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SAÚDE / DOENÇA NA INFÂNCIA:O CONTEXTO DA MUDANÇA

SAÚDE /DOENÇA NA INFÂNCIA: O CONTEXTO DA MUDANÇA

1- SAÚDE / DOENÇA NA INFÂNCIA:O CONTEXTO DA MUDANÇA

Neste capítulo será abordada e discutida a problemática da saúde / doença na infância, apresentando-se a sua variabilidade epidemiológica, assim como as diferentes formas de abordagem dos problemas de saúde nesta faixa etária.

Ao longo deste trabalho, considera-se criança todo e qualquer indivíduo, do nascimento até aos 18 anos, segundo a Comissão Nacional de Saúde Infantil (1993), e tal como se encontra consignado na Convenção dos Direitos da Criança em 1990.

O conceito de infância tem sido um conceito evolutivo ao longo dos tempos. "Na idade média, o ponto de vista teológico, que considerava o Homem produto da criação instantânea, assume uma posição préformista: acreditava-se que a criança vinha ao mundo como uma miniatura do adulto" (Ribeiro, 1996:177). A diferença centrava-se em parâmetros quantitativos, e não desenvolvimentais.

Contudo, a criança desde a origem da civilização foi considerada como elemento essencial à preservação da espécie. Assim o equilíbrio da humanidade confrontou-se durante largos séculos com a dicotomia altas taxas de natalidade / altas taxas de mortalidade.

No século XVIII a Europa viu-se devassada pelas «pestes», que levantaram a questão da sobrevivência da espécie humana, perante altas taxas de mortalidade que suplantavam as taxas de natalidade. Começou assim a emergir a «mais valia reconhecida à criança» em resposta a uma crescente consciencialização da diferença entre os problemas de saúde das crianças e dos adultos.

A partir do século XVIII, e XIX assiste-se ao emergir de uma abundante literatura sobre "conservação de crianças, que aborda desde problemas médicos, a

práticas educacionais" (Donzelot,1977:15). Isto vem repercutir-se nas próprias instituições vocacionadas para o tratamento de crianças que, até ao século XIX eram praticamente inexistentes. "Registos antigos revelam que às vezes seis ou oito crianças podiam ser colocadas no mesmo leito que adultos gravemente doentes" (Waechter &

Blake,1976:l).

Os primeiros hospitais para crianças datam do século XIX: Hôpital des Enfants- Malades em Paris, e o Hospital « for Sick Childrens» em Londres. É também no século XIX que a Pediatria se começa a diferenciar no campo da Medicina, sendo de referir os trabalhos do Dr. Abraham Jacobi que começou "a estabelecer as diferenças entre as doenças das crianças e as dos adultos, merecendo por tal um estudo especiaF (Waechter & Blake,1976:l). Começou aqui a emergir a ideia de que a criança não era um adulto em miniatura, como foi encarada ao longo de vários séculos, tal como nos é documentado nos manuais de História, e nos legados da «arte» dos séculos passados.

Contudo, os saberes e práticas no âmbito da Pediatria evoluíram insidiosamente. A etiologia de muitas doenças infantis era desconhecida, pelo que não eram preveníveis, sendo potencialmente fatais. "A assistência a crianças, era feita segundo normas rígidas, em relação aos procedimentos de enfermagem, isolamento, repouso no leito e regulamentos de visitas" (Waechter & Blake, 1976:2). A falta de conhecimentos científicos na época, a preocupação centrada na tentativa de evitar as infecções cruzadas no hospital, e a carência de pessoal, deixavam pouco tempo para considerar as necessidades individuais de cada criança e sua família. "Os pais eram evitados porque a equipe sentia-se mal preparada para lidar com as ansiedades que eram reveladas nas horas das visitas" (Waechter & Blake, 1976:2).

A assistência à criança doente pautava-se pelo modelo dualista cartesiano mente- corpo, centrando-se à volta da doença como fenómeno biológico.

A partir do século XX, a evolução das ciências médicas (descoberta das vacinas, antibióticos), e os contributos de outras ciências nomeadamente da psicologia, vieram alterar o cenário das doenças na infância, e levaram a uma nova maneira de conceber a saúde e a doença, criticando-se a abordagem do modelo biomédico tradicional, e perspectivando-a numa visão holística do ser humano.

As próprias estruturas hospitalares têm vindo a modificar-se, criando-se espaços para actividades lúdicas das crianças e para a permanência dos pais, sendo estes intervenientes directos na prestação de cuidados às próprias crianças, tendo em conta a relevância do sistema familiar para o equilíbrio psicológico da criança, e da própria estrutura familiar (Altschuler, 1997; Danielson, Bissell, Winstead-Fry, 1993).

O desenvolvimento das ciências médicas, aliado à melhoria das condições socio- económicas das populações dos países ditos desenvolvidos, alteraram profundamente o tipo de doenças na infância, irradicando ou controlando muitas das doenças do passado.

Paradoxalmente o controle dessas doenças não resultou em declínio absoluto do número de crianças doentes, (Eiser, 1985), como supostamente era esperado, dado o aumento de sobrevida de muitas crianças com condições que previamente seriam fatais.

Decorrente destas evoluções, uma «nova doença» surge no cenário dos problemas de saúde na infância: «a doença crónica». Mas esta não é uma unidade singular, havendo variabilidades significativas ao longo desta faixa etária. A incidência da leucemia tem o seu pico de incidência por volta dos 4 anos de idade ( Honckenberry & Coody,1986 ),a diabetes entre os 5-6 anos e 11-13 anos, e a epilepsia é mais comum o seu início entre os 5-7 anos de idade (Eiser, 1993 ), e a doença renal crónica entre os 15- 19 anos (Berket & Fine, 1995; Taylor, 1996).

Sob o ponto de vista psicológico, decorre da definição de infância pela qual optamos, várias etapas desenvolvimentais que se repercutem na forma como a criança/família se adapta à doença de acordo com a idade em que surge.

Para além das especificidades inerentes à idade, defendemos também a ideia de que «não há doenças, há doentes». Isto é, as pessoas, neste caso as crianças /jovens ou adolescentes, não podem ser consideradas sob o prisma de doença de que padecem, à luz dos princípios do modelo biomédico. O registo biográfico de cada um circunscreve essa análise ao plano individual. Contudo cada pessoa deve ser perspectivada no contexto onde se move (físico e social) e fundamentalmente com o principal sistema que lhe dá suporte: a família. O significado da doença, constroi-se nas crenças e experiências do passado e presente de cada um, que pela sua vez é influenciado pelas crenças, atitudes e estilos de funcionamento da família, num contexto mais imediato, não deixando contudo o significado da doença de se basear nos valores e ideologias prevalecentes na cultura/sociedade onde o indivíduo/família vivem.