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Os resultados aqui relatados, em seu conjunto, parecem confirmar, em linhas gerais e a partir do levantamento de grandes tendências, o que foi anunciado, no início da primeira parte deste trabalho, como hipóteses.

Uma série de dados, como aqueles resultantes da análise do número de páginas dos folhetos (cada vez mais adequadas ao formato de múltiplas de 8), dos recursos gráficos empregados na composição das capas, da presença ou ausência de vinhetas no interior do texto, dos tipos utilizados para compor os poemas, da redução do número de “páginas extras” na composição dos folhetos, parece indicar que houve, progressivamente, uma queda na qualidade gráfica e uma redução nos custos da produção de folhetos. Esses resultados revelam que, pouco a pouco, principalmente a partir de meados dos anos 30, os folhetos se tornam um impresso de “larga circulação”, mais adequados a um público pouco exigente e sofisticado, formado, supõe-se, em sua maioria, por pessoas analfabetas ou com um grau restrito de escolarização, pertencentes às camadas mais populares da população e pouco habituados ao universo letrado. No entanto, esse processo não se deu, como talvez pareça, de forma linear. Se analiso as obras publicadas por Athayde, um dos maiores editores de cordel de todos os tempos, observo um certo “descuido” editorial em alguns folhetos mais antigos. Posteriormente, parece ter tido uma fase mais cuidadosa para, a seguir e até o fim de sua atividade editorial, estabelecer um padrão de edição barato e pouco cuidadoso. Essa não linearidade talvez reflita a não absorção imediata pelo público dos novos padrões “populares” dos folhetos, em relação àqueles publicados em tipografias de jornais ou papelarias, por Leandro Gomes de Barros. Como se deu de fato esse processo é difícil saber; o que se pode, apenas, é levantar hipóteses.

A esse conjunto de dados que revela um progressivo empobrecimento do impresso do ponto de vista da editoração, os resultados da análise dos locais de venda dos folhetos, dos outros impressos anunciados ao lado dos folhetos, da presença ou ausência do preço impresso em suas páginas, da progressiva ausência da referência aos direitos autoriais e à conseqüente dissolução da autoria, do desaparecimento, no decorrer do tempo, de poemas característicos de uma tradição literária “erudita”, em meio aos poemas típicos da literatura de folhetos, parecem indicar, também que, progressivamente, o público

leitor de folhetos visado pelo autor e/ou editor se “populariza”, dando pouca importância a qualidades que caracterizam a produção de impressos na literatura considerada erudita. Parecem indicar também que esse tipo impresso já dispõe de uma rede de distribuição própria, que não depende dos canais tradicionais, típicos do universo letrado, para ser comercializado.

Alguns indícios, como aqueles levantados a partir das análises do número de páginas dos folhetos, da disposição das estrofes nas páginas (de modo a “cortá-las” ou não “cortá-las”), da progressiva disposição de um poema em cada folheto, também indicam que, aos poucos, os impressos vão-se tornando, através da introdução de vários dispositivos, mais fáceis de serem lidos e manipulados por um público pouco habituado a outros objetos de leitura, que prefere ler os folhetos em voz alta e, em muitos casos, memorizá-los. No entanto, essas constatações também não devem ser consideradas de forma linear. Sabe-se, por exemplo que, na época em que sobretudo os folhetos mais antigos foram escritos, a sociedade era ainda muito marcada pela presença da oralidade e sobretudo a poesia era considerada um gênero oral, escrita para ser lida ou em voz alta, mesmo nos meios eruditos, a ponto de Antonio Cândido, em seu célebre ensaio, ter caracterizado o público leitor brasileiro da época – inclusive a elite – como um “público de auditores” – de qualquer tipo de literatura.129 Assim, nas décadas iniciais do século a leitura oralizada também devia ser comum no caso dos folhetos, mas não em conseqüência necessariamente de o público ser semi-alfabetizado, mas por essa prática se inserir em uma sociedade (a brasileira, como um todo) de não generalização da escrita; além disso, no caso específico de algumas regiões, ser ainda um período profundamente influenciado pelas cantorias. A influência oral, ao longo do tempo, permanece e possivelmente se acentua, na medida em que se junta à essa tradição um novo público, cada vez menos escolarizado e demandando uma linguagem, na composição dos poemas, mais próxima da oral. No próximo capítulo, analiso os textos de alguns poemas, buscando trazer mais elementos para a identificação desse público leitor/ouvinte de folhetos.

129

Antonio Cândido (1980). Como indica Ruth Terra (1983), “pode-se falar, em relação à literatura de folhetos, de um ‘público de auditores’, expressão utilizada por Antonio Candido para designar a elite analfabeta que no Brasil escutava, em saraus e reuniões familiares, a leitura de romances e poemas, o que era muito freqüente até o início deste século. Antonio Candido chama a atenção para o fato de haver se desenvolvido no país uma literatura sem leitores. Os ‘romances velhos’ da tradição européia como a História de Carlos Magno e dos Doze Pares de França ou História de Genoveva de Brabant, que foram versificados pelos poetas populares, eram também lidos em voz alta. O aparecimento da literatura popular impressa foi possível por ser difundida junto a um público de auditores; o fato dos folhetos serem escritos em verso facilitava sua memorização pelos ouvintes.” (p.35)

LER/OUVIR FOLHETOS DE CORDEL EM PERNAMBUCO (1930-1950) 161

CAPÍTULO II

UMA ANÁLISE DE ALGUNS TEXTOS

1.

Introdução

Neste capítulo, como já me referi, analiso o texto dos poemas de oito folhetos, buscando também reconstruir o público leitor visado particularmente pelo autor. Essa análise foi feita a partir de alguns indícios, como o “caminho narrativo” utilizado pelo autor em cada um dos poemas, as marcas de oralidade presentes nos poemas (a utilização de um dialeto regional oral, a presença dos diálogos/dos discursos diretos, o papel dos adjetivos, a presença do elemento mítico-religioso) e a “enciclopédia do leitor”. No final do capítulo, analiso o texto de um dos folhetos, comparando-o com as notícias veiculadas por um dos jornais do Recife sobre o mesmo acontecimento tema do poema.