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Classificação e História da Ciência

CAPÍTULO 3: CLASSIFICAÇÃO E CIÊNCIA

3.5 Classificação e História da Ciência

Uma das principais marcas da emergência da História da Ciência como disciplina autônoma e com identidade própria foi a criação, em 1913, da revista ISIS por George Sarton. Já nesse primeiro momento, ele percebeu a necessidade de se oferecer bibliografias críticas da produção no campo.121 Foi assim que, durante 40 anos, Sarton dedicou especial atenção ao problema da classificação na História da Ciência.122 A partir desse momento, “la classification

121 Cohen, “George Sarton”, 292.

122 Weldon, “The Isis Bibliography from Its Origins to the Present Day: One Hundred Years of Evolution of a

des sciences n’a jamais cessé d’évoluer”.123 À luz da discussão nos capítulos precedentes, é útil revistar sumariamente as diversas tentativas de classificação, tal como corporificadas nas bibliografias produzidas pela revista ISIS.

A classificação desenvolvida por Sarton, entre 1913 e 1953, estava baseada na consideração de três eixos: 1) “fundamental”: divisão temporal por século (e metade de século a partir da modernidade) e, dentro de cada um deles, subdivisão segundo disciplinas científicas específicas (matemática, ciências físicas, tecnologia, ciências naturais, ciências médicas e miscelânea; 2) histórico e etnográfico: referido a áreas geográficas e regiões culturais; 3) sistemático: consideração individual das disciplinas sem levar em conta nem espaço nem tempo, organizadas em oito grupos principais, subdivididos em diversos campos menores (Quadro 11).

Quadro 11. Divisão sistemática de Sarton124

I. Ciência em geral

III. Ciências Físicas 22. Mecânica 23. Astronomia

24. Física

25. Química, Química física e industrial 26. Tecnologia

II. Ciências formais III. Ciências Físicas IV. Ciências biológicas

V. Ciências da Terra VI. Ciências antropológicas e

históricas VII. Medicina VIII. Educação

123

Stephen Weldon, “’La Classification des Sciences n’a Jamais Cessé d’Évoluer’: A Century of Effort at Putting Science in Its Place”, 307-27.

Fonte: Weldon, “Isis Bibliography”, 33.

Desse modo, segundo Stephen Weldon125, a classificação desenvolvida por Sarton refletia acuradamente a visão que ele tinha sobre a profissão da História da Ciência: todo historiador deveria ter uma especialização ao longo de um eixo horizontal (temporal), familiarizando-se com a ciência de um período determinado, como contexto para os estudos ao redor de um eixo vertical, a saber, um determinado campo da ciência.

Esse esquema, com algumas modificações, norteou a classificação utilizada pela Isis até a década de 1960, quando o desenvolvimento vertiginoso da disciplina da História da Ciência fez mandatória a necessidade de se repensar a questão da classificação. Esse processo é evidente no trabalho de Magda Withrow, durante a gestão de John Neu.126 Embora seguindo as divisões tradicionais, Withrow acrescenta uma estrutura em “facetas”, vale dizer, as características dos tópicos são descritas segundo um sistema alfanumérico, de modo a permitir a localização de cada item incluído na bibliografia da Isis. As três “facetas” assim definidas são:

1) Assunto e civilização: Ordenamento segundo a) Referências gerais e ferramentas para a História da Ciência; b) Ciência e sua história, de perspectivas especiais (métodos da ciência, instituições, etc.); c) Histórias das ciências especiais (filosofia, matemática, ciências físicas, etc.); d) Classificação cronológica (pré-história, Oriente próximo antigo, etc.), considerando as subdivisões pré-modernas e modernas separadamente;

125 Ibid., 34.

126 O trabalho de classificação da bibliografia acumulada da revista ISIS entre 1923 e 1965 exigiu 15 anos, o

sexto e último volume foi publicado em 1984. Vide o depoimento pessoal de Withrow em <http://www.libsci.sc.edu/bob/isp/whitrow2.htm>, Acesso em agosto de 2010. Os fundamentos do sistema são expostos em Withrow, “Classification Schemes for the History of Science: A Comparison”; “A Classification Scheme for the History of Science, Technology, and Medicine”, In Isis Cumulative Bibliography, vol. 3, 621-32; “Interrelationships in the History of Science: Bibliography as a Guide to Subjects for Research”, 81-5.

2) Disciplina: Listagem das disciplinas, seguindo a abordagem comteana de Sarton. Withrow, no entanto, enfatiza que esse ordenamento é puramente convencional, e não reflete qualquer hierarquização nos campos do saber;

3) Aspecto ou formato bibliográfico: Faceta miscelânea, incluindo tópicos tais como distribuição geográfica, instituições, interfaces da História da Ciência com outras áreas, tipos de obras, etc.

Como mencionado diversas vezes ao longo do presente texto, as classificações propostas até a atualidade, tanto as gerais do saber, quanto as específicas para a História da Ciência convergem em vários aspectos problemáticos. Para começar, e de modo paradoxal no caso das classificações produzidas para a História da Ciência, essa disciplina ora não é incluída como categoria autônoma, ora é incluída como subitem de alguma disciplina particular como, por exemplo, a História, revelando a sua natureza intrinsecamente interdisciplinar. A seguir, as classificações propostas até a atualidade continuam sem resolver o problema colocado pela própria evolução histórica das ciências, de modo que, por exemplo, na classificação de Whitrow ainda persiste a categoria “pseudociência”. 127 Isso revela a persistência de uma visão positivista anacrônica, que não faz jus à abordagem contemporânea, que demanda compreender o passado em seus próprios termos.128

Esses mesmos problemas têm sido identificados num projeto intitulado “Bibliografia Brasileira de História da Ciência (BBHC)”, sendo atualmente realizado pela equipe do Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST).129 Esses autores identificaram um conjunto similar

127 O motivo evidente para tanto é a formação exclusiva de Withrow em biblioteconomia. Nesse ponto, temos

mais um exemplo da natureza interdisciplinar da História da Ciência, no caso, a classificação requer o trabalho conjunto de historiadores da ciência, bibliógrafos e arquivistas.

128 Não discutimos aqui o esquema de classificação atualmente em uso pela ISIS, desenhado por Stephen

Weldon, porque, como ele afirma explicitamente, não inclui uma revisão intensiva e extensiva dos fundamentos historiográficos e epistemológicos básicos, mas procura apenas remodelar as estruturas prévias com objetivos pragmáticos, vide “Isis Bibliography”, 40.

129

Alfredo Tolmasquim, Alexandre Magno & Lucia A. da S. Lino, “Sistema de Organização do Conhecimento para Representação/Recuperação da Informação em História da Ciência”.

de problemas e questionamentos aos aqui levantados, em particular, a natureza inerentemente interdisciplinar da História da Ciência, que demanda, consequentemente, identidade própria nas atuais árvores do conhecimento, representadas pelas classificações bibliográficas.

Também pelos mesmos motivos que os aqui aduzidos, esses autores optaram por tomar como base a classificação da CDU. No entanto, foi omitido dessa escolha um aspecto fundamental: o fato de não ser possível aplicar o esquema atual das ciências àquelas do passado. Vale dizer, a proposta da BBHC volta a classificar a produção científica de acordo com a definição atual das diversas disciplinas e, por conseguinte, não reflete o processo histórico do desenvolvimento das ciências. Assim, por exemplo, disciplinas que, no passado, tiveram clara identidade própria e que não podem ser assimiladas a quaisquer categorias contemporâneas não têm lugar nessa proposta, como a História Natural.

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