• Nenhum resultado encontrado

1. Funcionamento Cognitivo

1.2. Cognições e Oncologia

Entre as teorias da Psicologia, duas estruturas, ou dimensões psicológicas, têm recebido grande destaque nas investigações recentes: afetividade e cognição humana. De acordo com a literatura, ambas funcionam de modo dinâmico e construtivo sobre o psiquismo, podendo apresentar proporções variáveis no sentido de serem mais, ou menos, afetivas ou cognitivas (Pinto, 2004). Mais especificamente, a Psicologia Cognitiva deu enfoque a processos como perceção, raciocínio lógico, memória e planeamento das ações, o que ajudou a compreender o desenvolvimento e a inteligência humana como características universais. O primeiro teórico nesse sentido foi, sem dúvida, Jean Piaget, que demonstrou nos seus estudos a natureza do desenvolvimento enquanto Epistemológico Genético. Posteriormente, surgiu Vygotsky, postulando, além dessa base inata, que o desenvolvimento humano não decorria de forma assim tão fluida, e que por isso dependia extremamente do contexto cultural para se dar; e ainda, sendo bastante influenciado por instruções verbais claras e diretas. Para Piaget, toda a criança nasce com alguns esquemas básicos (reflexos), que depois se vão desenvolvendo conforme a maturação biológica (em estágios) (assimilação e acomodação). Este autor também acreditava que a afetividade agia como um impulsionador da atividade intelectual (Piaget, 1980). A Epistemologia Genética defende que o indivíduo passa por vários estádios de desenvolvimento ao longo da vida. O desenvolvimento ocorre pela sobreposição do equilíbrio entre a assimilação e a acomodação, resultando em adaptação. Assim, nesta enunciação, o ser humano assimila os dados fornecidos pelo exterior adaptando esses dados à estrutura mental que já existia. O processo de modificação de si próprio é chamado de acomodação. Este esquema revela que nenhum conhecimento chega do exterior sem que o individuo sofra alterações, sendo que tudo o que se aprende é influenciado por aquilo que já havia sido aprendido. A assimilação ocorre desta forma quando a informação é incorporada às estruturas já existentes; enquanto que a adaptação ocorre quando o organismo se modifica de alguma maneira de modo a incorporar dinamicamente na estrutura cognitiva a nova informação (Abreu, Oliveira, Carvalho, Martins, Gallo & Reis, 2010).

Vygotsky, por outro lado, concordava com Piaget a respeito da construção do conhecimento pela criança, e da importância da sua ação sobre o meio. Porém, acreditava que o meio exerceria uma enorme influência sobre o desenvolvimento infantil, podendo mesmo ser determinante para que este ocorresse, ou não. Daí a importância que Vygotsky deu à educação formal (instrução como uma maneira de promoção desse desenvolvimento) (Oliveira, 2001). Se o indíviduo tem acesso a uma larga amplitude de vivências informais do quotidiano, a sua educação formal, advinda do ensinamento académico, por exemplo, se dá numa dimensão maior, ou seja, com maior eficácia. A aprendizagem, desta forma, de um novo conceito, é um processo de desenvolvimento cognitivo alargado, cuja construção apenas começa na ocasião em que ele é ensinado. Essa construção, por sua vez, se assenta na estrutura cognitiva que o indivíduo que aprende desenvolveu até esse momento, num processo contínuo iniciado desde os seus primeiros dias de vida em sociedade (Gaspar, 1992).

49

Além destes, e de outros autores, que visaram explicar o desenvolvimento humano, ao nível afetivo e cognitivo, surge a neuropsicologia com o intuito de compreender os mesmos processos quando alterados. Especificamente, a neuropsicologia tem um desenvolvimento relativamente recente, embora a sua fundamentação científica resulte de várias décadas de conhecimento e investigação (Costa, Azambuja, Portuguez & Costa, 2004; Wilson, 1991). Além de desempenhar um papel fundamental nessa compreensão das alterações cerebrais, a neuropsicologia também procura, igualmente, averiguar o funcionamento cerebral dito normativo ao nível cognitivo, emocional e comportamental (Gil, 2004; Ginarte, 2002). Segundo Lúria (1973, p.16), a neuropsicologia tem o objetivo de “investigar o papel dos sistemas cerebrais particulares nas formas complexas de atividade mental”. Este caracteriza a neuropsicologia como uma das ciências determinantes na avaliação e intervenção dos processos mentais humanos (Lúria, 1966, 1980, 1979, 1976, 1973). Neste sentido, os testes psicométricos são utilizados para compreender alterações que incorrem em disfunções cognitivas e comportamentais, muitas vezes resultantes de lesões cerebrais, ou mesmo doenças do desenvolvimento anormal do cérebro (Costa, Azambuja, Portuguez & Costa, 2004).

Apesar de escassos os estudos que procuram verificar défices neuropsicológicos em doentes oncológicos, na área do cancro da mama foram realizados alguns estudos relevantes, tendo sido descoberto que durante anos, as mulheres tratadas para este cancro queixavam-se de um fenómeno chamado “chemo brain”; descreviam-no como uma diminuição do seu funcionamento cognitivo (memória e capacidade de concentração). Estes sintomas começavam praticamente após o início dos ciclos de quimioterapia (Wefel, Lenzi, Theriault, Brezden, Cruickshank & Meyers, 2004).

Apesar dos estudos terem sido maioritariamente realizados com este grupo específico de pacientes, neste âmbito, acredita-se que são resultados extensíveis a muitas outras doenças, inclusive a outros tipos de cancro. Alguns estudos estimam que cerca de 40% das mulheres tratadas com quimioterapia sejam afetadas por esta condição; no entanto, outros consideram que apenas 15% destas mulheres sejam afetadas. As alterações hormonais e químicas podem ser as responsáveis por este comprometimento das funções cerebrais destas pacientes. Contudo, algumas questões ainda se encontram por explicar, nomeadamente a razão de algumas mulheres apresentarem estes défices cognitivos e outras não (Tannock, Ronald, William, Jozsef, Pluzanska, Kim, et al., 2004). Um estudo realizado por Van Dam, Schagen, Muller, Boogerd, Wall, Droogleever & Rodenhuis (1998), só revelou estes mesmos resultados quando as mulheres recebiam doses elevadas de quimioterapia. Foi o que comprovou, de certa forma, o estudo de Brezden, Philips, Abdolell, Bunston & Tannock (2000), que comparou o funcionamento cognitivo de um grupo de mulheres com cancro da mama (N=31), a receber doses standard de quimioterapia, com outro grupo composto por pessoas saudáveis (N=36). Os resultados indicaram que as mulheres com cancro da mama em tratamento quimioterápico

50

exibiram um funcionamento cognitivo inferior ao grupo de pessoas saudáveis, mesmo quando controladas as variáveis idade, nível educacional e fase de menopausa e de humor.

A literatura tem evidenciado também, de forma mais ou menos sistemática, que o uso de opióides, utilizados no tratamento da dor, pode estar relacionado com alterações cognitivas, podendo ser a própria dor a responsável por estas alterações. Também é comum que estes doentes tenham alucinações visuais ou táteis, bem como alterações na atenção, memória, aprendizagem, concentração, raciocínio, função executiva, atenção e das capacidades visuoespaciais e humor, e, em alguns casos, até mesmo quebra cognitiva. Neste sentido, os investigadores acreditam que a neurotoxicidade associada à quimioterapia pode manifestar-se também sob a forma de encefalopatia aguda ou crónicos episódios semelhantes ao AVC, síndrome cerebelosa e mielopatia transversa e neuropatia (Keime-Guibert, Napolitano & Delatre, 1998).