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SAÚDE /DOENÇA NA INFÂNCIA: O CONTEXTO DA MUDANÇA

1.3-CLASSIFICAÇÃO DA DOENÇA CRÓNICA

Apesar de haver uma tendência para referir a "doença crónica" como uma entidade singular há numerosas doenças crónicas com diferentes características, exigindo tratamentos diferentes mais ou menos complexos, mais ou menos frequentes e com efeitos colaterais diferentes. Para além disso, a doença crónica difere em termos de visibilidade e prognóstico, e que por isso vai ter repercussões diferentes.

A falta de consenso sobre a incidência da doença crónica na infância, estende-se também ao sistema de classificação. Assim, segundo uma prevalência da perspectiva médica há três tipos de classificação relacionados com a etiologia, as características da doença ou sua gravidade (Bradford, 1997). Esta concepção é associada com a

perspectiva que contempla as consequências de uma doença específica para o funcionamento da criança/família.

Um exemplo de classificação de acordo com a etiologia, é descrita por Fielding (1985) que rectifica o sistema de classificação Mahsson's (1972), referenciado por Bradford (1997: 8 ). Fielding (1985) sugere cinco causas de doença, e que os efeitos psicológicos de doença crónica deverão ser estudados tendo em conta essas categorias:

- doenças devidas a alterações cromossómicas (Síndrome de Down, Klinefelter e Turner);

- doenças resultantes de uma característica anormal hereditária: anemia de Fanconi, fibrose quística, distrofia muscular, diabetes mellitus; doenças devidas a factores intra-uterinos: infecções (ex: rubéola), ou resultante da ingestão de medicamentos ou exposição a radiações;

- doenças resultantes de traumatismos perinatais e infecções, incluindo alterações permanentes do sistema nervoso central e capacidades motoras; - doenças devidas a causas pós natais, infecções na infância, neoplasias e

outros factores: meningites, falência renal, danos físicos resultantes em handicaps permanentes;

- doença mental ou atraso mental de origem orgânica.

Esta classificação, tem subjacente a organização dos serviços médicos pediátricos. Contudo, ela também tem sido abordada sob o ponto de vista psicológico, com o desenvolvimento de "escalas para medir a "qualidade de vida" ou adaptação em crianças e adolescentes com diabetes (Challem et ai, 1988, Jacobson et ai 1988) ou cancro (Boggs, Graham-Pole Miller, 1991) ou para medir auto-eficácia em diabéticos (Grossman, Brink & Harser 1987) e asma (Schlosser &Havermans 1992), estudos estes referenciados por Eiser (1993:14).

Segundo Eiser (1993) a desvantagem desta classificação, é que não toma claro como algumas dificuldades identificadas resultantes de características específicas ou limitações de uma doença, podem ser atribuídas e compreendidas quando surgem noutras doenças.

Como alternativa a esta classificação, Pless e Perrin (1985) advogam a hipótese de que as implicações psicológicas são determinadas por factores específicos da doença (Bradford, 1997). Sugerem que o impacto da doença crónica, varia com as seguintes dimensões: nível de mobilidade afectada (actividade da criança); o decurso de doença (estático/dinâmico); a idade em que surge a doença; se afecta o funcionamento cognitivo e sensorial da criança, e a visibilidade da doença. Contudo, poucos estudos têm explorado as dimensões individuais deste modelo, "tais como o efeito da visibilidade da doença na sua adaptação, sendo os resultados obtidos bastante inconclusivos, com alguns evidenciando alguma associação, enquanto outros não chegam à mesma conclusão'" (Bradford, 1997:9-10).

A classificação que tem subjacente a gravidade da doença assenta no senso comum de que quanto mais grave é a doença, piores são os resultados psicológicos (Bradford, 1997).

No entanto, os estudos realizados até ao momento, são inconsistentes. Uma das razões para essa inconsistência, pode estar relacionada com a subjectividade do conceito de gravidade. "Além de tudo, a continuidade das provas tendem a sugerir que a gravidade da doença, definida a partir de critérios objectivos médicos, não é um preditor seguro da adaptação subsequente" (Davis, 1993, Walker et al, 1987

referenciados por Bradford 1997:11) Uma perspectiva alternativa, a estas classificações tem emergido, no sentido de demonstrar que há surpreendentes semelhanças nas

mudanças decorrentes e que "a procura de reacções idiossincráticas a doenças específicas não têm sido comprovadas" (Bradford, 1997:11).

Esta abordagem «não segmentada» ("Non categorial approche") é referenciada por Eiser (1993) e Bradford (1997) ao referirem os estudos de Pless & Perrin s (1985);

Stein & Jessop (1982); Varni & Wallander (1988).

Num estudo levado a cabo por estes últimos autores (Varni e Wallander) foram questionadas 270 mães de crianças com doença crónica, com idades compreendidas entre 4 e 16 anos, cujos resultados referiam que" os problemas de adaptação das crianças não variavam em relação ao seu diagnóstico específico. Assim, as crianças com espinha bífida tinham o mesmo tipo de dificuldades, como por exemplo , crianças com diabetes" (Bradford, 1997:12).

No entanto Thompson & Gustafson (1996) referem que é prematuro adoptar exclusivamente uma classificação baseada em categorias patológicas, ou uma abordagem não segmentada, optando para uma abordagem segundo categorias modificada, "que procura identificar as características comuns biomédicas e terapêuticas do grupo de patologias, o que pode beneficiar a investigação, a prática clínica, e a programação da formação" (p.4). Ainda segundo estes autores "a doença como um acontecimento biomédico tem um impacto dinâmico no desenvolvimento através das modificações das interacções da criança com o meio social e físico "(p.32).

Essas modificações podem resultar do processo fisiopatológico, mas também das implicações no processo de desenvolvimento psicossocial.

A nossa experiência profissional, num serviço de Pediatria de um Hospital Geral, durante mais de uma década, onde a doença crónica constituiu em termos estatísticos um número significativo / considerável, leva-nos a reflectir que a

compreensão da complexidade desta problemática e a intervenção eficaz, transcende a orientação segundo o paradigma subjacente a cada sistema classificativo.

Tendo em conta a duração dos tratamentos de algumas doenças crónicas, a sua

intensidade, o que se ganha e o que se perde, cuidar de uma criança/família, e ajudá-los a construir uma existência aliada à companhia de uma «doença crónica», implica um contexto envolvente onde emergem sentimentos, emoções, onde se questiona muitas vezes o sentido do nosso agir profissional, e onde se aprende e compreende o significado da VIDA, em situações complexas, onde a doença crónica leva a redimensionar sentidos e modos de viver!