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CAPÍTULO 3 – A CIDADE, SEUS PATRIMÔNIOS, UMA HISTÓRIA

3.5 COLÉGIO ESTADUAL REGENTE FEIJÓ

Atualmente, o prédio em questão abriga o Colégio Regente Feijó, com ensino Fundamental e Médio, não obstante sua construção original ter sido realizada para ser a Escola Normal de Ponta Grossa. Segundo a Reforma de Ensino realizada por César Prieto Martinez, Ponta Grossa foi a cidade do interior escolhida para ser sede de uma Escola Normal. Em 1922, foi inaugurado o novo edifício da Escola Normal de Curitiba. Destaca Luporini (1994, p.25),

[...] na Revista 'O Ensino', de abril de 1922, está registrada a notícia de que, brevemente, seria assinado contrato de construção do prédio que abrigaria a Escola Normal de Ponta Grossa, sendo em seguida, lançada a pedra fundamental que marcaria o início do empreendimento.

Após concluída a construção do prédio, em 27 de fevereiro, na Praça Barão do Rio Branco, aconteceu a sua inauguração. Várias autoridades compareceram ao ato, além do corpo docente e discente da Escola e de outros estabelecimentos de ensino

do município72. As aulas da Escola Normal Primária iniciaram-se em março de 1924 e,

juntamente, passaram a funcionar a Escola de Aplicação, Escola Complementar e Jardim de Infância. Estava, assim, Ponta Grossa equipada com uma Escola possuidora de regulamento próprio para realizar a prática pedagógica dos futuros professores.

Figura 27 – Colégio Estadual Regente Feijó – Década de 1930

Autor: Desconhecido

Fonte: Acervo Foto Elite (2016)

Com o constante crescimento que acontecia desde o início do século e se acentuava na década de 1920, necessitava a cidade, na época, de um estabelecimento de ensino secundário. Naquela época, os alunos do interior do estado matriculavam-se no Ginásio Paranaense da Capital. Como a procura por vagas nesse estabelecimento crescia ano após ano, aventou-se a possibilidade de o Ginásio ser ampliado. Porém, a medida adotada para suprir as necessidades de ofertas de vagas foi solucionada de outra maneira. Resolveu-se que era preferível criar um novo ginásio no interior do Estado, em vez de ampliar o Ginásio da capital. Escolhido o município de Ponta Grossa, o parecer nº 11 de 21 de fevereiro de 1927, publicado no Diário Oficial, criava oficialmente o Ginásio Regente Feijó.

Para a sede do estabelecimento, o Governo Estadual adquiriu um amplo prédio na Rua Dr. Colares. Nomeados os primeiros professores, no dia 28 de março

72 Entre as autoridades presentes, destaca-se Dr. Caetano Munhoz da Rocha (Presidente do estado), o Sr. Alcides Munhoz (Secretário Geral do Estado), César Prieto Martinez (Inspetor Geral do Estado), Coronel Brasílio Ribas (Prefeito de Ponta Grossa), Dr. Joaquim Meneleu de Almeida Torres (Diretor do estabelecimento), entre outros.

de 1927, foi inaugurado solenemente o Ginásio.73 Presentes ao ato inaugural

estavam o Governador do Estado e autoridades municipais74, sendo que o Corpo

Docente, composto de seis membros, prestou com solenidade a promessa legal do compromisso assumido. Como o prédio adquirido pelo Governo do Estado na Rua Dr. Colares era na realidade uma residência, foram necessárias várias reformas para deixá-lo com as condições exigidas para o ensino. Sendo assim, as aulas do início do ano de 1927 foram dadas no Edifício da Escola Normal Primária. Depois de alguns meses, terminadas as obras de reformas, o Ginásio mudou-se para sua sede própria.

Figura 28 - Construção original do Colégio – Década 1930

Fonte: Disponível em: http://www.panoramio.com (2016)

Nota: Por muitos anos foi a Escola de Aplicação e Escola Normal e hoje é sede do Centro de Cultura

Em 1938, o Decreto nº 6150 determinou a fusão do Ginásio Regente Feijó à Escola Normal de Ponta Grossa (LUPORINI, 1994). As escolas, porém, funcionavam em prédios separados: a Escola Normal na Praça Barão do Rio Branco, e o Ginásio Regente Feijó na Rua Dr. Colares. Com o aumento significativo de alunos matriculados no Ginásio Regente Feijó (800 aproximadamente), em 1939, foi realizada a troca dos prédios: a Escola Normal passou a ocupar o edifício da Rua Dr. Colares, desocupando o local que lhe havia sido destinado; e o Regente Feijó passou a ocupar o prédio da Praça Barão do Rio Branco, onde está até hoje.

73 Existem divergências de datas, e alguns autores referenciam 1/04/1927, como data oficial de inauguração.

Figura 29 – Colégio na década de 1920 Figura 30 – Colégio da década de 1940

Autor: Desconhecido Autor: Desconhecido

Fonte: Acervo Foto Elite Fonte: Acervo Foto Elite

Na década de 1950, foi revogado o decreto que havia anexado as duas escolas. A partir de então, configuraram-se o Instituto Estadual de Educação Prof. Cesar Prieto Martinez e o Colégio Estadual Regente Feijó. Apesar da troca de prédios, da fusão das escolas, o Regente, como é carinhosamente chamado na cidade, está muito mais presente na memória da população que o Instituto de Educação (Escola Normal). Sabe-se que a memória é, por sua natureza, uma qualidade seletiva e subentende duas operações: a de lembrar e a de esquecer. Mas neste caso não é a questão de esquecer a Escola Normal, esta problemática pode ser explicada pela presença marcante do Regente Feijó no cotidiano e no imaginário das pessoas, fazendo com que seja constantemente lembrado em detrimento à outra escola.

O Colégio é todo carregado de um referencial imaginário muito forte, que está presente não só na sua arquitetura e localização,75 mas também na importância

educacional que a população lhe atribui. Nesse colégio estudaram pessoas oriundas de várias classes sociais, e a partir de 1970 ele vai se caracterizar como um grande colégio popular, o que pode até justificar o carinho que a população por ele, tanto pelo prédio como pela escola em si. Isto se justifica com a afirmação de Canclini (1994, p.97): “os produtos gerados pelas classes populares costumam ser mais representativos da história local e mais adequados às necessidades presentes do grupo que os fabrica. Constituem, neste sentido, seu próprio patrimônio”.

75 O Colégio Estadual Regente Feijó está localizado na Praça Barão do Rio Branco (também conhecido

por Ponto Azul). Além de ser uma zona central de grande movimento, esta praça foi por muitos anos o Terminal Rodoviário Urbano da cidade. Por isso, o fluxo de pessoas no local era intenso.

Como já foi referenciado, o edifício foi construído para ser sede da Escola Normal de Ponta Grossa, num período em que o Governo do Estado do Paraná76, por

intermédio de seu Inspetor Geral de Ensino, César Prieto Martinez, promoveu uma Reforma de Ensino. Entre outros objetivos, visava à construção de novas escolas, dentro dos “preceitos pedagógicos modernos” (LUPORINI, 1994, p.38), sugerindo inclusive as características que deveriam ser as ideais nos prédios escolares, propondo também a reforma adequada das já existentes. Essa construção de prédios modelares fazia parte de sua obra pedagógica, ao passo que tanto a Escola Normal de Curitiba como a de Ponta Grossa e Paranaguá foram construídas “atendendo a todos os requisitos para que ali se desenvolvesse o melhor ensino: salas amplas, ambientes e bibliotecas, entre outros” (LUPORINI, 1994, p.39).

É importante ressaltar que, neste período (década de 1920), o Paraná passava por grandes transformações de natureza econômica. A cultura ervateira crescia sensivelmente, criando uma sociedade que ostentava seu poder por meio de suas construções. A ferrovia estendia-se por toda a região dos Campos Gerais, interligando regiões até então fora do circuito econômico. Destaca-se também o movimento cultural, com a criação e instalação da Universidade do Paraná.

Em termos de educação, as reformas em vigência tinham um caráter nacionalista, uma vez que nos currículos escolares, recomendavam-se festas escolares e eventos para homenagear fatos e personagens, objetivando o engrandecimento do passado nacional. Esta necessidade de construir uma nova imagem nacional, por meio de representações, configurava-se pela descentralização política e surgimento de espaços para o regionalismo. No Paraná, este período de construção regional chama- se Paranismo.

Neste contexto que surgiu o prédio do Colégio Regente Feijó. Em 1922, foi registrada a notícia no Estado de que a pedra fundamental, que marcaria o início da construção, fora lançada. Dois anos após, em 27 de fevereiro de 1924, o prédio foi oficialmente inaugurado e passou a fazer parte do contexto educacional da cidade, bem como da sua paisagem urbana. Presentes ao ato inaugural estavam as autoridades, e também parte da população da cidade, tal como aconteceu com a inauguração do Parque Infantil em 1935.

A solenidade foi uma festa, pois segundo registros encontrados nas Atas da Câmara Municipal de Ponta Grossa, a existência de uma Escola de Ensino Secundário na cidade, vinha ao encontro dos anseios da população, tornando Ponta Grossa o principal centro educador do interior do Estado. Jovens de todo o interior passaram a deslocar-se para estudar em Ponta Grossa, não necessitando ir até Curitiba.

O local escolhido para a construção do prédio localizava-se em zona urbana de moradias, em frente à Praça que, futuramente, seria denominada Barão do Rio Branco. Conforme foi referenciado na descrição da construção da Vila Hilda, essa região fugia dos ambientes privilegiados para a construção, situando-se mais ou menos cinco quadras abaixo da Catedral do Bispado, o que evidencia um crescimento e alargamento urbanos de uma região que até final do século era pouco povoada. A partir de 1910, a cidade cresceu para esta direção. Conforme consta no Álbum do Paraná de 1923, o Projeto da Escola Normal de Ponta Grossa foi de autoria do “Sr. Dr. Carlos Ross, Director das Obras Públicas do Estado do Paraná, autor também dos belíssimos projetos da Escola Normal da Capital e de Paranaguá. O constructor da Escola Normal de Ponta Grossa, foi o sr. Max Stoltz” (ÁLBUM..., 1923).

Figura 31 – Construção do Colégio na década de 1920

Autor: Desconhecido

Fonte: Álbum de Ponta Grossa – 1923

Em 1923, as obras da Escola já estavam bastante adiantadas. Situava-se à frente do prédio o Parque onde eram realizadas as aulas de Educação Física, bem como as comemorações cívicas da escola. Na gestão do Prefeito José Hoffman, esse parque foi incorporado à Praça Barão do Rio Branco e as aulas de Educação Física passaram a ser realizadas no pátio interno. Essas aulas eram uma exigência da

Reforma de Ensino77, efetuada por Cesar P. Martinez. Entende-se o porquê de o

logradouro estar por vários anos inserido na área arquitetônica pertencente à Escola. Várias atividades foram realizadas em praça pública, evidenciando a afirmativa de Martinez,

[...] eis aí a verdadeira escola republicana: o pobrezinho, o remediado e o rico desconhece, nesses momentos, suas posições para conhecerem apenas o amor e a simpatia que os aproxima. Quando um dia o destino tiver que escolher os eleitos do povo, eles bem sabem que cada um pode ser chamado, porque todos são iguais (LUPORINI, 1994, p.33).

Figura 32 – Colégio e a Praça Barão do Rio Branco

Autor: Desconhecido

Fonte: Acervo Antigamente Ponta Grossa

Nota: Praça onde eram realizadas comemorações e aulas de educação física do Colégio

Ao apresentar seus alunos em atividades, seja física ou comemorativa, a Escola mostra a sociedade ou cria a ilusão do ideal republicano, em que todos são iguais e pertencem a um passado único. Destaca-se ainda que, próximo à escola, estavam dois prédios de Escolas Particulares: o Colégio Sant’Ana e o Colégio São Luiz. É de supor que o prédio público, dentro do contexto histórico da época, não poderia ser de uma arquitetura simples, até mesmo para não ser ofuscado pelos outros dois edifícios. O prédio do Colégio Regente Feijó era a imagem do Estado nacionalista, maior, mais imponente.

Acredita-se que a força do nacionalismo e da igualdade pregada pela República e discursada na época precisava de um suporte material, com um valor

77 Na reforma de Cesar Prieto Martinez, inseriam-se passeatas, apresentações de exercícios ginásticos e atividades cívicas.

referencial forte. Posteriormente, durante o Governo de Getúlio Vargas, esse discurso ideológico também se efetivou, ou seja, a força do Estado fez-se presente em todos os setores sociais. Apesar dos problemas enfrentados pela sociedade, em todos os níveis (municipal, estadual e federal), ocorria na época aquilo que Munford (1998) afirma ser a “arquitetura da compensação”, oferece-se ao povo, “pedras grandiloqüentes”, apesar de subtrair dele inúmeros privilégios.

A construção do prédio em si pertencia, como de praxe na época, ao estilo eclético, apresentando vestígios do estilo clássico e da "art nouveau". Segundo Lyra (1994, p.180), “impõe-se no conjunto pela sobriedade e imponência de sua arquitetura. Exemplo do ecletismo da época, possui um repertório simples de ornamentos”. É uma construção de dois pavimentos, localizada em uma esquina, com jardim a sua frente. Sólida construção, que tem alicerces de pedra e paredes de tijolos. O pavimento superior é arrematado por platibandas que escondem o telhado composto por telhas tipo Marselhesa. Apresenta sequência de janelas retangulares com ornatos de massa, sob e sobre os vãos. O pavimento inferior possui revestimento à bossagem, repetindo a sequência de coberturas do andar superior, com janelas vergamente arredondadas. A ordem diferenciada de janelas evidencia o estilo clássico, é uma homenagem do eclético ao clássico.

O discurso arquitetônico do prédio desenvolve-se vagaroso e tranquilo, correspondente às suas funções. É uma construção de uma linguagem compacta e coerente com o discurso ideológico do nacionalismo da época. Evidenciam-se, na construção, carrancas de leões que podem ser interpretados na linguagem nacionalista da época, como a força do Estado, expressa na arquitetura.

Figuras 33 e 34 – Detalhes arquitetônicos do Colégio - 2000

Essa questão (leões) é muito controvertida e muito intrigante, pois os mesmos aparecem também nas escadarias do Fórum. O que significavam? Adereço da Arquitetura? Demonstração de força e superioridade? Essas indagações que o prédio mostra, demonstram uma outra leitura que o pesquisador pode fazer em referência ao bem histórico.

Os espaços que se chama de exteriores, e que se relacionam com o edifício, são ao mesmo tempo interiores em relação à cidade. Por isso, o conjunto arquitetônico deve ser visto tanto externamente como internamente. É uma questão de sensibilidade familiarizar-se com as diferentes linguagens e fisionomias do edifício, dentro do contexto espacial em que está inserido. O prédio do Colégio Regente Feijó deve ser visto como um todo; em um determinado período, ele procurava demonstrar fora de suas paredes o seu objetivo educacional, e em outro, é na qualidade do conjunto interior que ele demonstra sua força. Força esta que ficou presente na memória da sociedade ou de todos aqueles que lá estudaram.

A realidade de um edifício não consiste em quatro paredes e no teto, mas no espaço contido, no espaço dentro do qual se vive e se realizam as atividades a que se propõe a construção.

Em 1939, quando o Ginásio Regente Feijó passou a ocupar o prédio, ele contava com dez salas de aula no pavimento térreo e mais dez no superior. Na década de 1950, sofreu algumas alterações com um acréscimo nas partes laterais, fazendo o prédio prolongar-se de ambos os lados até o nível da rua, eliminando os jardins laterais.

Figuras 35 e 36 – Colégio na sua concepção original e com os acréscimos

Autor: Desconhecido

As salas originais atendiam a uma proposta pedagógica, pois eram ambientadas de acordo com a disciplina ali ministrada. Como forma de ilustração, destaca-se a sala de geografia, que era equipada com mapas dotados de dispositivos que permitiam baixá-los ao nível desejado pelo professor. A escola contava ainda com sala de Biologia e História Natural, Laboratório de Física e Química, mais a biblioteca.

Figura 37 – Sala de Geografia – Década de 1940

Fonte: Acervo Museu Campos Gerais – UEPG (2016)

Nos corredores do pavimento superior, enfileiravam-se ao longo das paredes os quadros de formatura das turmas que colavam grau. O primeiro quadro era de 1931. “Eram quadros de madeira, muitos deles de tamanho considerável, com formatos os mais diversos, entalhados. Verdadeiras obras de arte da marcenaria local” (CHAMMA, 1980, p.35).

Em 1965, a direção do colégio, resolveu pintar internamente o mesmo, sendo os quadros retirados e guardados num depósito no subsolo. Local úmido e sem ventilação, rapidamente os quadros foram danificados, tanto que, em 1970, quando se tentou recuperá-los, não foi mais possível. Junto com esses quadros, foi uma boa parte da memória do Colégio. Da mesma forma, a totalidade do material das salas ambientes não existe mais. Esses quadros e esses materiais pedagógicos mereceriam um estudo mais aprofundado, se não tivessem desaparecidos.

O prédio do Colégio Regente Feijó foi tombado pela Secretaria de Cultura do Estado do Paraná em 1990 e transformado em um Patrimônio Histórico protegido por lei. O prédio merece ser protegido e conhecido, não pelo seu valor meramente arquitetônico, mas como um referencial da memória da educação na cidade e das relações sociais que por ela aconteceram e acontecem. Segundo Foucault (1994,

p.144), “a arquitetura não é apenas considerada como um elemento no espaço, mas é especialmente pensada como uma imersão no campo das relações sociais, onde evidencia certos efeitos específicos”.

Figura 38 – Colégio Regente Feijó - 2015

Autor: Domingos Silva

Fonte: Acervo Foto Elite (2015)

A história desse prédio não é apenas uma história monumental do ponto de vista material, ela é importante enquanto memória coletiva do passado, consciência crítica do presente e premissa do futuro. Muito de seu cotidiano ainda pode ser resgatado, pois ela permanece viva e atuante no processo educacional da cidade. É o espaço onde as relações são permanentes e duradouras.