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Poetas são: Pessoas sensíveis às dores, as desilusões e aos amores.

Dão liberdade ao pensamento E com pericia, esculpem anseios e desabafos com beleza de joias raras. Por ora sábios, por ora loucos! Pelo fluir dos pensamentos e pela desconexão momentânea de suas falas, Serão poetas ou incompreendidos? (Izamir de Farias - 2016) Pensar reabilitação e reinserção a partir do modo psicossocial de cuidado requer um olhar para a participação dos sujeitos nos espaços sociais e principalmente a ideia de que a pessoa em sofrimento acessa todos os meios de convívio humano.

Deste modo, haverá a efetiva reinserção das pessoas que, devido as suas “estranhezas”, ainda são estranhas aos meios de convívio nos quais a hegemonia vem dos padrões históricos de “igualdade” comportamental, ideológica e moral.

Simples fazeres e trânsitos pelos diversos campos organizados pelas pessoas, denominados como meios sociais ou redes sociais [termo amplamente utilizado na atualidade e transposto aos meios de comunicação virtuais] são vetados pelo sofrimento ou pelo medo de ser discriminado pelas pessoas, fazendo com que pessoas ao longo de muitos anos ficassem excluídas destes espaços. Como desdobramento, além do sofrimento decorrente da sua patologia, carrega[ra]m por muito tempo outro sofrimento causado justamente por não serem aceitas se quer como dignas de frequentarem tais ambientes, mesmo que ditos públicos.

Para pensar [re]inserção social10 de pessoas que foram acompanhadas num serviço de saúde mental, é necessário o entendimento de cotidiano a partir do ponto de vista teórico, cujo conceito utilizado possa abarcar o transitar do indivíduo pelos distintos âmbitos da sua vida e seu entendimento de ter frequentado as oficinas terapêuticas e o CAPS.

O transtorno mental, de modo geral, acarreta em manifestações que consequentemente influenciam na harmonia da família, levando-a ao aprendizado

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Inserção ou reinserção social de pessoas com transtornos mentais está relacionada à promoção de mecanismos para que estas possam estar em convívio com a sociedade e exercendo a cidadania com direitos e deveres enquanto sujeito. Há casos de pessoas que passaram as vidas institucionalizadas e necessitam de um trabalho elementar com vistas a promover sua interação com outras pessoas, ao passo que, aquelas que perderam sua sociabilidade por conta do adoecimento e isolacionismo decorrente dos sintomas necessitam reorganizar suas rotinas e relações interpessoais para retomarem o convívio com a sociedade. Este processo parte da lógica psicossocial.

de manejos, de cuidados e de tarefas que alteram suas rotinas, causando impacto financeiro, dentre outras situações que podem levá-la ao adoecimento (BANDEIRA; BARROSO, 2005).

De acordo com Melman (2001), essa rotina acaba acarretando em uma sobrecarga aos cuidadores, membros da família, que muitas vezes se veem adoecidos, sufocados pela angústia de se sentirem impotentes diante do sofrimento mental que assola seu ente querido e por não conseguirem sanar sua causa.

Uma vez que o CAPS propõe um cuidado em liberdade, por meio do qual a interação do usuário com sua família e com a sociedade ao seu entorno também fazem parte da reabilitação, embora com sofrimento, as famílias percebem a importância de sua participação no tratamento do usuário desde que estejam preparadas para essa atribuição (VECCHIA; MARTINS, 2009),

Neste sentido, pensar as oficinas como ferramenta para o processo de reconstrução das interações saudáveis entre usuários do CAPS e seus familiares, constitui-se em uma estratégia cada vez mais necessária para que se venha projetar uma melhor qualidade de vida para as pessoas quando não mais estiverem na condição direta de usuários.

O exercício das relações e interações interpessoais pode influenciar na dinâmica da recuperação do usuário, proporcionando resultados muito mais rápidos e eficazes (RIBAS; TERRA; ERDMANN, 2005; PINHO et al, 2013) e contribuir como facilitador do convívio na sociedade.

Quando tratamos de pessoas acometidas por transtornos crônicos, mesmo quando frequentaram o CAPS e estão com os sintomas estabilizados, ainda serão motivo de preocupação para seus familiares. Por isso, torna-se uma inquietação olhar para o cotidiano dessas pessoas na sua condição de vida pós CAPS, com o intuito de alcançar uma compreensão de como elas constroem e reconstroem suas vivencias neste cotidiano enquanto cidadãs.

De acordo com Teixeira (2003), o cotidiano pode ser ponderado como um plano no qual podem ocorrer à reprodução, a experimentação e a invenção de modos de vida, de maneira que estes atos sejam considerados estratégicos para a promoção da saúde e do bem estar coletivo.

Essa perspectiva que para o autor deve permear os serviços precisa transcendê-los e fazer-se presente na vida dos sujeitos como uma dialética do seu

dia-a-dia, nas suas trocas e nas suas conversações com o mundo, de modo que haja a sensação de pertencimento e de interação com este mundo.

Amarante e Lima (2008) atentam para grandes desafios a serem vencidos no que se refere à política nacional de saúde mental, principalmente no investimento em empoderamento das pessoas para o exercício da cidadania.

Uma vez que o manicômio e a clausura coexistem com o psicossocial, há evidentemente a necessidade de avanços no campo das práticas políticas para implementação de mecanismos que suportem a efetiva [re]inserção na sociedade e o exercício da autonomia para pessoas com sofrimento mental, como é previsto para os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) e para propostas de atividade extra CAPS (no cotidiano, no território ou outra forma de composição da RAPS).

Pensar [des]institucionalização com vistas à reinserção social é considerar potencialidades do ser humano e olhar para sua integralidade, de modo que o foco da atenção não seja somente na patologia propriamente, mas na pessoa (ROTELLI; LEONARDIS; MAURI, 2001).

Em Prochnow, Leite e Erdmann (2005), vimos cuidado em saúde como elemento cultural que possui qualidades intrínsecas independentes e interdependentes, bem como potenciais de significados que, por sua dinâmica, produzem reações da sociedade.

Este processo complexo requer [re]flexão dum cotidiano que ainda está vinculado ao modo de vida institucionalizado e/ou tutelado, devido às limitações das pessoas acometidas por este modo. Por outro lado, há uma ruptura do modo manicomial, uma vez que estas pessoas podem exercer suas vontades e desejos, mesmo que sob a orientação do modo psicossocial.

Duran (2007), seguindo o raciocínio de Certeau, Giard e Mayol (1996), apresenta o cotidiano como fazeres diários e corriqueiros que permeiam a vida e as relações com objetos, coisas e pessoas, e podem ser mediadas por coisas e/ou temáticas. Dessa forma, a prática de atos como ler, falar, caminhar, cozinhar, habitar, fazem parte dos elementos constitutivos do cotidiano de um sujeito.

Entender esse cotidiano na vida de egressos requer uma leitura abrangente, que contemple as práticas dos fazeres pressupostos por Certeau, Giard e Mayol (1996), que perpassam o campo da qualidade, da intensidade e das significações desses fazeres para os sujeitos.

A reinserção social relaciona-se diretamente com o transito social do sujeito na família, na cultura e objetiva sua implicação com o trabalho produtivo, aspectos estes que fazem parte do exercício de cidadania dos sujeitos na sociedade contemporânea (RIBEIRO, 2004).

O potencial das oficinas para a promoção desta reinserção e da reabilitação reside no modo de operação que viabiliza a invenção de estratégias de acolhimento e de intervenção, na escuta, no respeito à singularidade de cada sujeito e na facilitação das relações com as possibilidades de construção de “redes sociais” (RAUTER, 2000; GUERRA, 2004), sendo fundamental conhecer o cotidiano do sujeito para construção do seu Plano Terapêutico Singular (PTS).

Deste modo, posteriormente a passagem pela atenção psicossocial, estando [re]inserido na sociedade, a pessoa carregará consigo as vivências e as experiências do seu processo de [re]abilitação, as quais certamente farão parte do seu cotidiano e do seu novo modo de vida.

O direcionamento deste estudo busca respostas para a questão de pesquisa:

Como se dão as trocas sociais no cotidiano de sujeitos após vivenciarem oficinas no CAPS II em Pelotas – RS?

A fim de dar sustentação teórica a esta pesquisa, foi realizada uma revisão sistemática em março de 2016, abarcando trabalhos publicados em revistas científicas do campo da saúde e da educação nos últimos 10 anos (de março de 2006 até março de 2016), disponíveis nas bases de dados Literatura Latino- Americana e do Caribe em Ciências da Saúde11 (LILACS) e Medical Literature Analysis and Retrieval System Online12 (MEDLINE), partindo dos descritores mental health e workshop, com o intuito de identificar a existência de artigos sobre saúde mental e oficinas terapêuticas.

Dentre os critérios de filtragem, foram considerados os artigos publicados nos idiomas português, espanhol e inglês, os quais abordassem os temas: conhecimentos, atitudes e práticas em saúde, atitudes das equipes de saúde em serviços de saúde mental e transtornos mentais. Foram encontrados 49 artigos,

11

Base de dados Latino-Americana de informação bibliográfica em ciências da saúde. Em termos gerais, abrange toda a literatura relativa as ciências da saúde, produzida por autores latino- americanos e publicado nos países da região a partir de 1982.

12

Base de dados bibliográficos da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos da América (US National Library of Medicine's - NLM).

dentre os quais, oito foram selecionados, considerando a relevância para a discussão da temática proposta pela revisão. Os demais foram excluídos por não tratarem de temas relacionados com a proposta para esta tese.

Nos artigos selecionados, percebeu-se a importância do conteúdo para o campo da saúde mental, muito embora haja enfoque dos referidos estudos na descrição metodológica de oficinas terapêuticas e nos resultados decorrentes em distintos serviços de saúde. Considerando as especificidades da atenção psicossocial no Brasil e o modo como às oficinas acontecem nesta lógica, observa- se que a maioria dos trabalhos publicados em outros países, não compreende particularidades da realidade aqui vivenciada.

Igualmente, o objetivo do presente estudo é dialogar sobre subjetividades e significações produzidas pelas relações e pelas trocas sociais, portanto, foi realizada uma nova busca no banco de teses da CAPES, da qual foram selecionados trabalhos que possuem relação com a temática e com oficinas terapêuticas.

Após a coleta de dados por meio de abordagem etnográfica, percebeu-se que a temática “oficina terapêutica” tornou-se limitada, em face de tudo que foi vivenciado no campo, portanto, a referida revisão não foi considerada nesta tese.

Diante disto, foram realizadas leituras interessadas13 de acordo com a realidade emergente no campo, havendo, portanto, uma busca pela compreensão de questões que transcendem a materialidade da oficina, de modo que aqui, ela é vista como um mecanismo do qual as pessoas participaram, vivenciaram trocas e ressignificaram suas vidas, mas não é tratada como foco do estudo.

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AMARANTE, 2001, 2007; AZEVEDO; MIRANDA, 2011; BABINSK, 2004; BALTAZAR, 2004; COSTA-ROSA, 2006; FARIAS, 2013; KANTORSKI et al 2008, 2009, 2010, 2011, 2012, 2013, 2015; WILLRICH, 2016; ARGILES, 2016; MEIRELLES, 2016; UBESSI, 2017.