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A Colônia de Pescadores e Pescadoras como organização social e política da categoria

DISCUTINDO O UNIVERSO DA MARISCAGEM 107 3.1 O processo da catação de mariscos: entre “sacrifício” e

4. GÊNERO, TRABALHO E ORGANIZAÇÃO SOCIAL E POLÍTICA

4.6 A Colônia de Pescadores e Pescadoras como organização social e política da categoria

A Colônia de Pescadores(as), assim com a Federação Estadual e a Confederação Nacional, é um órgão de classe dos trabalhadores da pesca artesanal reconhecida pela Lei Nº 11.699 de 13 de junho de 2008, que tem como objetivo defender os direitos e os interesses da categoria no âmbito de sua jurisdição, sendo a Federação no âmbito do estado e a Confederação no âmbito nacional. É, portanto, uma organização social e política de representação das pessoas que integram a atividade da pesca artesanal.

De acordo com a Cartilha Colônia de Pescadores (2004), o surgimento das Colônias de Pesca datam do início do Século XX, ano de 1919, quando o comandante da Marinha Frederico Villar sai dividindo o litoral e os grandes rios brasileiros em zonas de pesca e criando colônias, com o objetivo de oferecer maior segurança a essas áreas, tendo em vista que o período da Primeira Guerra Mundial havia encerrado recentemente. O discurso da Marinha era fundamentado na necessidade de defender a costa brasileira e para isso ninguém melhor que os pescadores que conheciam os segredos do mar. O lema era: “Pátria e Dever”.

Cada Colônia era criada obedecendo a distância e um número de aproximadamente duzentos pescadores por região. Para cada colônia, que equivalia a uma zona de pesca (Z), era estabelecido um número, que seguia uma ordem crescente em cada estado, começando sempre do numeral 1 (um). Por isso, até os dias atuais denomina-se de Colônia Z-1, Z-2 e assim por diante.

Na ocasião do seu surgimento e durante muito tempo, as Colônias eram controladas por órgãos do governo federal, sendo o seu presidente indicado e não eleito pela categoria como acontece atualmente, e podia se associar qualquer pessoa que tivesse alguma ligação com a pesca, podendo ser comerciante de petrechos (utensílios) de pesca, donos de frigoríficos e de fábricas de gelo, funcionários de órgãos ligados à pesca, patrões de pesca, pescadores amadores e pescadores artesanais.

Até 1920, segundo Moraes (2015), as relações entre os pescadores e o estado eram baseadas em ações assistencialistas que se destinavam a conquista da confiança dos pescadores, através da doação de equipamentos pesqueiros, de prestação de serviços gratuitos em

embarcações, serviços de saúde, criação de escolas para os filhos dos pescadores, tendo em vista a militarização dos jovens, dentre outros.

Ainda, de acordo com o autor, na década de 1930, foi criada a Divisão de Caça e Pesca através do Decreto Nº 23.134/33, com o objetivo de administrar a pesca no país. Nesse momento, os pescadores passam a ser subordinados ao Ministério da Agriculta e não mais à Marinha, isso até o ano de 1942, quando durante a Segunda Guerra Mundial, retornam ao controle desta última com Decreto-Lei nº 4.890 de outubro de 1942.

Na década de 1960, durante o período militar, é instituído o Código de Pesca de 1967, através do Decreto nº 221 de 28 de fevereiro de 1967, em que ficava estabelecida as normas para o exercício da atividade pesqueira. A partir de então, as Colônias voltam a ser subordinadas ao Ministério da Agricultura que, em 1973, cria um novo estatuto para todas as colônias de pescadores. Vale ressaltar que o primeiro estatuto data de 1923 e foi organizado pela Marinha.

Com o movimento de democratização do país, em 1985 foi criado um grupo para elaborar propostas reivindicatórias aos parlamentares por ocasião da Constituinte. Com isso, a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal, as colônias deixam a tutela do estado e passam a ter autonomia, sendo equiparadas em seus direitos sociais aos sindicatos de trabalhadores rurais.

Atualmente, as colônias são constituídas com base na Lei N 11.699 de 13 de junho de 2008, sendo vedado na sua organização qualquer interferência ou intervenção do poder público, bem como da Federação e da Confederação, tendo assim, garantida a sua autonomia.

A Colônia, enquanto entidade representativa dos trabalhadores da pesca artesanal, em conformidade com a Constituição Federal de 1988, Art. 8, inciso I, deve ter seu registro efetuado junto ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE e, nessa condição, está apta a receber contribuição sindical por parte dos seus filiados com os quais se comprometem na defesa dos seus direitos e interesses. Além disso, ela é um órgão através do qual se viabiliza o reconhecimento da categoria de pescadores e pescadoras que atuam na pesca artesanal com a inscrição no RGP.

Sobre a atuação da Colônia Z-11 na sua circunscrição, algumas marisqueiras da Ribeira apontam insatisfações. Segundo Janete, a colônia “não dá aquela assistência que os pescadores ou as marisqueiras precisa”. Para ela o papel da colônia significa “ ter auxílio quando a

pessoa tá doente, mandar cesta básica, muita coisa que precisa”. Nessa visão, o papel da colônia é entendido como destinado à realização de ações de cunho assistencial. Sobre isso ela diz que “antes ele [se referindo a colônia] só dava mais [assistência] aos homens, e as mulheres ficava sempre de escanteio”. Aqui vemos a desigualdade de gênero presente no âmbito da organização social e política, reproduzida pela cultura que não considera a mulher como trabalhadora da pesca. Contudo, parece-me que a diferença de tratamento da colônia com relação aos homens e as mulheres têm se modificado na medida em que o pronunciamento é feito se referindo ao passado.

Sobre a atuação Sheila também manifesta o seu pensamento dizendo:

rapaz, não sei nem te dizer, porque assim eles só lembram da gente na hora de pagamento, porque a realidade é essa, e quando vai ter eleição, a não ser isso eu não vejo outra, porque aqui teve pessoas que já precisaram de assistência da colônia, não chegaram junto não, e de ano em ano, pronto esse ano agora em março fez um ano que trouxeram a cesta básica pra gente, até hoje nada mais, aí é uma relação meia complicada.

Com esses relatos, percebo que a ausência de ações da colônia na comunidade tem dificultado o entendimento do seu verdadeiro papel. Parece-me que a aproximação da colônia se realiza apenas quando da existência de interesses próprios, como a cobrança de pagamento da mensalidade e a divulgação de candidatura aos cargos da instituição com a finalidade de angariar votos. Noto também com essa fala o que se espera da intervenção da colônia e vejo que está mais associado à realização de ações emergenciais do que propriamente de melhoria das condições de vida da comunidade através do atendimento às necessidades básicas.

Parece-me que a tendência do pensamento das pessoas sobre o papel da colônia é considerá-la como uma instituição assistencial. Sobre esse aspecto Sheila afirma: “eu acho que o papel da colônia é dá assistência ao pescador em todas as formas”. Pelo destaque a todas as formas de assistência amplia-se a perspectiva, trazendo outras

possibilidades de atuação que não seja de cunho imediatista. Nesse sentido, poderia a colônia, enquanto organismo de defesa dos direitos dos(as) pescadores(as), manter parceria com órgãos públicos responsáveis pela política de assistência social para desenvolver ações articuladas que promovessem a efetivação dos direitos socioassistenciais da categoria.

Sobre o papel da colônia Elizete relata:

eu não sei não, mas assim a colônia né? Como foi falado o negócio de barco, isso aí também é de interesse da colônia, procurar beneficiar o pescador que não tem barco, que o barco é uma necessidade e a colônia não se movimenta pra isso, na minha opinião isso é uma obrigação da colônia em primeiro lugar correr atrás, pra depois trazer o pescador e correr atrás, mas acho que isso tem que partir primeiro da colônia, isso não parte.

A fala de Elizete trás um aspecto que influencia diretamente na vida profissional das pessoas que trabalham na pesca, sobretudo, das mulheres. Como foi mencionado anteriormente neste estudo, a aquisição de barco é comum entre os homens, uma vez que eles têm mais facilidade de obter recursos financeiros derivados de outras fontes para viabilizar a compra ou a confecção. Elizete acredita que a colônia deveria ter a iniciativa de ver uma forma de doação, a exemplo do que aconteceu com Ana Darc que foi contemplada com um barco através de um Programa da Secretaria de Pesca do Município de Cabedelo.

Segundo o representante da colônia, as reuniões que eles organizam acontecem, frequentemente, na própria sede e os assuntos tratados, dentre outros, se direcionam aos benefícios e ao pagamento que é uma contribuição sindical34. Com essa informação podemos ver

que talvez a cobrança pelo pagamento esteja ocupando o lugar central das discussões ocorridas no âmbito da reunião, produzindo entre os(as) pescadores(as) uma sensação de que só existe cobrança sem haver uma

34 Na Ribeira o valor pago mensalmente a Colônia é R$7,00 (sete