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A estruturação metodológica apresentada foi planejada e estabelecida a partir de um quadro referencial específico que buscou dar consistência teórica e operacionalidade ao objetivo de implementação de uma estratégia salutogênica de Promoção da Saúde de camponeses impactados pela dominação/colonialidade do modelo capitalista do agronegócio e pelo uso de agrotóxicos. Partiu-se, então, da hipótese de que um processo social fundamentado em instrumentos e atividades da metodologia social CaC poderia desenvolver as capacidades de compreensão, manejo e significação dos camponeses e camponesas das comunidades rurais de Lavras e, assim, dar início e progressão à construção das bases subjetivas e práticas autônomas para promover a saúde e a libertação destes sujeitos.

Colocada em prática e finalizados os trabalhos de campo dessa metodologia, foi dado, então, início ao processo de tratamento e classificação/codificação (pré- análise) do conjunto de dados das Fases I e II, conforme categorias e subcategorias que permitiram deduzir, de maneira lógica, conhecimentos sobre o desenvolvimento salutogênico e analético dos camponeses e suas comunidades. A interpretação destes conhecimentos (análise) se deu por meio da significação concedida a estes dados após tal tratamento, buscando inferir os fatores que determinaram e que poderão ser determinados pelas características das informações contidas nas falas dos camponeses97. Para este processo de pré-análise e análise dos dados produzidos por esta Pesquisa-Ação-Participativa foram utilizados, portanto, princípios e procedimentos da Análise de Conteúdo, propostos por Bardin97.

No entanto, antes de partirmos para o entendimento dos caminhos de construção das categorias e subcategorias de análise e dos caminhos de interpretação e significação dos dados, é importante apresentar tanto o instrumento de produção e captação quanto o corpus97 de dados definidos para este estudo.

Conforme detalhamento da estruturação metodológica desta Pesquisa-Ação- Participativa, apresentado ao longo do item 4.3, as nove atividades que constituíram as

duas fases de trabalho de campo foram desenvolvidas em dois modos operacionais, os EPS e os MPSOC, sendo que apenas os EPS dispunham de intenção e condições estruturais para a captação dos dados a serem processados e analisados.

Os MPSOC, como o próprio nome diz, foram planejados e realizados para potencializar, em distintos e estratégicos momentos da estruturação metodológica, as capacidades de compreensão, manejo e significação do sujeito camponês. Estes momentos de potencialização buscaram suprir a falta de métodos da Salutogênese para desenvolver e/ou “fazer crescer” estes componentes fundamentais para o desenvolvimento da Promoção da Saúde por meio deste paradigma. Sendo assim, os dados (falas dos camponeses com conteúdo salutogênico) “produzidos” a partir da realização dos MPSOC foram planejados para “reverberar” nos EPS que os sucediam, onde a estrutura adequada de rodas de diálogos e trocas de experiências (em local que contava unicamente com a presença e que concentrava os sujeitos camponês e acadêmico) permitia a integral captação dos mesmos.

Assim, o presente estudo instituiu e utilizou o próprio EPS como instrumento de produção e coleta de dados. Thiollent84 indica que o principal objetivo de modos de obtenção de dados argumentativos da Pesquisa-Ação-Participativa consiste em

[...] oferecer ao pesquisador melhores condições de compreensão, decifração, interpretação, análise e síntese do “material” qualitativo gerado na situação investigativa. Este “material” é essencialmente feito de linguagem, sob formas de simples verbalizações, imprecações, discursos ou argumentações mais ou menos elaboradas. A significação do que ocorre na situação de comunicação estabelecida pela investigação passa pela compreensão e a análise da linguagem em situação84 [Grifos do autor].

Nesse sentido, os EPS exerceram tanto a função de propiciar o ambiente adequado para a geração quanto a função de possibilitar a plena captação do “material” argumentativo e qualitativo: as falas (ou palavra analética38) dos camponeses. E para o registro destas falas, produzidas durante as discussões grupais, foi utilizado, em todas as atividades que conformaram os EPS, aparelho Samsung YP-T9J®, modelo 2007, que dispõe da função de gravação de áudio em alta resolução.

Nesse ponto, é importante ressaltar que os demais instrumentos de produção de dados e seus respectivos resultados – como o questionário adaptado da Experiência de Banes (Atividade 2), o Repertório de Recursos (Atividade 5), o DRP e seus Relatórios sistematizados (Atividade 7) – foram empregados nesta Pesquisa- Ação-Participativa com o intuito exclusivo de proporcionar aos camponeses condições fundamentadas e estruturadas para que estes pudessem reconhecer, refletir e se expressar a cerca de seus próprios recursos e capacidades. Desta forma, a utilização e os dados produzidos por meio destes “instrumentos de apoio” à Pesquisa-Ação- Participativa tiveram a intenção de promover, nas atividades com rodas de diálogo e trocas de experiências, as discussões/falas e seu conteúdo salutogênico (seja diretamente nos EPS, no caso da Experiência de Banes e Repertórios de Recursos, seja por “reverberações” promovidas pelo MPSOC, no caso dos DRP). Assim, estes dados, que não compuseram o “material de palavras faladas diretamente” pelos camponeses, não foram objetos de análise de seu conteúdo salutogênico. No entanto, os produtos finais dos Repertórios de Recursos de Saúde e dos Relatórios de DRP foram apresentados indiretamente (pelas questões éticas apresentadas no item 4.5) na descrição inicial dos Resultados das atividades de campo (item 5.1) e sua relevância, representatividade e pertinência para o processo social desenvolvido por meio desta Pesquisa-Ação-Participativa e para a sequência deste processo (posterior ao recorte analisado) foram indicados e comentados.

Produzidos e captados durante os quatro EPS desenvolvidos, os materiais de áudio foram transcritos integralmente, pelos estudantes que conformaram a equipe de pesquisa, e os documentos constituídos, contendo as falas dos camponeses suscetíveis de fornecer as informações intencionadas, foram definidos como o corpus deste estudo. Segundo Bardin97, “O corpus é o conjunto dos documentos tidos em

conta para serem submetidos aos procedimentos analíticos”. Para isto, o conjunto de

documentos pré-analisados e analisados, ou seja, as transcrições das atividades desenvolvidas por meio dos Primeiro, Segundo, Terceiro e Quarto EPS (Atividades 1 e 2, Atividades 4 e 5, Atividade 8 e Atividade 9, respectivamente) seguiram as principais

regras para a constituição de um corpus, propostas por Bardin97, e apresentaram algumas características específicas referentes ao contexto de desenvolvimento e à estrutura metodológica definida para esta Pesquisa-Ação-Participativa:

Regras de constituição do corpus:

o Exaustividade: todos os materiais produzidos (transcrições) foram considerados em sua totalidade e incluídos em todas as etapas e processos de pré- análise e análise;

o Homogeneidade: todos os materiais foram obtidos por meio de técnicas e instrumentos sistematizados (EPS e gravador de áudio) e estes foram operados sempre pelo mesmo pesquisador e/ou mesmos integrantes da equipe de pesquisa (previamente preparados e nivelados);

o Pertinência: as transcrições, como documentos, foram consideradas fontes de informação adequada, uma vez que os instrumentos de captação, registro e transcrição foram planejados e executados seguindo a metodologia proposta (estruturada segundo os objetivos do estudo).

Característica específicas do corpus:

o Os materiais de áudio de atividades distintas realizadas dentro de um mesmo EPS (Atividades 1 e 2 = Primeiro EPS e Atividades 4 e 5 = Segundo EPS) foram transcritos como documentos referentes ao EPS, ou seja, sem distinção sobre qual fala pertencia exatamente a qual atividade. Isto porque, na dinâmica real de desenvolvimento do EPS, não existia fronteira definida e nem imposição de momentos de expressão de falas que foram geradas/estimuladas a partir de uma ou outra atividade;

o Os EPS (e suas atividades) de “mesma natureza”, que foram desenvolvidos em diferentes comunidades (Primeiro EPS, Segundo EPS e Terceiro EPS), foram considerados, no processo de pré-análise, como EPS únicos, com documentos únicos. Por exemplo: os materiais do Primeiro EPS, desenvolvido em 17

comunidades, foram transcritos e explorados separadamente para cada comunidade mas foram considerados, durante os processos de sistematização e classificação, como integrantes de um “único documento geral do Primeiro EPS” (ou seja, a sistematização do Primeiro EPS é referente aos documentos conjuntos das 17 comunidades);

o Como explicado anteriormente, as Atividades 3, 6 e 7 não conformaram EPS e, portanto, não produziram, diretamente, materiais de áudio com dados a serem sistematizados e analisados;

o As falas, que constituem os documentos transcritos pela equipe de pesquisa, foram “passadas para o papel” preservando (respeitando e valorizando) o exato modo de fala de cada camponês. No entanto, sempre que necessário, o pesquisador, no momento do processamento/sistematização dos documentos, incorporou “colchetes explicativos” para deixar claro sobre o quê ou a quê o camponês se referia. Para isto, o pesquisador utilizou-se de sua condição de sujeito presente e implicado nas atividades e baseou-se integralmente no contexto e assunto sobre o qual cada fala foi pronunciada (ou seja, sem incorporar, neste momento, interpretações ou opiniões pessoais sobre o conteúdo das falas).

Partindo, então, para o tratamento do material (pré-análise), foi realizado um processo de codificação das falas transcritas, isto é, a transformação dos dados brutos para atingir uma representação do conteúdo e, também, para permitir a análise das características pertinentes, segundo os objetivos97. Nesse sentido, em consonância com o objetivo central de implementação e análise de uma estratégia Salutogênica de Promoção da Saúde, este estudo, no primeiro estágio de codificação, pressupôs-se das categorias Capacidade de Compreensão, Capacidade de Manejo e Capacidade de Significação como estrutura fixa de classificação para as falas expressas nos quatro EPS. Assim, estas categorias foram as mesmas para cada um dos quatro EPS onde os dados foram produzidos e coletados. Isto porque a intenção da análise foi identificar a progressão destes componentes salutogênicos ao longo das fases e EPS do processo analético desenvolvido por meio da Pesquisa-Ação-Participativa. Não foi necessário,

portanto, neste primeiro momento de exploração do corpus, realizar a técnica de leitura flutuante97 com o intuito de fazer emergir, das falas transcritas, categorias de análise, mas sim no sentido de reconhecimento, no corpus “falante”, das falas com conteúdos que se aplicavam às categorias pressupostas97.

O primeiro estágio do processo de codificação dos documentos transcritos, como parte fundamental da análise de conteúdo empreendida neste estudo, se deu, então, na modalidade temática97, onde cada segmento de conteúdo expresso pelos camponeses (frases, conjunto de frases, diálogos, perguntas, afirmações, projeções, etc.), que continha informações referentes a um dos três temas das categorias, foi selecionado e classificado dentro destas categorias. Para isto, foram definidos, baseando-se nas proposições do paradigma salutogênico de Antonovsky13, os seguintes indicadores para que cada segmento de conteúdo fosse recortado, selecionado e classificado (codificado) dentro de uma das três categorias:

Capacidade de Compreensão: falas com conteúdo cognitivo e indicação de que os camponeses possuem ou passaram a possuir entendimento de fatores que determinam o contexto em que vivem;

Capacidade de Manejo: falas com conteúdo comportamental e indicação de que creem que dispõem de determinados recursos e de que os utilizavam, utilizam ou podem vir a utilizar em seu favor, em favor comunitário, em favor da organização camponesa e/ou em favor da transição agroecológica;

Capacidade de Significação: falas com conteúdo motivacional e indicação de disposição, intenção, entusiasmo e/ou planejamento futuro para mudar o que torna seu contexto desfavorável, usando, para isto, seus próprios recursos e baseando-se em experiências, objetivos e formas que lhes interessa.

Já o segundo estágio de codificação constituiu-se na exploração, seleção e classificação, das falas que já integravam as três categorias, em subcategorias de análise. Esta subcategorização foi identificada, durante o processo de tratamento do

corpus, como imprescindível para, no posterior processo de análise, conceder

significação e inferir fatores aos dados e para discutir a consistência, as causas e os rumos da progressão do processo salutogênico-analético desenvolvido. Para definir as subcategorias, então, foi realizada a leitura flutuante de todo o material previamente categorizado, buscando fazer emergir os subtemas recorrentes e indicativos de tal progressão. Assim, neste segundo momento de exploração, a leitura flutuante – técnica da Análise de Conteúdo que envolve repetidas leituras para conhecimento, aprofundamento e incremento da precisão do olhar sobre os documentos – foi utilizada pelo pesquisador “deixando-se invadir por impressões e orientações”97 que afloraram do próprio corpus. Procedendo desta forma, foram identificadas e definidas 20 subcategorias, distribuídas, sem regras pré-definidas (a não ser a significação/conteúdo das falas e os EPS em que foram ditas), dentro das três categorias pressupostas:

Subcategorias da categoria Capacidade de Compreensão:

o Instituições públicas desfavoráveis e/ou dependentes de esforço dos camponeses para que cumpram seu papel;

o Consequências desfavoráveis do modelo do agronegócio;

o Distanciamento (tempo e/ou espaço) da cultura e conhecimento tradicional camponês;

o Invasão da cultura urbana;

o Possibilidades da Agroecologia em oposição ao atual modelo do agronegócio;

o Possibilidades, baseadas em referências concretas, de modos favoráveis de atuação das instituições públicas;

Subcategorias da categoria Capacidade de Manejo: o Conhecimentos e técnicas tradicionais e/ou agroecológicas; o Rede comunitária;

o Talentos artístico-culturais;

o “Novos recursos”, reconhecidos após a visita de Troca de Saberes à Claraval;

o Experimentação camponesa;

o Experiências e ferramentas sociais emancipadoras.

Subcategorias da categoria Capacidade de Significação:

o Ser exemplo das possibilidades e benefícios da agroecologia para despertar o interesse e necessidade de mudança em outros atores;

o Promover a agroecologia, a cultura e a organização camponesa; o Melhorar condições da economia camponesa familiar;

o Produzir de maneira que o alimento seja fonte de saúde (para quem trabalha, sua família e consumidores);

o Construir meio/modo de vida justo para os filhos; o Buscar e aprimorar conhecimentos;

o Organizar-se e construir caminhos como classe camponesa (social, política, produtiva e comercialmente).

Por fim, o processo de análise foi estruturado em duas etapas de apresentação e discussão dos resultados desta Pesquisa-Ação-Participativa. A primeira caracterizou-se como uma etapa de descrição geral de cada um dos EPS e MPSOC (e suas respectivas atividades), onde buscou-se apontar e comentar as principais informações advindas do processo prático de realização dos trabalhos de campo, como: a quilometragem percorrida para a realização de cada EPS e MPSOC; as características gerais do contexto em que cada modo operativo e suas atividades foram desenvolvidas; o número e a variação do número de participantes nos EPS e MPSOC;

os números e as características e diferenças da participação de mulheres e homens nas atividades; as perdas ao longo do processo; os resultados da Experiência de Banes e dos DRP; entre outros.

Já a segunda etapa desse processo constituiu-se no momento da Análise Qualitativa de Conteúdo propriamente dita, onde buscou-se interpretar – por meio das significações e inferências conferidas pelo pesquisador às falas – tanto a progressão dos componentes salutogênicos e do processo analético de libertação dos camponeses quanto as implicações destas progressões para a Promoção da Saúde destes sujeitos. Segundo Bardin97, o que caracteriza uma Análise Qualitativa de Conteúdo “é o fato de a

inferência [...] ser fundada na presença do índice (tema, palavra, personagem etc.!) [...], quer as modalidades de inferência se baseiem ou não em indicadores quantitativos” 97

. Nesse sentido, realizou-se – conforme as comunidades, subcategorias, categorias e contextos de expressão – a estruturação das falas pré-analisadas (Apêndices 2 e 3) e, após a sistematização e contagem destas falas, tais estruturação e sistematização foram utilizadas como apoio ao desenvolvimento de uma análise de conteúdo na modalidade temática97. Assim, foi construída uma análise que, ao englobar diferentes comparações (ou “modalidades de inferência”97) sobre a progressão dos conteúdos das falas e dos conteúdos dos números referentes às categorias e subcategorias, possibilitou a inferência e a discussão do desenvolvimento dos componentes salutogênicos, do processo analético de libertação e da Promoção da Saúde dos camponeses.

Esse extenso material estruturado (Apêndices 2 e 3), “fornecedor de falas e números carregados de sentidos” para a análise do recorte (Momentos Analéticos Inicial e Intermediário) do processo social contínuo iniciado/desenvolvido por meio desta Pesquisa-Ação-Participativa, passa, a partir do encerramento desta, a compor um banco documental para trabalhos futuros, a serem desenvolvidos e coordenados pelo pesquisador responsável, pelo orientador da pesquisa e/ou pelos camponeses e camponesas de Lavras.