• Nenhum resultado encontrado

DISCUTINDO O UNIVERSO DA MARISCAGEM 107 3.1 O processo da catação de mariscos: entre “sacrifício” e

3. GÊNERO, PESCA ARTESANAL E TRABALHO: DISCUTINDO O UNIVERSO DA MARISCAGEM

3.1 O processo da catação de mariscos: entre “sacrifício” e “divertição”

3.1.3 Da comercialização: a figura do “pombeiro”

A comercialização é realizada de diferentes formas pelas marisqueiras da Ribeira, indo desde a venda direta ao consumidor ou a algum estabelecimento, à entrega (termo utilizado pelas mulheres) ao pombeiro, que é o atravessador, pessoa responsável pela mediação entre as marisqueiras e o mercado externo. Nessa mediação, a compra do produto é realizada com um preço bem abaixo do vendido no mercado externo.

É muito comum a presença de atravessadores nas comunidades pesqueiras, levando o produto local para negociar diretamente no

mercado consumidor. Na Ribeira, foi mencionado pelas mulheres que alguns deles vêm de outros estados para fazer negociação com elas. Não sei se posso chamar de negociação, uma vez que em alguns casos não há uma contraproposta por parte delas na venda do seu produto, fator impactante na renda obtida pelas marisqueiras. Por isso, já se verifica a busca por outras formas de comercialização.

Cida comercializa seu produto sob encomenda, ela conta: “eu vou entregar lá em Cabedelo. Tem uma colega minha, aí quando ela quer marisco assim, ela liga pra mim sabe? Aí ela pede quinze quilos, dez quilos, aí eu vou e ajunto e vou levar lá”. E quanto ao preço ela diz: “quando o preço tava bom mesmo era R$7,00, era R$8,00 a R$5,00, assim no tempo de carnaval”. Fora desse período ela chegou a vender até por R$2,50. A sua produção é somada com a da sua filha Elizete, que às vezes acaba vendendo seus mariscos a um pombeiro quando sua mãe não os leva para negociar em Cabedelo.

Segundo Elizete, entregar a um atravessador não é uma forma muito garantida de recompensa do seu trabalho, pois o preço imposto por ele ao seu produto não traz uma lucratividade, que consiga suprir suas necessidades e que se equipare a quantidade de trabalho dispensado na sua atividade. Sobre sua experiência ela fala:

[...] às vezes eu entrego ao pombeiro, só que é aquela coisa, as vezes o pombeiro quer pegar por um preço muito baixo, então não recompensa, [...] as vezes quer comprar por um preço mínimo, aí não tem condições da gente vender, quer dizer a gente não tem nenhum lucro, porque a dificuldade que a gente tem de ir pra maré, tirar chegar em casa tirar também, aí é um trabalho muito grande pra vender por um preço baixo, não tem condição, então eu prefiro vender em casa quando alguém vem comprar ou quando mãe leva. (ELIZETE)

Percebo no discurso de Elizete uma tomada de consciência da exploração que a entrega ao pombeiro representa, chegando a considerar um prejuízo quando não há, naquele tipo de comercialização, um

retorno favorável. Acredito que a venda do seu produto ao atravessador se constitui na última alternativa de comercialização.

Com relação ao preço do quilo de mariscos, há uma variação significativa entre o verão e o inverno. Segundo Elizete, “quando tá no verão fica um preço até bom, R$8,00, chega até a R$10,00, mas no inverno o preço máximo é R$5,00, R$4,00, aí no inverno não tem muito lucro [...] acho que é porque assim no verão tem muito turista né? E no inverno não.”

Período bom para Cida é no Carnaval, ela diz: “no Carnaval é que é bom da gente vender, é quando os turista tão por aí lá em Cabedelo ai fica mais fácil da gente vender”. Nesse sentido, o tamanho do marisco não vai interferir diretamente na negociação, o primordial é a procura que aumenta nesta época do ano com a presença dos turistas nessa região.

Janiele reconhece o ganho que o atravessador tem sobre o seu marisco, dizendo: “tem um rapaz que ele compra a gente um preço e vende por outro”. Porém, essa colocação não representa a possibilidade de outra atitude frente a esse tipo de exploração, pois ela destaca: “a gente vende a ele”. Mesmo sabendo do lucro que esse rapaz tem sobre o produto, continua à mercê de sua participação nessa etapa do processo de trabalho da catação. Assim como Janiele, outras marisqueiras também negociam seus mariscos com um atravessador. Das marisqueiras da Ribeira entrevistadas, apenas Cida e Marileide não citam essa alternativa como forma de comercializar o seu produto.

Percebo que além da impossibilidade de muitas delas de se ausentarem de casa, devido aos cuidados com os filhos, um dos fatores que considero agravante para a venda dos mariscos, é a dificuldade de locomoção para outras localidades, sendo o outro fator, a pouca habilidade para buscar clientela.

Para o atravessador, Anunciada diz que o preço máximo tem sido R$7,00. “A gente já vendeu até por R$7,00 ao atravessador”. Edite diz que hoje (3 de julho de 2014) tá entregando a R$5,00 e ressalta: “no verão sempre dá melhor né? Agora a gente quer vender por R$6,00, R$7,00, mas não quere subir, a gente vai fazer o que?” Edite considera a relação com o atravessador, a única forma de comercializar o seu produto. Segundo ela, há cerca de quatro anos atrás a situação era ainda pior, pois o preço máximo que conseguia entregar era R$2,00 ou R$3,00. Nisso, verifico o domínio dos atravessadores nessa

comunidade. Eles seguravam o preço dos mariscos no valor mínimo e elas acabavam cedendo.

Hoje essa realidade tem se modificado para algumas marisqueiras, embora ainda haja um forte comando dos atravessadores nessa relação. Edite já não age mais da mesma forma, ela diz: “se eu vendia o marisco de R$4,00, R$3,00, eu segurei em R$5,00 e em R$5,00 eu tô entregando e ainda exijo mais o saco de quilo, traga os saco se quiser levar”. Ela atribui essa mudança de atitude ao valor que aprendeu a dar ao seu trabalho obtida através dos encontros promovidos pela Incubadora do IFPB.

Já em casa, diretamente ao consumidor, Sheila diz que o preço é R$10,00, mas se vender ao atravessador só consegue a R$5,00 e destaca: “tem deles que quer comprar mais barato e assim fica”. (SHEILA). Ao perceber a dificuldade que as mulheres encontram para realizar a comercialização fora da comunidade, os atravessadores tentam impor seus baixos valores e muitas delas acabam cedendo para não terem desperdício no seu produto. Hoje vejo na fala de Edite e até de Sheila que elas estão valorizando mais seu trabalho, quando não aceitam o tipo de negociação que o atravessador tenta firmar, apesar de ainda se verificar uma grande disparidade entre o valor da venda direta ao consumidor daquele vendido ao atravessador, correspondendo a uma diferença de 50%.

Considero nesse contexto, a existência de uma relação de poder entre os atravessadores e as marisqueiras quando vejo a resistência de algumas mulheres no processo de negociação do seu produto. De acordo com Foucault (1995) só podemos falar em relações de poder se houver a possibilidade de resistência, do contrário seria estado de dominação. Para o autor, “o poder só se exerce sobre “sujeitos livres”, enquanto “livres”- entendendo-se por isso sujeitos individuais ou coletivos que têm diante de si um campo de possibilidades onde diversas condutas, diversas reações e diversos modos de comportamento podem acontecer” (FOUCAULT, 1995, p. 244). De acordo com essa perspectiva, só há relação de poder se houver resistência e isso pressupõe a condição de liberdade do indivíduo para agir.

Por muito tempo os atravessadores determinavam o valor do quilo dos mariscos. Porém, essa realidade tem apresentado modificações na forma como as marisqueiras tem se posicionado frente a essa questão. O embate na hora da negociação tem trazido, além do resultado expresso através da renda obtida, uma elevação da autoestima das

mulheres, uma vez que valorizando o seu trabalho estão valorizando a si mesmas.

3.2 A divisão sexual do trabalho: uma articulação com o contexto da