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1.3 O PROCESSO DO DESENVOLVIMENTO DA DOENÇA RENAL

A INSUFICIÊNCIA RENAL NA INFÂNCIA

1.3 O PROCESSO DO DESENVOLVIMENTO DA DOENÇA RENAL

Durante as primeiras fases de deterioração progressiva renal, a criança pode permanecer assintomática, dado que os nefrónios funcionantes vão conseguindo manter o equilíbrio hidroelectrólitico e a função reguladora durante um determinado tempo. Exceptuando-se o diagnóstico precoce numa avaliação de rotina, os sinais e sintomas que indicam lesão renal avançada manifestam-se com frequência só nas últimas fases da doença. Daí a relevância da prevenção, e da avaliação cuidadosa do estado de saúde da criança.

A avaliação diagnostica começa com uma anamenese do utente, incluindo uma história detalhada familiar, procedendo-se a uma avaliação de todos os domínios desenvolvimentais (físico, cognitivo e psicossocial), e a uma avaliação de todos os órgãos e sistemas.

A variabilidade da sintomatologia depende da causa e a forma como se instalou a insuficiência renal. A sintomatologia pode ser inespecífica, como cefaleias, astenia, anorexia, vómitos, polidipsia, poliúria, palidez e atraso de crescimento (Bergstein, 1994). À medida que o processo de falência renal progride, o aparelho renal torna-se incapaz de manter as suas funções, e independentemente da etiologia de base instala-se o Síndrome Urémico.

As manifestações clínicas do Síndrome Urémico são secundárias às alterações das funções renais. As alterações das funções excretórias do rim levam à retenção de produtos tóxicos (principalmente ureia e creatinina), aos quais são atribuídos

manifestações de toxicidade urémica: polinevrite; pericardite serofibrinosa; diminuição da duração de vida dos glóbulos rubros, alteração da função plaquetária (que leva a anemia e risco hemorrágico); fragilidade das mucosas digestivas (gastrite, úlcera, enterite, hemorragia digestiva); alterações das funções das glândulas endócrinas e sexuais (azospermia, amenorreia, ciclo anovolatório, impotência, hiperprolectinémia); alteração das funções das glândulas anexas do tubo digestivo (parótidas e pâncreas); alteração dos neutrófilos e linfócitos (susceptibilidade às infecções); alteração das funções cerebrais (déficit intelectual, confusão, letargia, convulsões..); alterações do sistema nervoso autónomo e de regulação térmica; alteração da sensibilidade dos tecidos periféricos à acção hormonal (em particular intolerância à glicose, por redução da sensibilidade da insulina); acidose metabólica crónica com descalcificação do esqueleto e a existência de um risco permanente de hipercaliémia. A osteodistrofia renal está associada à alteração da excreção urinária dos fosfatos, que pode levar a deformidades ósseas (Bergstein, 1994; Taylor, 1996; Vanherweghem, 1993; Wong, 1995).

O Síndrome Urémico, como um conjunto de manifestações resultantes de uma insuficiência renal terminal, evidencia de uma forma significativa que o corpo humano funciona não de uma forma parcelar, mas como um todo dinâmico e interactivo, provocando uma profunda redução da energia física, força e motivação"

(Kirschenbaum, 1991:567).

Indiscutivelmente, o avanço da ciência médica e a melhor acessibilidade à vigilância da saúde, levam à prevenção da instalação de um Síndrome Urémico extremo, prevenindo as múltiplas complicações que lhe estão associadas.

No entanto a instalação insidiosa de uma insuficiência renal na criança, é responsável por um atraso de crescimento, não só devido a factores como a

osteodistrofia renal, a nutrição insuficiente associada a restrições dietéticas, à anorexia e a alterações bioquímicas (Hall, 1993; Wong, 1995). "Devido ao atraso de crescimento, e à diminuição de produção hormonal na falência renal, há um atraso no desenvolvimento sexual das crianças mais velhas" (Taylor, 1996:484).

1.4- PREVENÇÃO DA INSUFICIÊNCIA RENAL

Apesar de depois de instalada uma deterioração da função renal, se desencadear um processo evolutivo marcado por uma certa irreversibilidade, "é precisamente a luta contra esta progressão inexorável para a insuficiência renal terminal que transforma a prevenção da doença renal crónica num desafio para o pediatra e nefrologista e num estímulo para o investigador" (Abranches et ai, 1994:147), e para qualquer outro profissional de saúde envolvido nos contextos de saúde pediátricos. É de referir o protagonismo que a família e por vezes a própria criança, devem assumir nas atitudes preventivas.

A prevenção deverá ser considerada nas suas vertentes primária, secundária e terciária.

A nível da prevenção primária, o padrão de hereditariedade de algumas doenças renais está perfeitamente determinado, como no caso da cistinose, a doença poliquística renal, o raquitismo hipofosfatémico familiar e a doença de Alport, o que implica a orientação familiar para uma consulta de aconselhamento genético (Abranches et ai, 1994). Para além desta medida, há medidas de ordem geral que visam promover um desenvolvimento harmonioso e saudável da criança, como seja: a avaliação do estado de saúde e dos padrões de desenvolvimento e crescimento da criança; o cumprimento do calendário de vacinação, dado os problemas infecciosos serem uma sobrecarga para o sistema imunológico e metabólico da criança podendo em algumas situações

potencializar problemas de âmbito renal; a promoção de medidas de higiene oral e a aquisição de hábitos miccionais e intestinais regulares.

Em termos de prevenção secundária, isto é, o reconhecimento precoce da doença, há hoje meios de diagnóstico que possibilitam tais medidas, como por exemplo a ultrassonografía (mais vulgarmente denominada ecografia), que permite um diagnóstico precoce mesmo in útero. Por outro lado, uma vigilância de saúde adequada, permite por exemplo, face a infecções urinárias de repetição, ou a episódios febris de etiologia não identificada, ou ainda atrasos de crescimento, investigar e despistar problemas urológicos que poderão desencadear insuficiência renal. Em relação à infecção urinária "o tratamento deve ser estabelecido precocemente. Estudos escandinavos demonstraram quando se espera mais de quarenta e oito horas para a administração da terapêutica, pode-se esperar 17% de cicatrizes renais" (Hall, 1993:217).

Também é reconhecido, que um controle da tensão arterial (particularmente em doentes com diabetes e patologia renal), assim como uma dieta pobre em proteínas podem reduzir a velocidade de deterioração funcional na insuficiência renal crónica. Deve-se também evitar a terapêutica nefrotóxica, e fomentar uma adequada hidratação (Bergstein, 1994; Will & Johnson, 1994).

A prevenção terciária tem como objectivos: minimizar o impacto do processo da doença; prevenir complicações e proporcionar apoio, orientação e educação à criança e sua família (Wong, 1995). A prevenção terciária implica assim, que para além da resposta possível aos múltiplos problemas orgânicos, se contemple um conjunto de factores (individuais e familiares), para que se passe de uma tónica de «sobrevivência», para uma maior atenção à qualidade de vida, que os progressos técnicos permitem

alcançar.