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Nascido em 23 de agosto de 1926 em San Francisco, Califórnia, Clifford Geertz é um dos grandes nomes da antropologia norte-americana. Seus estudos em busca de conhecer o funcionamento da cultura, renderam-lhe o reconhecimento como criador da antropologia interpretativa ou hermenêutica (PALMER, 1999).

A teoria interpretativa se constitui em um instrumento ou aporte para reflexões e estudos sobre práticas sociais e seus significados, de modo que a cultura é entendida como um sistema simbólico. Também chamada de antropologia simbólico- interpretativa, pautada nos parâmetros antropológicos, ancora-se na busca da compreensão da diversidade, do pluralismo e do conflito, vislumbrando elucidar dada situação ou caso por meio da decodificação do simbolismo característico ou específico de cada campo (GEERTZ, 2001), desvelando-o de modo racional e compreensível para não nativos do universo pesquisado.

A cultura é então considerada como um padrão de significados que são transmitidos historicamente, incorporados em símbolos por meio dos quais os homens se comunicam desenvolvendo conhecimentos ou perpetuando-os, bem como suas atividades ou mesmo suas relações com a vida e com o mundo a sua volta (GEERTZ, 2008).

O contexto criado pelo próprio homem o envolve como uma teia de significados, de modo que ele assume esta cultura, suas teias e análises intrinsecamente a sua existência. A dimensão subjetiva e simbólica das relações e das trocas é complexa, cuja profundidade só pode ser acessada verdadeiramente a partir da imersão no mar dos símbolos significantes, para que, consequentemente, haja uma aproximação e apropriação dos seus elementos, de um modo “quase nativo”, em que o pesquisador possa se comunicar e compreender o que está sendo comunicado de modo claro e inteligível (GEERTZ, 2008).

Geertz (2008) refere-se à cultura como sistemas entrelaçados de símbolos inteligíveis que podem ser compreendidos a partir da análise dos registros, que devem traduzir o cenário fidedignamente a partir da descrição densa, para que pouco escape aos registros. Neles, os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições e os processos que ocorrem nas trocas podem ser vislumbrados e compreendidos lucidamente.

Pensar espécie humana e cultura é buscar a compreensão da imbricação de mecanismos simbólicos que regem o comportamento do homem, quando o próprio conceito de homem está relacionado com a cultura em que ele está inserido. Seus vínculos com o grupo e com seus membros são reforçados pelo que está posto historicamente, que consolida os elementos constitutivos da cultura, estrutura esta que, de acordo com a etnociência ou antropologia cognitiva, é composta de estruturas psicológicas que guiam o comportamento dos sujeitos (GEERTZ, 2008).

Uma análise fidedigna das formas simbólicas está ligada a apropriação dos acontecimentos sociais e das ocasiões concretas em que eles ocorrem, organizando- os de um modo que as conexões entre as formulações teóricas e as interpretações descritivas não sejam ofuscadas pelo que chamamos de ciências mágicas.

Estar imbricado com a realidade investigada é também vivê-la e utilizar-se dos símbolos significantes que a compõem, após apropriar-se deles, exercitando as trocas a partir do rompimento com o caráter imaginativo ou mágico dos fenômenos. É considerar que, aquilo que fora mágico, no momento vivido não mais o será, mas será visto por uma ótica similar aquela dos nativos, de certo modo, moldada por eles e, portanto, elucidada a partir da interpretação, de segunda mão, do que os nativos informaram (GEERTZ, 2008).

Na perspectiva de Geertz (1997), busca-se interpretar significados para compreender a construção sociocultural dos eventos. Assim, a teoria interpretativa da cultura constitui-se de um modo pelo qual as experiências são interpretadas e os relatos das interpretações são posteriormente usados para que se chegue a uma compreensão do fenômeno e seus elementos constitutivos, os quais manifestam expressão, poder, identidade e justiça.

Nas descrições de cultura, Geertz (1997) mostra certa aproximação a Max Weber, no sentido de que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, deste modo, cultura seria estas teias e sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado.

Assim, tudo o que se refere à cultura, como a própria cultura em questão, tangencia o pensar significados, os quais se fazem singulares em cada grupo social em que se manifesta na comunicação entre pessoas, de modo que estes significados se constituem conforme necessidades individuais e coletivas.

A linguagem e a percepção das pessoas desse ou daquele lugar, devido as suas características, também interferem no jeito de ser, pensar e viver dos sujeitos de cada lugar, portanto, fazendo-se presentes nos elementos constitutivos da cultura.

Por esta perspectiva, ferramentas entendidas como “universalizáveis”, poderiam ser considerados como ineficazes ou incapazes de atingir seus objetivos, uma vez que cada sujeito está sujeito à sua própria cultura. Portanto, sua visão de mundo e sua própria construção enquanto sujeito é variável.

Neste âmbito, manifestações tênues e que passariam despercebidas por qualquer pessoa podem ser fundamentais, uma vez que podem significar/comunicar mensagens importantes e ricas em elementos, uma vez que sejam/estejam do/no domínio dos demais membros de uma dada cultura.

Estes elementos culturais, de acordo com Ryle (2009), foram denominados como códigos estabelecidos, ou seja, significantes para os membros natos e por suas particularidades e possíveis variabilidades para outros grupos, possuem comunicações significantes que necessitam ser apreendidas para que sejam decifradas com a maior aproximação do sentido para os nativos.

Na busca da compreensão de cultura, ainda suscita o transitar pelo campo do pensamento e permitir-se questionar se a cultura é uma conduta padronizada ou um estado da mente, ou em algum momento, as duas coisas juntas.

Dizer que cultura consiste em estruturas de significado socialmente estabelecidas, não é mais do que dizer que esse é um fenômeno psicológico, uma característica da mente, da personalidade, da estrutura cognitiva de alguém (GEERTZ, 2008).

Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis que podem ser chamados de símbolos, a cultura não é um poder, algo ao qual podem ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível, isto é, descritos com densidade (GEERTZ, 2008; COELHO, 2014).

A cultura pode então ser tratada como sistema simbólico, permeado por construções particulares de significantes pertencentes aos membros natos. Partindo deste pressuposto, Geertz (1997) aponta a indissociabilidade do ato de estar pertencendo ao meio pesquisado como parte dele, como ato imprescindível ao pesquisador antropológico, necessitando causar estranhamentos com o fim de que os

fatos sejam observados nas suas minúcias que manifestam tais significantes específicos.

Com tais prerrogativas, a imersão no campo por um período de nove meses proporcionou inúmeras emoções e permitiu uma relação de profunda intimidade com os sujeitos, de modo que os dados apontam elementos que só poderiam ter sido acessados com a utilização da etnografia.