vivo) em um (programa) de (entrevistas) nos estados unidos”.

Pessoas ligadas ao esporte:

“(Disse) ainda, conforme o (site) do tribunal, que uma (punição) de dois (anos) terminaria com a (carreira) do atleta. (Luizão) (admitiu) que usou maconha. Foi a primeira (vez) que (fumei). (fazia) um mês (e) meio que (eu) tinha chegado em natal (e) (minha) (situação) estava indefinida, (disse)”. Ou mesmo um participante de um reality show:

“Depois de (ficar) três (semanas) na (casa) do BBB11, Igor (disse) que parou de (fumar) maconha. O participante (disse) durante o (programa) que quando saísse iria (passar) uma (semana) (fumando). (Eu) parei de (fumar). O Big Brother foi bom para (eu) (dar) um (tempo) e (pensar) na (vida) um pouco”.

O que há em comum a esses recortes textuais é a relação entre personalidades conhecidas e o consumo de maconha, sendo esse uso, em si, tratado como acontecimento extraordinário. Isso fica evidente pela forma de trabalhar a notícia, em que se recorre prioritariamente aos relatos das pessoas envolvidas em entrevistas para televisão, por

exemplo. Esses relatos produzem um sentido de revelação pessoal em que os sujeitos “admitem” usar ou ter usado maconha em determinadas circunstâncias.

Como se sabe, há uma maior aceitação do uso de maconha entre a chamada classe artística desde os anos 80 (MACRAE; SIMÕES, 2003). Essa aceitação, ou tolerância legal, parece ser evidenciada pela relação inversa entre os usos por pessoas famosas e termos como polícia (χ² = -80) e delegacia (χ² = -15). A referência explícita ao uso por artistas pode ser

encontrada, por exemplo, em uma das UCE da classe, que trata do relato da cantora Lady Gaga:

“Ela fez uma ressalva e (disse) que (mantém) o habito sob controle porque não é bom para a voz. Não encorajo jovens a (usar) drogas. O que os (artistas) fazem de (errado) é que eles mentem. Eu (não) minto. Meus (fãs) sabem quem eu sou”.

Por outro lado, nota-se, por exemplo, que há uma regulação daquilo que é aceito ou tolerado e do que é tratado como um problema. Nesse sentido, os discursos encontrados fazem referência tanto a usos tratados com familiaridade – como o exemplo de Justin Timberlake – como outros não tolerados, como aqueles entre pessoas do meio esportivo, onde há sanções específicas relacionadas ao doping.

Por outro lado, a classe 2 não reúne apenas discursos sobre famosos que usam maconha. Nessa classe, existem também trechos de matérias que tratam de acontecimentos não usuais, ou inesperados, que mobilizam questões legais, morais, entre outras:

“Uma americana (admitiu) ter (dado) maconha para a (filha) de 2 (anos) e usado o (celular) para (gravar) a (criança) (fumando)”.

“Na ocasião da (prisão), Deters (afirmou) que (algumas) pessoas (nunca) deviam (ter) (filhos). Jessica (Gamble) (está) presa e pode ser (condenada) a pelo menos seis (anos) e meio de (prisão) pelas (acusações) de corromper uma (criança) com drogas e (colocar) a (vida) de uma (criança) em perigo”. “(Canadenses) se intoxicam ao (comer) (brownie) com maconha por engano. Três empregados de uma empresa na cidade de Victoria, no (Canadá), (passaram) (mal) após uma (colega) ter inadvertidamente (dado) a eles (brownies) de chocolate feitos com maconha”.

É possível observar que dentre esses trechos, dois fazem referência a um mesmo caso. Nesse contexto, é narrado o caso de uma mãe, Jessica “Gamble” (χ² = 47,1) que foi acusada e

presa por expor a sua filha ao uso de maconha. Tanto nesse caso, como naquele que aconteceu no Canadá, há a produção de uma não familiaridade dos fenômenos. São acontecimentos que

fogem do uso cotidiano esperado da maconha. Aqui, eles ganham o status de fatos extraordinários e merecedores de notícia.

Cumpre retomar, portanto, a pergunta realizada alguns parágrafos atrás: Quando o consumo de maconha em âmbito privado se torna público em uma matéria jornalística? Quando se torna merecedor de uma notícia? De acordo com os resultados encontrados nessa classe, pode-se dizer que sempre que esse uso é revestido de características que o tornam inesperado a notícia surge. Nessa direção, Motta (2006), ao discutir os jogos de linguagem relacionados à comunicação jornalística, afirma que as notícias, em geral, são relatos do que acontece no mundo. Entretanto, não é todo fato cotidiano que parece interessar à notícia, mas somente aqueles que são vinculados a uma ruptura, uma quebra da normalidade. Nesse sentido, a quebra da normalidade parece aqui se relacionar ora com a pessoa que utiliza a maconha – figuras conhecidas publicamente; ora com as circunstâncias em que esse uso ocorre, como os casos de uso involuntário e/ou por crianças.

A maconha, nessa classe, toma, portanto, a forma de um objeto que pode ser aceito, mas também censurado. É um objeto cujo uso merece ser noticiado quando é incomum. Mas, o que parece chamar atenção é o caráter de surpresa ou de revelação que se reveste a notícia quando o objeto é relacionado a artistas e outros famosos. O fato de o uso de maconha ser compreendido como um fato a ser noticiado quando utilizado por essas pessoas pode estar relacionado, então, a uma regulação moral, dado que a regulação legal ou policial do objeto é inversamente relacionada a essa classe.