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Formação política e intelectual de Paulo Emílio

3. Clima e militância política: modernismo crítico e marxismo independente

O retorno de Paulo Emílio ao cotidiano brasileiro se deu nos primeiros meses de 1940. Desiludido com o leninismo e também não muito entusiasmado com o trotskismo, apesar de manter profunda admiração por Leon Trotsky, o autor não encontrou conforto entre os antigos ―camaradas‖ de Juventude Comunista, tampouco no núcleo de outras organizações de cunho esquerdista, fatores que, ao menos nos dois primeiros anos do decênio adormeceriam sua militância política. Em função disso, o autor passou alguns meses sem exercer qualquer tipo de atividade para colocar em prática tudo aquilo que havia adquirido de conhecimento na década anterior, tanto no que concerne à literatura quanto no tocante ao cinema e sua visão de mundo político-ideológica.

Dessa maneira, retomou contato mais estreito com seu amigo de infância e coeditor de Movimento: Décio de Almeida Prado. Por intermédio dele estabeleceu laços fraternais com Antonio Candido, Gilda de Mello e Souza, Lourival Gomes Machado, Ruy Coelho e Alfredo Mesquita (um pouco mais velho que os demais), que haviam se conhecido nas dependências da Universidade de São Paulo (USP). O biógrafo de Paulo Emílio reconstituiu o primeiro contato da seguinte maneira:

Um belo dia, Décio chegou acompanhado de Paulo. Ele achou a turma de amigos na qual foi introduzido demasiadamente mundana. Antonio Candido sentiu prevenção contra o novo integrante do grupo; Lourival Gomes Machado teve muita prevenção contra ele; Alfredo Mesquita ficou

meio desconfiado. O estranhamento causado, ressalve-se, deve ser visto dentro da camaradagem que se estabeleceu de pronto. Havia de ambas as partes ambiguidades que foram aparadas com o tempo (SOUZA, 2002, p. 136).

Como enfatiza Heloísa Pontes, as afinidades que uniram o grupo decorriam de suas origens sociais semelhantes19, da vivência parecida que tiveram na infância e adolescência, do tipo de formação cultural que receberam de suas famílias e das escolas que frequentaram (PONTES, 2003, p. 37). Aliado a isso, automaticamente o grupo passou a se reunir em espaços privilegiados de sociabilidade cultural, como a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP)20, a livraria Jaraguá, a Confeitaria Vienense e algumas salas de cinema da capital paulista.

Desse modo, em pouco tempo Paulo Emílio se inseriu em uma rede de sociabilidade que, resguardando a devida historicidade das relações, seria parcialmente mantida até o término de sua vida. O trânsito com o novo grupo de amigos entre a Universidade de São Paulo (USP) e as investidas na vida cultural paulistana encaminhou-o à fundação do Clube de Cinema de São Paulo (1940-1941)21, ao projeto que deu origem à

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Décio de Almeida Prado e Paulo Emílio, filhos de médicos com trânsito nas esferas da elite paulista, Antonio Candido, filho de médico respeitado no interior de Minas Gerais, Ruy Coelho, filho de advogado conceituado em São Paulo, e Gilda de Mello e Souza, prima de segundo grau de Mário de Andrade. Em suma, pode-se afirmar que pertenciam à esfera da burguesia paulista, nesse período. A própria Faculdade de Filosofia exemplifica sua condição de classe.

20 Atualmente Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Resguardando a historicidade do nome da faculdade, a partir daqui a chamaremos apenas de FFCL.

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Por iniciativa de Paulo Emílio e apoio mais sistemático de Décio de Almeida Prado, Lourival Gomes Machado e Cícero Christiano de Souza, a fundação do O Clube de Cinema de São Paulo vinha suprir uma lacuna na capital paulista. Aos moldes do Chaplin Club, do Rio de Janeiro, que havia fechado as portas em 1930, e dos inúmeros cineclubes parisienses que o crítico frequentou em sua estadia na França, o Clube surgiu no intento de refletir sobre cinema como arte independente via projeções, conferências, debates públicos e publicações de seus colaboradores. Em 1941, sob alegação de projeção de filmes subversivos, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP) do Estado Novo (1937-1945) fechou o Clube. Paulo Emílio narra a vida e a morte do órgão da seguinte maneira: ―Tudo começou, aqui em São Paulo, com o clube do cinema que nós criamos na Faculdade de Filosofia em 1940, no começo da guerra. Este clube, aliás, não funcionou muito. O DIP, que era o Departamento de Imprensa e Propaganda da época, logo achou que este clube era um pretexto para atividades subversivas. Era nada. Besteira. Nós nos reunimos lá para ver Caligari, filmes de Carlitos. E fechou. Durante algum tempo, o clube, então, funcionou em casa de pessoas como o Lourival Gomes Machado, notadamente, para um círculo restrito de pessoas‖ (SALLES GOMES apud CAETANO, 2013, p. 74). Ainda sobre o Clube de Cinema, especialmente suas origens, Gilda de Mello e Souza pontua: ―Foi com Paulo Emílio que minha geração aprendeu o que era cinema, passando por uma série de provas iniciatórias que ele julgava indispensáveis e começavam no mudo. O tempo de guerra não permitia muitas escolhas e nas projeções precárias, realizadas na maioria das vezes em casas de amigos, assistíamos com admiração crescente Metrópolis e Os Espiões de Fritz Lang, O Gabinete do dr. Caligari de Ribert Wiene, O Couraçado Potenkin de Eisenstein, os filmes curtos de Chaplin do período Essenay. Foi esta a primeira etapa do nosso aprendizado, a que se seguiram outras, feitas em melhores condições técnicas: o ciclo do cinema francês e as descobertas exaltadas de alguns ases do falado, como John Ford e Orson Welles‖ (MELLO E SOUZA, 1979, p. 61-62).

revista Clima e ao ingresso na Faculdade de Filosofia da USP (1942 e 1944). Primeiramente passemos em revista a experiência de Clima22.

Idealizada por Alfredo Mesquita — membro da família Mesquita, dona do jornal O Estado de São Paulo —, a revista — que circulou entre maio de 1941 e novembro de 1944 —, em seu núcleo principal, contou com Lourival Gomes Machado na direção geral e na seção de Artes plásticas, Antonio Candido na seção de Letras, Décio de Almeida Prado na de Teatro, Gilda de Mello e Souza, assim como Ruy Coelho, em diversas seções e temas diferenciados, Antonio Branco Lefèvre na seção de Música, Marcelo Damy de Sousa Santos na de Ciências, Roberto Pinto de Souza na de Economia e Direito e, finalmente, Paulo Emílio na seção de Cinema (PONTES, 1998, p. 97-98).

No âmago desse ambiente no qual a aspiração por modernização cultural conquistava terreno a passos largos — vide exemplo: criação da USP e a rotinização do modernismo já nos anos de 1930 — Paulo Emílio partilhou com o grupo de Clima o movimento dialógico com o legado modernista em sua coluna de cinema. Escrevendo ininterruptamente nas sete primeiras publicações (maio a dezembro de 1941) e da nona à décima primeira (abril a junho de 1942)23, inclusive coordenando o quinto número dedicado especialmente ao filme Fantasia (1940), da Walt Disney Pictures, o crítico lançava as bases de uma nova atitude crítica diante da atividade cinematográfica, que, até então, era analisada com base em resumos de enredos fílmicos em croniquetas, notas urdidas por especialistas ou pequenas colunas na imprensa24.

Seus longos ensaios abalizados por concepções filosóficas e técnicas de análise sociológica e estética, sem entretanto elidir o objeto primordial de análise: o filme, expõem as relações mais complexas entre arte e sociedade que se entrecruzam nas películas analisadas, bem como ainda abriam-se ao diálogo com outros agentes da atividade crítica. Como acentua José Inácio de Melo Souza,

22 Antes, porém, convém ressaltar que, como entendemos que o modernismo crítico é partilhado por todo o grupo, não nos ateremos pormenorizadamente aos artigos de Paulo Emílio na revista (mesmo que eles ainda apareçam em fragmentos), mas, sim, tentaremos resgatar a sociabilidade do grupo à luz desse sentimento contraditório com relação ao legado modernista.

23 Concordamos com José Inácio de Melo Souza acerca do fato de que o núcleo central da produção do autor reside no ano de 1941 devido a dois fatores: primeiro, porque a partir de 1942 a revista passou a sair bimestralmente e, segundo, porque as atividades de militância política de Paulo Emílio passaram a ocupar mais tempo em sua vida, uma vez que o Brasil declarara apoio aos aliados (SOUZA, 2002, p. 166).

24 José Inácio de Melo Souza abre uma ressalva apontando que O Fan, revista oficial do Chaplin Club, havia sido o único veículo que fez um esforço similar ao de Paulo Emílio para o entendimento da narrativa fílmica (Ibid., p. 166).

Os textos trazem para a crítica elementos inéditos, alguns deles fundadores de uma nova percepção do fenômeno cinematográfico. [...] podemos notar que o ofício crítico de Paulo Emílio concentra-se em quatro pontos principais. [...] Três desses aspectos fazem parte da cultura cinematográfica absorvida no Chaplin-Club: a pedagogia do olhar, a História do Cinema e a importância do diretor. Um deles escapa a esse passado imediato, ainda que fosse para reafirmá-lo dentro dos novos parâmetros, inaugurando uma tomada de posição diferenciada do cinema: a definição do específico fílmico (SOUZA, 2002, p. 166).

Heloísa Pontes avalia que, devido à confiança artística tardia conquistada pelo cinema perante a elite paulistana, Paulo Emílio, na atividade de crítico cinematográfico — como ocorrera paralelamente com Décio de Almeida Prado na crítica teatral — estreava numa seara carente de tradição e de carga institucional capaz de fomentar uma malha institucional forte que desse garantias profissionais aos seus praticantes (PONTES, 1998, p. 102). Figurando entre os pontos principais elencados por Souza, salta aos olhos a proposição segundo a qual o cinema deveria ser encarado como arte autônoma, isto é, como algo específico, considerando-o alta cultura. Esse elemento aparece claramente no artigo ―Contra Fantasia‖ (n. 5, 1941)25, quando Paulo Emílio salienta:

Levo o cinema a sério porque o considero uma arte. O cinema é uma arte porque possui um meio próprio de expressão. O cinema refaz, estiliza e exprime a realidade por meio de imagens em movimento e sucessão. Além de ter um meio de expressão próprio, o cinema tem também um ritmo próprio. Esse ritmo é conseguido simultaneamente, primeiro dentro de cada imagem isolada — é o ritmo interior da imagem, e em seguida pela ordenação das imagens, uma em relação às outras. Dessa ordenação depende a unidade rítmica do filme, em seu conjunto. Esse ritmo de imagem em movimento e sucessão é a profunda originalidade do cinema, e não tem nenhuma parecença com os ritmos característicos de outras artes (SALLES GOMES, 1986, p. 143)

Em vista disso, conforme os argumentos de Pontes supracitados, pode-se afirmar que, para garantir o mínimo de legitimidade do fenômeno observado, Paulo Emílio deveria acentuar e clarificar para seus leitores a especificidade de seu objeto de análise, inserindo-o num ambiente propício à reflexão, e vinculá-lo à defesa de sua própria atividade. É em vista dessa proposta, naturalmente de acordo com sua própria convicção, que o crítico bate na tecla do cinema como arte específica (atendendo a necessária divulgação com vistas à legitimação), cultuado como elemento moderno (provendo a indispensável localização no ambiente modernista) e tido como objeto de reflexão social cujo alcance perpassa sua própria coluna (suprindo a demanda de defesa de sua própria atividade).

25 Os textos de Paulo Emílio em Clima a que nos referirmos serão expostos dessa maneira, isto é, com o número da revista e o ano de publicação.

Essa extrapolação da esfera da própria coluna em Clima e a tentativa de diálogo com outros críticos podem ser notados em ―The Long Voyage Home‖ (n. 1, 1941) e ―Tobacco Road‖ (n. 3, 1941), artigos referentes a filmes homônimos do cineasta norte-americano John Ford. No primeiro, refutando a colocação do poeta Guilherme de Almeida segundo a qual o filme de Ford pertencia à mesma linhagem do grande cinema soviético, Paulo Emílio argumenta: ―É preciso desde logo ser desfeito um equívoco provável. Pelo fato de ser um filme sem astros, pode-se ser levado a catalogar The Long Voyage Home como um filme coletivo no sentido dos russos clássicos. Ora, isso é errado‖ (Ibid., p. 118). No segundo, entra na discussão sobre a legitimidade do cinema falado, encontrando aspectos positivos no filme de Ford à luz do progresso técnico desenvolvido a partir da incorporação do som às imagens em movimento (Ibid., p. 138-141). A exemplo daquilo efetuado em Movimento, em Clima Paulo Emílio toca profundamente e de maneira bastante crítica na tradição representada aqui pelo cinema mudo. Dessa forma, não é despretensiosa sua entrada num debate tão vívido como o que ocorria no Rio de Janeiro acerca da querela entre cinema mudo versus cinema falado, tomando partido da segunda experiência, mesmo que revelasse apreço e respeito pelos clássicos mudos, tão celebrados por seu mestre Plínio Sussekind Rocha.

Esse diálogo externo com outros críticos cinematográficos proposto por Paulo Emílio, com efeito, mesmo que não evadisse da esfera daqueles já interessados pela matéria fílmica, revela muito de suas estratégias intelectuais. Provavelmente passava pela mente do crítico que, com o aumento do raio reflexivo do debate travado entre os especialistas da arte cinematográfica, maiores seriam as possibilidades profissionais daqueles enveredados na atividade26. Do mesmo modo, não obstante a predileção do crítico se manifestar pelo filme estrangeiro, o flerte com as questões sociais — típica do modernismo a partir dos anos de 1930 — e sua interlocução no tratamento estético apurado e vanguardista — ideais modernistas do decênio de 1920 — aparecem eclipsados na maioria dos seus textos publicados em Clima27.

26 Especificamente acerca de sua inserção no debate cinema mudo versus cinema falado, observar nossas abordagens das críticas ―Tobacco Road‖ (n. 3, 1941) e ―Contra Fantasia‖ (n. 5, 1941), Cf. (MORAIS, 2013a, p. 145-147).

27 Estudiosos mais afoitos demarcaram a trajetória da fortuna crítica de Paulo Emílio em duas fases distintas: uma primeira época, nas revistas Movimento e Clima, como ―crítico cosmopolita‖, ignorante ao cinema brasileiro, e uma segunda, como ―crítico nacionalista‖, avesso a qualquer fita estrangeira. No entanto, Zulmira Ribeiro Tavares refuta tal tese. De acordo com ela, esse antes cosmopolita e esse depois nacionalista abriu caminho para uma má avaliação do conjunto de sua obra, uma vez que as críticas publicadas por ele na revista

Clima, mesmo tratando da obra estrangeira, já revelavam uma faceta analítica que prenunciava temas que seriam

Tratando do débito teórico, ideológico e estético dos ensaios de Paulo Emílio na revista, Adilson Mendes frisa:

O ensaio longo marca a vontade de influir num meio inexplorado, e o tom professoral e pretensioso reivindica um lugar para o cinema no mundo moderno. O tratamento isolado da obra, a fatura, a disposição dos materiais, a análise temática, tudo isso é fruto do contato com ―mestre Plínio‖ e os teóricos da avant-garde, assim como da leitura da estética de Hegel, comprovada pelos cadernos existentes em seu Arquivo e que reforçam o enorme esforço em se atualizar nas ciências humanas ao mesmo tempo em que busca superar a ortodoxia política. De volta ao Brasil, Paulo Emílio vai plasmar essas referências à prosa modernista, sobretudo se pensarmos no ensaísmo de Mário de Andrade (MENDES, 2007, p. 29).

Concordamos com tal argumento: as proposições dos cinéfilos do Chaplin Club, os elementos da cultura francesa pós-Primeira Guerra (1914-1918) e os seus teóricos da avant-garde, bem como as primeiras aproximações com a estética hegeliana e o ensaísmo modernista ao tom Marioandradeano são elementos que pavimentam as críticas de cinema de Paulo Emílio em Clima. Nelas, o ensaísmo literário modernista é apenas adensado por uma reflexão baseada em referências acadêmicas (implícitas e explícitas) que, no seu caso específico, não elide a capacidade de interlocução sensível e maleável com o leitor não iniciado na seara da dita racionalidade científica. Em outras palavras, seus ensaios não afugentam os leitores, pois possuem claras intenções pedagógicas, mas, por outro lado, também não abrem mão do rigor analítico.

Em síntese, concordamos com Mendes, pois o ensaísmo de Paulo Emílio e sua opção pelo cinema moderno ―[...] marcam bem a diferença de seus antecessores, embora as afinidades sejam evidentes, já que se trata de um processo formativo‖ (Ibid., p. 41). Desse modo, tanto em Movimento, como em Clima, momentos de formação intelectual pela via prática, a caixa de ferramentas montada pela geração modernista de 1922, bem como as suas devidas utilidades serão colocadas à prova e servirão como modelo, mesmo que seja para serem readequadas ao objeto de análise e sua historicidade específica. Em síntese, nos textos do autor o modernismo literário será referência, porém não de maneira acrítica, pois o articulista compartilha com o grupo de Clima uma nova maneira de enxergar a geração anterior.

Clima é caracterizada como a publicação que promoveu a ruptura com a tradição da crítica de arte nacional. De tal tradição, que comportava uma perspectiva segundo a qual a crítica cultural era veiculada nos rodapés dos jornais e a base de análise não transbordava a Tavares. Inclusive nossa proposição vai ao encontro da ideia da pesquisadora segundo a qual o crítico já prenunciava alguns elementos que discutiria no futuro.

personalidade do crítico, os interesses publicitários e o diálogo estreito com o mercado (BERNSTEIN, 2005, p. 69), passou-se a um olhar analítico renovado e especializado, pautado nas referências acadêmicas e nos instrumentos teóricos à disposição para a transcrição do diálogo arte e sociedade. Nesse movimento descontínuo, para Heloísa Pontes, o grupo Clima se caracteriza da seguinte maneira:

Como críticos divergiram dos modernistas — escritores e artistas em sua maioria — mas partilharam com eles o gosto pela literatura e pela inovação no plano estético e cultural. Como universitários contribuíram para a sedimentação intelectual da tradição modernista. Como críticos e universitários diferenciaram-se dos cientistas sociais em sentido estrito, não só pela escolha temática, mas sobretudo pela forma de tratamento aplicada aos assuntos selecionados. No lugar do estudo monográfico especializado, o ensaio, as visadas amplas, a localização do objeto cultural num sistema abrangente de ligações e correlações (PONTES, 1998, p. 215).

Emerge dessas colocações a posição ambígua diante do movimento modernista, tanto o de primeira hora quanto o dos anos de 1930, enquanto elemento essencial da caracterização da revista. Nesse passo, Clima consiste num esforço de continuidade com o projeto anterior, mesmo que para tanto se propusesse ao gesto crítico de revisar os produtos culturais surgidos a partir de 192228 (MENDES, 2007, p. 29-30).

Confirmando tal atitude, Antonio Candido realça, por um lado, o respeito do grupo de Clima para com os remanescentes de 1922 e aqueles surgidos no decênio de 1930, pois ―[...] o peso do passado imediato era enorme, reforçado pela presença física dos escritores e artistas que o tinham configurado‖ (CANDIDO, 1978, p. 187), e, por outro, a relação do grupo com a Faculdade de Filosofia e a influência do filósofo francês Jean Maugüé, para quem ―[...] a filosofia interessava, sobretudo como reflexão sobre o cotidiano, os sentimentos, a política, a arte, a literatura‖ (Ibid., p. 188). Dessa configuração, a atitude crítica pautada em ferramentas acadêmicas de análise dos produtos culturais, assim como o respeito pelo modernismo, cujo passado recente se transformava em presente via rotinização de procedimentos, a revista Clima deve ser vista como a primeira manifestação pública de um espírito universitário que se alojava na capital paulista (BERNSTEIN, 2005, p. 69).

28 Nessa seleção da tradição modernista, além da revisão desses produtos culturais, era preciso uma reavaliação crítica acerca da maneira pela qual se observava esses produtos culturais, fator que o ambiente universitário na Faculdade de Filosofia propiciava. Conforme revela Antonio Candido comparando as gerações, ao contrário dos modernistas de 22, que possuíam romances e começaram com poesia, todos os envolvidos com Clima tinham em preparo trabalhos acadêmicos nas áreas de história, sociologia, estética ou filosofia, e haviam iniciado com os artigos de crítica (CANDIDO apud PONTES, 1998, p. 13).

O grupo reunido em torno da revista Clima nos anos de 1940, e Paulo Emílio em seu interior, convém ressaltar em última instância, procurou enxergar criticamente o modernismo brasileiro (leia-se geração de 22 e dos anos de 1930) instrumentalizando seu próprio legado instrumental crítico. Aderimos aos argumentos de Heloísa Pontes, que afirma:

A contraposição aos modernistas de 22 feita pelos dirigentes da revista Clima nos depoimentos que prestaram, entre 1943 e 1944, a O Estado de S. Paulo, tem, aos olhos de hoje, um duplo significado. Em primeiro lugar, traçar os contornos mais fluidos da identidade geracional que estavam construindo. Em segundo, demarcar espaço com o intuito de promover uma reordenação das posições ocupadas pelos modernistas no campo intelectual e