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Colônia − As Ordenações do Reino

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 67-70)

CAPÍTULO 2 − ORIGENS HISTÓRICAS DO INSTITUTO

2.5 Evolução histórica no Brasil

2.5.1 Colônia − As Ordenações do Reino

Quando do descobrimento, vigoravam no Brasil as Ordenações Afonsinas. Elaboradas por ordem de D. João I, as Ordenações foram concluídas em 1446, após longo período de compilação. Posteriormente, D. Manuel determinou que se dotasse o país de uma nova legislação, incumbindo aos juristas Rui Boto, Rui do Grã e João Cotrim a realização do trabalho. A obra foi amplamente revista e publicada em 1521, sob o título de Ordenações Manuelinas. Por fim, Filipe II da Espanha (que reinava em Portugal) ordenou nova revisão, que deu origem às Ordenações Filipinas, publicadas em 11 de janeiro de 1603.

José Frederico Marques leciona: “As Ordenações Filipinas, mandadas compor no reinado de Filipe II de Castela, por ato de 5 de junho de 1595, somente foram publicadas por Filipe III (ou Filipe II, de Portugal) a 11 de janeiro de 1603. Foram elas o grande código do Brasil colonial, e persistiram em parte como lei do Brasil independente em longevidade impressionante e singular. Se após a restauração da independência portuguesa, as Ordenações foram confirmadas por Lei de 29 de janeiro de 1643, de el-rei D. João IV − no Brasil, determinava D. Pedro I, em Lei de 20 de outubro de 1823, que as ditas

71 Ordenações ficassem ‘em inteiro vigor na parte em que não tiverem sido revogadas, para por elas se regularem os negócios do interior do Império.”78

Edgard Magalhães Noronha resumiu o espírito que norteava o texto: “Refletiam as Ordenações Filipinas o direito penal daqueles tempos. O fim era incutir temor pelo castigo. O ‘morra por ello’ se encontrava a cada passo. Aliás, a pena de morte comportava várias modalidades. Havia a morte simplesmente dada na fôrca (morte natural); a precedida de torturas (morte natural cruelmente); a morte para sempre, em que o corpo do condenado ficava suspenso e, putrefazendo-se, viesse ao solo, assim ficando, até que a ossamenta fosse recolhida pela Confraria da Misericórdia, o que se dava uma vez por ano; a morte pelo fogo, até o corpo ser feito em pó. Cominados também eram os açoites, com ou sem baraço e pregão, o degredo para as galés ou para a África e outros lugares, mutilação das mãos, da língua, etc., queimadura com tenazes ardentes, capela de chifres na cabeça para os maridos tolerantes, polaina ou enxaravia vermelha na cabeça para os alcoviteiros, o confisco, a infâmia, a multa, etc. (...) Em suma: tudo quanto mais tarde Beccaria verberou ostentava-se inconfundivelmente no Livro V. Mas tenha-se em vista que ele não era uma lei de exceção, pois as atrocidades, as confusões, as arbitrariedades, as deficiências, as desigualdades, etc. eram também de leis coevas.”79

Como bem relembra Basileu Garcia, sucumbiu sob a crueldade das Ordenações Filipinas o alferes Tiradentes “que acusado de crime de lesa- majestade, foi enforcado e esquartejado, sendo os seus membros fincados em postes, colocados à beira das estradas, com dísticos destinados a advertir ao povo a gravidade dos atos de conspiração. As inscrições diziam que ninguém

78 MARQUES, José Frederico. Curso de direito penal: propedêutica penal e norma penal. São Paulo: Saraiva, 1954. v. 1, p. 82.

poderia trair a rainha, porque as próprias aves do céu se encarregariam de lhe transmitir o pensamento do traidor. Verifica-se, ainda, nos castigos infligidos ao herói nacional, a infâmia imposta, por fôrça da lei vigente, aos descendentes do condenado, até determinada geração. As penas infamantes eram de aplicação comuníssima.”80

O Direito Penal então vigente no Brasil nada previa acerca das medidas de segurança, instituto de todo desconhecido àquele tempo. O ordenamento era atécnico e produto de excessivo rigor, iniqüidade e desmedida crueldade.

Famoso, nesse particular, tornou-se o Livro V. Sobre ele ensina José Frederico Marques que “os preceitos se aglutinavam em uma estruturação primária e rudimentar de indisfarçável empirismo. Falta ao livro V, uma parte geral; e na parte especial, os delitos se enumeram casuìsticamente, sem técnica apropriada, numa linguagem (muitas vezes pitoresca) em que falta o emprego de conceitos adequados do ponto de vista jurídico. As figuras delituosas se amontoam sem nexo, na ausência de espírito de sistema para catalogá-las racionalmente, formando muitas vezes verdadeiros pastiches, tal a confusa e difusa redação dos textos em que se condensam as condutas delituosas e respectivas sanções. Legislação ‘inconseqüente, injusta e cruel’ como disse Melo Freire − o livro V compendiou a barbárie penal que as monarquias absolutistas da Europa haviam transplantado do ‘livro terrível’ do Digesto, a suas leis odiosas e desumanas”.81

Ruy Rebello Pinho, ao estudar as penas previstas nas Ordenações Filipinas, assinala: “Nas categorias de penas estabelecidas, o legislador

80 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. 4. ed. 37. tiragem. São Paulo: Max Limonad, 1975. v. 1, t. 1, p. 116-117.

81 MARQUES, José Frederico, Curso de direito penal: propedêutica penal e norma penal, cit., v. 1, p. 83-84.

73 sàbiamente harmonizou seu desejo de povoar a raia continental e as terras de além-mar com a necessidade de punir os delinqüentes. São abundantes as penas de degredo, cuja duração variava na razão inversa da falta de recurso do lugar a povoar. A pena de prisão era pouco usada, como, aliás, em tôda Europa. Em seu lugar havia as penas infamantes, os castigos corporais, as mutilações e a pena de morte. Já mostramos como Portugal tomou a dianteira aos países cristãos no abolir a marca no rosto. Também as mutilações previstas no Livro V do Código Filipino são em bem menor número do que as estatuídas nos Códigos anteriores. As penas infamantes assumem características curiosas. E a pena de morte, abundantemente prevista, pode ser executada por diversas formas, algumas profundamente cruéis. A pena surge, em princípio, como retribuição do mal. Mas os Reis lhe reconhecem outras finalidades: servir de exemplo para possíveis delinqüentes, influir no ânimo do criminoso e corrigi-lo; remir, perante Deus, os pecados decorrentes do malefício.”82

As Ordenações Filipinas tiveram longo período de vigência, tendo vigorado mesmo após a proclamação da independência. Somente em 16 de dezembro de 1830 é que foi sancionado o Código Criminal do Império, que entrou em vigor em 8 de janeiro de 1831.

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 67-70)