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Princípio da intervenção mínima

No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 34-38)

CAPÍTULO 1 − PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS RELATIVOS

1.2 Princípios constitucionais aplicáveis às sanções penais

1.2.6 Princípio da intervenção mínima

O princípio da intervenção mínima propõe a utilização do Direito Penal pelo Estado somente quando outros meios previstos no ordenamento jurídico para a realização da paz social revelarem-se insuficientes à realização desse fim. Somente quando os outros ramos do Direito mostrarem-se ineficazes para a manutenção da ordem jurídica é que se deve recorrer à sanção penal. Nesse sentido, o Direito Penal deve ser o último recurso para a reprovação da conduta ilícita.

Daí porque este princípio é também chamado como ultima ratio. O Direito Penal deve ser o último recurso a ser buscado para a proteção dos bens jurídicos considerados relevantes para o indivíduo e para o meio social.

Somente quando as demais formas de controle social consubstanciadas nos demais ramos do Direito falharem é que se deve recorrer ao Direito Penal para salvaguarda de determinado bem jurídico.

No preciso escólio de Cezar Roberto Bitencourt, “o princípio da

intervenção mínima, também conhecido como ultima ratio, orienta e limita o poder incriminador do Estado, preconizando que a criminalização de uma conduta só se legitima se constituir meio necessário para a proteção de determinado bem jurídico. Se outras formas de sanção ou outros meios de

28 BIANCHINI, Alice. Pressupostos materiais mínimos da tutela penal. São Paulo: Revista dos

controle social revelarem-se suficientes para a tutela desse bem, a sua criminalização é inadequada e não recomendável. Se para o restabelecimento da ordem jurídica violada forem suficientes medidas civis ou administrativas, são estas que devem ser empregadas e não as penais. Por isso, o Direito Penal deve ser a ultima ratio, isto é, deve atuar somente quando os demais ramos do Direito revelarem-se incapazes de dar a tutela devida a bens relevantes na vida do indivíduo e da própria sociedade”.29

Assim é que o Estado somente deve recorrer à sanção penal quando as sanções pertinentes aos demais ramos do Direito mostrarem-se insuficientes para a prevenção e reprovação do ato ilícito.

Para Alice Bianchini, “o princípio da intervenção mínima pode ser estudado sob três perspectivas reciprocamente complementares. Na primeira, é dado destaque ao compromisso, decorrente dos valores e princípios constitucionais, de que a utilização do direito penal fique circunscrita às situações que não possam ser resolvidas por outros meios ao dispor do Estado – ou seja, quando o direito penal torna-se estritamente necessário, em termos de utilidade social (princípio da necessidade). Desta forma, a pena só é admitida quando não há outro mal menor passível de substituí-la. Do manuseio deste princípio decorre, ainda, que somente bens de elevada valia devam ser tutelados pelo direito penal. Isto porque a utilização de recurso tão danoso à liberdade individual somente se justifica em face ao grau de importância que o bem tutelado assume. Aqui surge a preocupação com a dignidade do bem jurídico, dado que o direito penal só deve atuar na defesa dos bens jurídicos imprescindíveis à coexistência pacífica dos homens (princípio da exclusiva

proteção dos bens jurídicos). Além da verificação a respeito do grau de

29 BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. v. 1, p. 11.

39 importância do bem – sua dignidade −, deve ser analisado se a ofensa irrogada causou um abalo social e se foi de tal proporção que justifique a intervenção penal. É por intermédio do princípio da ofensividade que estas questões são desenvolvidas. Assim, somente podem ser erigidas à categoria de crime condutas que, efetivamente, obstruam o satisfatório conviver em sociedade”.30

O princípio em tela tem ampla aplicação nas medidas de segurança. Luiz Flávio Gomes, em seu estudo sobre a duração das medidas de segurança, sustenta devam elas sujeitar-se a um limite máximo de duração. Mas ressalta: “É possível que antes desse marco, por perícia médica, se constate a cessação da periculosidade. Nesta hipótese, nos termos do artigo 97, parágrafo 1°, do Código Penal, cessa a medida e então impõe-se a desinternação ou liberação do agente. O que está contemplado neste preceito penal é o princípio da intervenção mínima, é dizer, ‘a duração da medida deverá ser a indispensável para eliminar a periculosidade criminal do condenado’. Em outras palavras, se advém a cura do internado ou do que está cumprindo tratamento ambulatorial antes do limite máximo de cumprimento da medida deve cessar a intervenção estatal na liberdade da pessoa. Toda atividade punitiva do Estado, aliás, deve ser guiada pelo referido princípio da intervenção mínima. Uma vez atingida a finalidade da sanção, deve cessar imediatamente o poder punitivo do Estado.”31

No que diz respeito especificamente à América Latina, o princípio da intervenção mínima encontra amparo ainda em fundamento peculiar a essa região. O escólio é de Eugênio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli: “No nosso contexto latino-americano, apresenta-se um argumento de reforço em favor da mínima intervenção do sistema penal. Toda a América está sofrendo as conseqüências de uma agressão aos direitos humanos (que chamamos de injusto

30 BIANCHINI, Alice, Pressupostos materiais mínimos da tutela penal, cit., p. 28-29.

31 GOMES, Luiz Flávio. Medidas de segurança e seus limites. Revista Brasileira de Ciências

jus-humanista), que afeta o nosso direito ao desenvolvimento, que se encontra consagrado no artigo 22 (e disposições concordantes) da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Este injusto jus-humanista tem sido reconhecido pela Organização dos Estados Americanos (OEA), através da jurisprudência internacional da Comissão dos Direitos Humanos, que declara ter sido violado o direito ao desenvolvimento em El Salvador e no Haiti. A existência deste injusto jus-humanista não é, pois, uma afirmação ética, mas uma afirmação jurídica, reconhecida pela jurisprudência internacional. Este injusto jus-humanista de violação do nosso direito ao desenvolvimento não pode ser obstaculado, uma vez que pertence à distribuição planetária do poder. Todavia, faz-se necessário que se resguarde de seus efeitos, que se traduzem num aumento das contradições e da violência social interna que, vista em perspectiva, nos levaria a genocídios internos e à destruição do sistema produtivo, submetendo-as a um subdesenvolvimento ainda pior, como decorrência de uma violência incontrolável. Se a intervenção do sistema penal é, efetivamente violenta, e sua intervenção pouco apresenta de racional e resulta ainda mais violenta, o sistema penal nada mais faria que acrescentar violência àquela que, perigosamente, já produz o injusto jus-humanista a que continuamente somos submetidos. Por conseguinte, o sistema penal estaria mais acentuando os efeitos gravíssimos que a agressão produz mediante o injusto jus-humanista, o que resulta num suicídio. A clara conclusão disto é que o sistema penal deve corresponder ao princípio da intervenção mínima na América Latina, não somente pelas razões que se

apresentam como válidas nos países centrais, mas também em face de nossa característica de países periféricos, que sofrem os efeitos do injusto jus- humanista de violação de direito ao desenvolvimento.”32

32 ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Henrique, Manual de direito penal brasileiro: parte geral, cit., p. 78-79.

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No documento MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO (páginas 34-38)