• Nenhum resultado encontrado

2. TEORIA DO RESTAURO E MÉTODOS DE INTERVENÇÃO NO

2.4 Propostas Contemporâneas para a leitura e classificação de Projetos de

2.4.1 Classificações das posturas intervencionistas por Carbonara Práticas

Na Itália, país onde existe grande tradição de debates teóricos para fundamentar ações práticas, Carbonara (Apud KÜHL, 2008) detecta a existência de três vertentes principais, definidas por ele como: “crítico-conservativa e criativa”, “pura conservação” ou “conservação integral”, e a “manutenção-repristinação” ou “hipermanutenção”. Estas vertentes, estão em boa medida relacionadas com as contribuições teóricas dos autores comentados nos itens anteriores deste capítulo.

A chamada “manutenção-repristinação” indica o “tratamento da obra através de manutenções ou integrações, ordinárias e extraordinárias”. Os defensores desta prática intervencionista propõem a retomada de “formas e técnicas do passado, sendo um modo de se colocar contra o estado fragmentário do bem, mantendo sua configuração e seu significado linguístico” (KÜHL, 2008, p.86). As restaurações são realizadas refazendo a argamassa ou completando as lacunas, sem maiores preocupações com as marcas do tempo.

Para exemplificar este tipo de atitude projetual, elegemos a reconstrução do Palazzo della Zisa (Palermo, Itália), com Paolo Marconi como consultor do projeto de intervenção. A proposta projetual de Joseph Caronia teve como umas de suas premissas a reconstrução das

paredes e telhados arruinados, promovendo a recomposição e uniformização da fachada (Figuras 05 a 08).

Figura 05: Palazzo della Zisa, imagem do século XIX, antes do arruinamento.

Fonte: http://people.unica.it/caterinagiannattasio/files/2014/10/21.Lelogio-della-bellezza.pdf Figuras 06 e 07: Palazzo della Zisa, imagem do século XIX, em arruinamento.

Fonte: http://people.unica.it/caterinagiannattasio/files/2014/10/21.Lelog io-della-bellezza.pdf

Figura 08: Palazzo della Zisa após projeto de intervenção, com a recomposição e uniformização da fachada.

Fonte: http://people.unica.it/caterinagiannattasio/files/2014/10/21.Lelogio-della-bellezza.pdf

A postura “crítico-conservativa e criativa” é baseada na teoria brandiana e na releitura de aspectos do chamado restauro crítico. É fundamentada no juízo histórico-crítico, na análise da relação dialética entre as “instâncias” estética e histórica. Para esta prática intervencionista, Kühl (2008, p.82) conclui:

Nesta vertente a restauração assume uma posição conservativa, de forma prudente, que não significa de modo algum congelamento, e não prescinde, antes, propõe, quando necessário, o uso de recursos criativos (utilizados, porém, com respeito pela obra e não em detrimento dela) para tratar várias questões que podem estar, e em geral estão, envolvidas na restauração, como a [...] remoção de adições e reintegração de lacunas.

Neste tipo de intervenção deve-se buscar a reintegração da imagem, em certa medida, visando facilitar a leitura do bem cultural, sem cometer um falso histórico, ou seja, sem desconsiderar as alterações ocorridas no bem ao longo do tempo. Dessa forma, poderíamos fazer um paralelo com a questão do resgate da “unidade potencial” da obra preconizada por Brandi.

Elegemos como exemplo desta categoria a intervenção realizada no Neues Museum de Berlim. O edifício estava parcialmente arruinado, com partes faltantes de seu volume (Figura 09), embora ainda sendo possível restabelecer sua potencialidade estética, segundo vemos. Portanto, a proposta projetual dos arquitetos David Chipperfield e Julian Harrap foi ancorada na premissa de “proteger e reparar as partes remanescentes, criar uma configuração

compreensível e reconectá-las de volta em um conjunto arquitetônico inteiro”, sem imitar, além de integrar “o novo e o antigo se fortalecendo não em um desejo de contraste, mas à procura de continuidade” (CHIPPERFIELD, 2009, In: BRENDLE, 2013).

O resultado obtido foi a reconstituição do ambiente com base nos dados espaciais do edifício, e não naqueles formais que já haviam desparecido (Figura 09 e 10).

Figura 09: O Neues Museum Berlim antes da restauração – com destaque em amarelo para as seções faltantes do edifício.

Fonte: Das Zentral archiv der Staatlichen Museenzu Berlin, In: BRENDLE, 2013

Figura 10: Restauro “Crítico-conservativo” – reintegração da imagem com reconstituição da espacialidade da edificação (em destaque amarelo)

A “conservação integral”, assim como a “crítico-conservativa e criativa”, valoriza a distinguibilidade entre o novo e o preexistente, mas em grau diferente, pois não se trabalha de forma dialética entre as instâncias histórica e estética. A instância histórica é privilegiada e “respeitada de modo absoluto, sendo a matéria preservada tal qual chegou aos dias de hoje” e a inserção da arquitetura contemporânea possui grande liberdade de se manifestar (KÜHL, 2008, p.83).

Os adeptos da “conservação integral” retomarão a discussão a respeito do movimento “anti-restauração”. Para eles a restauração não é conservação, mas pertence a uma natureza diversa. Segundo Marco Dezzi Bardeschi, um dos expoentes da “conservação integral”, o restauro só olha para o passado e o prefixo da palavra remete à repristinação, ao refazimento, à reconstrução, ou seja, é olhar o passado e voltar a ele, algo totalmente diferente do projeto, que busca a criação do novo18.

A “conservação integral” propõe a separação da ação projetual em dois momentos distintos. O primeiro, quando se conserva a matéria tal qual ela está, e o segundo, quando tem início o momento de criação – o projeto do novo19, bem diferente da postura “crítico-

conservativa e criativa”, que procura trabalhar de forma concomitante a conservação e a inovação.

Para exemplificar este tipo de atitude intervencionista, escolhemos o caso do Palazzo della Ragione (Milão, Itália) do arquiteto Marco Dezzi Bardeschi. Como vemos nas imagens a seguir, na intervenção concluída no ano de 1986 existe um alto grau de respeito à história, que acaba conservando indiscriminadamente qualquer traço material, desde os mais reveladores até as alterações mais banais, proporcionando uma consolidação dos estratos (os traços materiais da passagem do tempo), sem se preocupar com a legibilidade do bem (Figura 11). Já no momento de criação, como visto na inserção da escada externa, existe uma clara distinguibilidade ou justaposição entre o novo e o antigo conservado (Figuras 12 e 13).

18O professor italiano Marco DezziBardeschi tem uma experiência de mais de 40 anos em conservação e

restauração do patrimônio construído, no Instituto di Restauro dei Monumenti de Florença e, como catedrático de Restauração Arquitetônica na Faculdade de Arquitetura do Politecnico di Milano, esteve em Salvador/BA para ministrar um curso de restauração e conservação para estudantes e profissionais da área, em Abril de 2014.

19 Esta atitude fica clara no discurso e no título da aula “CONSERVARE (E PROGETTARE) NON “RESTAURARE”, ministrada por DezziBardeschi no evento supracitado.

Figura 11: Conservação integral – respeito à matéria

Fonte: www.cronacamilano.it

Figuras 12 e 13: Conservação integral – respeito à matéria e inserção do novo notadamente distinto do antigo

Fonte: www.trekearth.com

A crítica mais recorrente à postura é que ao reconhecer as várias estratificações da obra, guardando total respeito às alterações no decorrer dos anos, esse tipo de ação intervencionista apresenta “descontinuidades, admitindo-se uma configuração final com conflitos e, mesmo, contradições” (KÜHL, 2008, p.85).