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Classificação geral do(s) poema(s)

1. Indicadores de quem era o leitor/ouvinte visado pelos poetas e/ou editores

1.13. Classificação geral do(s) poema(s)

A classificação temática da literatura de cordel é controversa e foi objeto de vários estudos, como busquei demonstrar na introdução deste trabalho. A partir dessas pesquisas já realizadas, classifiquei os poemas publicados nos folhetos da amostra em apenas seis grandes grupos, com todas as limitações que esse procedimento pode trazer: 1) histórias tradicionais; 2) temas satíricos, relatos de acontecimentos, fait-divers; 3) histórias de heróis e anti-heróis; 4) pelejas; 5) poemas que não apresentam as características típicas da literatura de cordel; e 6) outros.

No período de 1900 a 1919, a maior parte dos poemas analisados (41,2%) pode ser classificada como pertencente ao segundo grupo; em seguida estão as histórias tradicionais, que compõem um terço do conjunto. As histórias de heróis e anti-heróis aparecem a seguir (com 9,8% dos casos), assim com as pelejas (7,8%), os poemas não classificados como cordéis (5,9%) e outros (2%). A prevalência de folhetos satíricos é compreensível na medida em que Leandro Gomes de Barros, como já demonstraram outros estudos124, escrevia, com freqüência, poemas que tematizavam problemas vivido por um público predominantemente urbano, como a carestia, e sátiras a figuras que surgiam naquele momento, como os “nova-seitas”, como eram chamados os protestantes. Nesse período é interessante observar que era relativamente significativa a presença de poemas, publicados nos folhetos, não característicos do que, com o tempo, configurou-se como um gênero próprio, a literatura de cordel. Um deles, por exemplo, traz impresso em suas duas últimas páginas, o poema “Recordações”125. O poema, não narrativo, é escrito em um estilo completamente diferente do resto do folheto e do padrão comum aos poemas de cordel. Segundo Márcia Abreu (1993), esse poema, assim como outros do mesmo estilo, impressos no final dos folhetos, que fogem ao padrão métrico, temático e semântico característico da literatura de cordel, revelam que os

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Entre os poemas identificados como de autoria de Leandro Gomes de Barros, segundo Ruth Terra (1983), encontram-se vinte e sete romances, vinte e duas pelejas, dois marcos e um ABC. Mas o poeta escreveu, sobretudo, poemas de época: dezoito sobre Antônio Silvino e cinco sobre o Padre Cícero e a “sedição do Juazeiro”. Outra parte de seus poemas, 56, são satíricos, criticando as morais e os costumes e ironizando as figuras da mulher, da sogra, dos protestantes – os “nova-seitas”. Além disso, satiriza instituições e outros elementos, como o casamento, a cachaça e o jogo do bicho. Escreveu, ainda, poemas de época sobre a primeira Guerra Mundial, acontecimentos políticos de modo geral, sorteio militar, secas, impostos, carestia dos gêneros alimentícios, escassez do dinheiro e outros fatos. O poeta escreveu ainda sobre bichos e os anti-heróis Cancão de Fogo e João Leso.

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poetas buscavam atingir um modelo de poesia que não fosse o popular. Esses poemas expressam a busca de forma de expressão que se afaste da linguagem cotidiana e se aproxime de um modelo de poesia erudita. Esses poemas foram, aos poucos, sendo excluídos dos folhetos. Parece, portanto, que, inicialmente, o mesmo leitor que comprava as histórias dos folhetos se interessava em ler poesia “erudita”. Essa distinção entre poesias populares e não populares parecia nítida para, pelo menos, os primeiros poetas e editores de cordel. Além de folhetos, o poeta Francisco das Chagas Batista organizou livros (A lira do poeta e Poesias Escolhidas) em que parodia e escreve sonetos, inspirado em poetas famosos. Apenas dois sonetos do autor, e que não constam nesses livros, foram publicados em folheto. Esse fato evidencia, segundo Ruth Terra (1983), a distinção estabelecida pelo poeta entre poemas populares e não populares. Assim, esses poemas escritos em um estilo diferente do padrão comum da literatura de cordel podem expressar, mais uma vez, que, no início da história do cordel, o público leitor visado pelos autores e/ou editores possuía um contato relativamente próximo com outros gêneros de poesia, como o soneto, característicos de uma tradição literária consagrada.

Nas décadas de 20 e 30, os folhetos de “acontecido” continuam a compor a maioria do corpus analisado, perfazendo 42,9% do total. As pelejas vêm em segundo lugar (23,2%), seguidas das histórias tradicionais (14,3%), de “outros”(10,7%) e das histórias de heróis e anti-heróis (7,1%). Nesse grupo, aparece, ainda, um poema não pertencente ao gênero cordel: trata-se de uma transcrição de uma poesia de Tobias Barreto. Assim, os folhetos de “acontecido”, as pelejas e as histórias tradicionais aparecem como aqueles de maior aceitação junto ao público. As pelejas certamente eram preferidas por um público leitor formado por migrantes, de origem rural, habituado às cantorias126. Nos anos 40 e 50, os poemas não característicos da literatura de cordel desaparecem completamente, o que expressa, talvez, a consolidação do gênero e do público, não habituado à poesia considerada erudita. Nesse conjunto, os folhetos com histórias tradicionais e aqueles que relatam fatos ocorridos se dividem entre os mais publicados, cada um respondendo por 41,7% dos poemas. Os que narram histórias de heróis e anti- heróis vêm a seguir, com 13,9%, seguido de “outros” (2,7%).

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LER/OUVIR FOLHETOS DE CORDEL EM PERNAMBUCO (1930-1950) 149

Os dados, de forma geral, confirmam tendências temáticas que estudos que realizam uma classificação da literatura de cordel vêm afirmando: os folhetos que relatam acontecimentos e as histórias tradicionais têm sido, ao longo do tempo, aqueles de maior aceitação. Até o início da década de 20, observa-se a presença (embora em pequeno número) entre os poemas que se consolidariam como um gênero próprio – a literatura de folhetos ou, posteriormente, a literatura de cordel, com características bem marcadas, específicas – de poemas não pertencentes ao gênero, escritos pelos próprios autores dos folhetos ou por outros autores. Esses poemas desaparecem completamente a partir dos anos 30. Sua presença revela, provavelmente, hesitação, por parte do autor e/ou editor, quanto ao perfil do público leitor de folhetos: entre o popular (literatura de leitura e consumo “leves”) e o erudito (poemas com conteúdo mais lírico, não narrativo, e forma pertencente aos cânones literários – em dois deles, o soneto).