Os estudiosos de pesquisa do consumidor têm utilizado por anos os dados
provenientes de entrevistas em seus estudos. As entrevistas podem variar desde
não-estruturadas, onde são esperadas respostas abertas, a um questionário bem
estruturado. O modo de abordagem em entrevistas também pode ser variado. Na
abordagem direta objetivo é rapidamente exposto, sendo diretamente declarado ou
percebido pelas questões abordadas. Além disso, entrevistas orais especialmente
úteis para que o consumidor possa contar sobre sua vida de forma detalhada,
lembrando-se de experiências ordinárias do cotidiano (WITKOWSKI, JONES, 2006;
MALHOTRA, 2006).
A pesquisa desse estudo foi realizada através de entrevistas em profundidade, de
abordagem aberta e com roteiro semi-estruturado. O tema do estudo é de natureza
exploratória, sendo que as respostas podem ser complexas e contraditórias, em
muitas situações. Nesse tipo de entrevista, o estudioso procura compreender as
motivações, atitudes e sentimentos que afloram relacionados a um tópico. As
conversas são realizadas individualmente, podendo se estender de 30 minutos a
mais de 1 hora (MALHOTRA, 2006).
3.3.1 Cenário do estudo
A pesquisa foi realizada na cidade do Rio de Janeiro, de onde sou moradora. Esta
informação torna-se importante, pois a cidade é uma referência mundial de culto ao
corpo, como descrito na musica de Toni Garrido sobre a população carioca: “corpos
malhados, sorrisos talhados...”. Nessa cidade, a estética é muito valorizada e o
corpo é um instrumento importante na construção da identidade de seus habitantes,
como retrata Goldenberg (2007) em suas pesquisas sobre a população carioca.
Assim, o Rio de Janeiro é um local onde o estudo da beleza e do envelhecimento é
importante para o entendimento do comportamento de seus moradores.
Solicitei aos médicos que os encontros fossem realizados nos locais onde consultam
os pacientes que os procuram para fins estéticos, contudo alguns profissionais
preferiram agendar a entrevista em hospitais públicos, em que atendem a população
com menor poder aquisitivo. Desse modo, os locais das entrevistas foram ou
consultórios médicos, ou clínicas de estética, ou hospitais públicos onde esses
profissionais trabalham. Nos dois primeiros espaços, algumas entrevistas foram
feitas no horário de almoço, outras em horário vago entre duas consultas ou no final
do dia de trabalho. No terceiro, as entrevistas ocorreram durante o plantão, entre os
atendimentos. É importante mencionar que alguns residentes não possuem
consultório particular e, por isso, trabalham com a cosmiatria no próprio hospital em
que cursam sua especialização.
3.3.2 Desenvolvimento do roteiro
O roteiro da pesquisa semi-estruturado (ANEXO 1) foi construído com base em dois
temas principais: envelhecimento e beleza, seguidos de questões sobre os produtos
anti-idade, um bem de consumo que reúne tanto os significados do envelhecimento
quanto os da beleza.
Inicialmente, com a intenção de compreender melhor o tema envelhecimento, assisti
os filmes “Chega de Saudade” e “Conduzindo Miss Dayse”. O primeiro se passa na
cidade Rio de Janeiro, em um baile de terceira idade em que são retratados temas
como o desejo sexual e a percepção de ter tornado-se invisível, termo que
Goldenberg (2008) descreve como um dos sentimentos originados pelo
envelhecimento. O segundo filme retrata a transformação de uma senhora que
sentia-se amargurada e considerava que sua vida estava acabada, por causa de sua
idade avançada, até que descobre as alegrias da vida na terceira idade ao conhecer
um novo amigo, seu motorista. Esses textos culturais (HISHMAN, SCOTT e WELLS,
1998) possibilitaram minhas primeiras notas para a elaboração de um roteiro, pois a
atenção maior foi dada aos aspectos conceituais que incluíram beleza e
envelhecimento.
Também foram importantes para a elaboração do roteiro dissertações de mestrado e
teses de doutorado que apresentam a beleza e os sentimentos presentes em seu
consumo como assunto principal, realizadas com o apoio da Cátedra L’Oreal de
comportamento do consumidor dentro do centro de estudos de consumo do
COPPEAD/UFRJ (BORELLI, 2009; FONTES, 2009; SILVA, 2006; AMUI, 2006;
ROSÁRIO, 2006; CAMPOS, 2010). Além desses trabalhos, artigos que tratam da
beleza, do envelhecimento e do consumo hedônico (MCCRAKEN, 2003;
CAMPBELL, 2006; DAHAR e WERTENBROCH, 2000; HIRSCHMAN e HOLBROOK,
1982) e livros como de “A reinvenção da velhice” (DEBERT, 2004) e “Coroas”
(GOLDENBERG, 2008) foram essenciais para a elaboração das questões do roteiro.
De forma que fosse possível uma aproximação com os produtos anti-idade, foram
realizadas duas entrevistas com empresas do mercado de beleza: a primeira com
profissionais que gerenciam a marca La Roche-Posay e a segunda com uma
diretora da marca Mary Key, ambas com atuação no Brasil. Nessas entrevistas,
utilizou-se um roteiro (ANEXO 2) bem abrangente que serviu como base para o
roteiro final.
Contudo, após a decisão de realizar a pesquisa com os dermatologistas, o roteiro
sofreu pequenas alterações após as primeiras entrevistas com a finalidade de
adequá-lo aos interesses do estudo e à compreensão dos demais dermatologistas a
serem entrevistadas. Algumas questões também foram ignoradas em algumas
entrevistas por considerar que o entrevistado havia abordado o assunto em outro
momento, evitando o desgaste do entrevistado. Por exemplo, a pergunta sobre as
pacientes de meia-idade foi ignorada em algumas entrevistas, pois ao questionar
sobre a mulher de 50, muitos profissionais já explanavam o que pensam sobre as
pacientes de meia idade. Outra pergunta que foi modificada durante a entrevista foi
a questão das marcas que os dermatologistas tinham preferência em prescrever:
alguns dermatologistas pareciam ter receio em apontá-las, logo falam das
substâncias que consideravam eficazes. Nesse sentido as figuras apresentadas
foram bastante úteis, pois acabavam revelando quais marcas preferiam e o por quê.
Além disso, a primeira entrevistada sugeriu inserir no estudo a avaliação das
farmácias de manipulação, que desempenham um papel importante nesse mercado.
De fato, essa recomendação foi de grande valia para a coleta de dados e capítulo de
análise da pesquisa.
Ainda, como se desejava estudar idades marcantes para o envelhecimento no ciclo
de vida, foram selecionadas as idades de 30 anos, em que os primeiros sinais do
envelhecimento surgem, e de 50 anos, onde se inicia a famosa crise da meia-idade
para muitas mulheres.
3.3.2.1 Imagens dos produtos selecionados
Ao ler e assistir a defesa de dissertação de Fontes (2009), a pesquisadora percebeu
o benefício do uso de técnicas projetivas (BODDY, 2005). Fontes (2009) utilizou
fotos de modelos para que seus entrevistados falassem sobre beleza mais a
vontade. Desse modo, escolheu-se fazer um exercício projetivo ao final do roteiro
semi-estruturado, mostrando imagens de embalagens de alguns de cosméticos anti-
idade. Objetivou-se incentivar os dermatologista a falarem mais abertamente o que
pensam sobre cada marca de produtos anti-idade a partir das imagens: cosméticos,
dermocosméticos e nutri-concentrado de beleza.
As marcas foram escolhidas com a intenção de se obter uma diversidade de
posicionamentos, por serem reconhecidas no mercado e serem consideradas
inovadoras pelo senso comum. Desse modo, foram selecionadas as seguintes
marcas:
a) Avon – A empresa está presente no mercado de cosméticos há 125 anos, com
uma receita anual de mais de 10 bilhões. Há 53 anos a Avon chegou no Brasil
com seu canal de vendas porta-a-porta. Seus produtos atingem diversas
camadas sociais e estão presentes em mais de 100 países.
Figura 2. cosmético anti-idade Avon Renew
b) Dermage – A empresa começou suas atividades em 1978, porém apenas em
1990 a marcar Dermage foi lançada. No início trabalhavam apenas com
fórmulas manipuladas, e, recentemente, passaram a comercializar uma seus
produtos cosméticos através de uma linha industrializada, por meio de venda
direta. A marca é voltada para a classe médica e seus pacientes.
Figura 3. dermocosmético anti-idade industrializado Dermage
c) Innéov - Essa marca é fruto de uma união entre L’Oréal e Nestlé, desde 2002.
Seu produto é um “nutri-concentrado de beleza” com ingredientes ativos que
melhoram a condição da pele, cabelo e unhas, em formato de pílula. A marca é
considerada inovadora nos tratamentos de beleza; no Brasil são
comercializados os nutracêuticos: Fermeté (antirrugas), Nutri-care (contra a
queda capilar) e Solar (contra o fotoenvelhecimento). Contudo, em outros
países, como a França, há produtos para nove diferentes finalidades.
Figura 4. nutracêutico anti-idade Innéov
d) La Roche-Posay – É uma marca da L’Oréal, pertencendo à linha de cosmética
ativa dessa empresa. Na produção de seus dermocosméticos é utilizada uma
água termal proveniente da cidade La Roche Posay, na França. Sua estratégia
promocional é direcionada, principalmente, aos dermatologistas, porém
também comercializam diretamente nos pontos de venda.
Figura 5. dermocosmético anti-idade La Roche-Posay
e) Lancôme – A marca também é parte do portfólio da L’Oréal, porém faz parte da
linha de cosmético de luxo e, portanto, direcionada para as classes
econômicas mais altas. Está no mercado mundial há 75 anos, e há 20 anos
está presente no Brasil. Como estratégia, procura proporcionar experiências
ligadas às emoções e às sensações.
Figura 6. cosmético anti-idade Lancôme
f) Natura – A Natura é uma marca brasileira presente em sete países da América
Latina e na França. A empresa atinge à diversas camadas sociais, distribuindo
seus produtos através de suas revendedoras. O prazer e o bem-estar são
presentes na promoção de seus cosméticos, inclusive dos cosméticos
antiidade da linha Chronos.
Figura 7. cosmético anti-idade Natura Chonos
g) Vichy – A Vichy foi criada em 1931 na França. Atualmente, a marca pertence à
L’Oréal e sua estratégia promocional é direcionada aos dermatologistas. Seus
dermocosméticos possuem água termal de Vichy em sua fórmula e a marca
está em um movimento de as texturas dos produtos estão sendo adaptadas às
peles brasileiras.
Figura 8. dermocosmético anti-idade Vichy
As marcas não foram, necessariamente, apresentadas na mesma ordem para todos
os dermatologistas da pesquisa.
Estudos indicam que os indivíduos são incapazes de receber ilimitadas informações
em um período de tempo. Após um determinado número elementos armazenados
na mente, o cérebro passa a não funcionar normalmente, como afirma o psicólogo
Dr. George A. Miller de Harvard (apud RIES e TROUT, 1986). Desse modo,
descobriu-se que o número sete é o máximo com que as pessoas conseguem lidar.
Por isso, é um número popular nas listas de coisas que não se deve esquecer, como
as sete maravilhas do mundo. Logo, a partir dessa afirmativa foram, selecionadas
sete marcas para o roteiro, evitando criar dificuldades durante a entrevista (RIES e
TROUT, 1986).
3.3.3 Dificuldades do campo
Algumas variáveis do estudo que não puderam ser controlados pela pesquisadora
podem ter dificuldade seu andamento. As entrevistas estavam planejadas para
acontecer no ambiente onde o objeto do estudo é, cotidianamente, abordado pelos
entrevistado, ou seja, nos consultórios médicos. Desse modo, o entrevistado
“entraria no clima” da pesquisa mais naturalmente, facilitando o acesso à memórias
de histórias e à sensações referentes ao tema de estudo.
Por uma limitação de tempo, no entanto, algumas as entrevistas aconteceram em
hospitais públicos, onde eles também trabalham. Nesses locais, o ambiente não
parece ser propicio para falar sobre estética, pois dificilmente os dermatologistas
tratam dessa questão com pacientes de mais baixa-renda além do ambiente ser
precário, em termos de conforto e tranquilidade para abordar o tema.
Outra dificuldade que surgiu na pesquisa de campo foram as constantes
interrupções de telefones, secretárias e mesmo de outros médicos, em algumas
entrevistas. O dermatologista pesquisado acabava perdendo o foco no assunto e era
necessário reintroduzir a mesma pergunta de diversas maneiras, para que a
conversa voltasse a fluir. Além disso, a entrevista acontecia em um espaço na
agenda do dermatologista, que tinha, em geral, pacientes para atender depois.
Desse modo, havia uma limitação do tempo que o dermatologia podia ceder para a
conversa. Uma das entrevistas precisou ser feita em duas etapas, com uma
interrupção para duas consultas. A primeira parte estava correndo um ritmo bom e o
entrevistado estava mais relaxado para responder as perguntas e após a interrupção
já não foi possível restabelecer o mesmo clima. Por último, os dermatologistas que
foram entrevistados no final do dia de trabalho pareciam cansados e abatidos.
3.4 ANÁLISE DE DADOS
A análise do discurso apresenta quatro características principais: a preocupação da
análise refere-se ao conteúdo do texto e da fala e no modo como o conteúdo é
organizado; a linguagem do discurso é construída socialmente e sua elaboração é
escolhida entre diversas possibilidades; o discurso é uma prática social inserida em
um contexto interpretativo e tem uma determinada função; por último, o discurso é
um modo de persuadir outros a compartilharem uma visão semelhante do mundo
(GILL, 2002).
A análise dos dados coletados através das entrevistas em profundidade ocorreu em
quatro etapas: transcrição, descrição de cada entrevista por categorias, revisão das
categorias para análise do discurso e reunião dos discursos dos entrevistados por
categorias de análise para sua interpretação.
As 16 entrevistas foram transcritas na íntegra, sendo bem detalhadas para que as
características centrais da fala não fossem perdidas, resultando em 382 páginas de
transcrição dos dermatologistas somado a 28 páginas referentes a entrevista com
uma empresa de cosméticos. A pesquisadora precisou ler as transcrições diversas
vezes, “mergulhando no material estudado”, para definir quais categorias deveriam
ser descritas para que, então, os dados fossem interpretados (GILL, 2002).
A análise da pesquisa foi realizada através da interpretação dos dados sociais
coletados, os quais foram construídos no processo de comunicação. A pesquisadora
procurou perceber padrões nas entrevistas tanto suas diferenças quanto as
consistências. Além de preocupar-se com a função das falas dos entrevistados
(BAUER et al., 2002; GILL, 2002). “A análise do discurso exige rigor, a fim de
produzir um sentido analítico dos textos a partir de sua confusão fragmentada e
contraditória” (GILL, 2002, p.255)
Na coleta dos dados, a pesquisadora procurou ter atenção com as falas falsas, isto
é, quando o entrevistado não fala o que pensa, mas o que acha que o entrevistador
gostaria de escutar. Quando as falas falsas passam despercebidas podem acarretar
em erros de interpretação dos dados sociais. Ainda, a pesquisadora deve perceber e
analisar os silêncios como parte do conteúdo a ser interpretado (BAUER et al., 2002;
GILL, 2002).
Para facilitar a leitura do trabalho, alguns trechos das entrevistas sofreram uma
revisão, a fim de torná-los mais inteligíveis, uma vez que a passagem da linguagem
oral para a escrita envolve mecanismos de transcrição, que, muitas vezes, tornam
as sentenças difíceis de compreender.
3.4.1 Limitações do método
Por último, é necessário comentar algumas limitações do método proposto nesse
estudo. O número de entrevistados nesse estudo exploratório não pretendeu ser
representativo, portanto, as achados do trabalho não podem ser generalizado para
outros grupos (AAKER et al., 2004; MALHOTRA, 2006).
Além disso, outras limitações do método decorrem do fato de o entrevistado relatar
histórias e trazer informações que ocorreram em outro contexto, em tempo e
espaço; de uma possível distorção da realidade pelo entrevistado; e do entrevistado
descrever seu relato baseado nos valores pertencentes ao seu self. Esses fatores
podem levar o pesquisador a realizar interpretações equivocadas da realidade
estudada. Além disso, em entrevistas em profundidade o pesquisador pode
interpretar de forma enviesada o discurso dos entrevistados, analisando os dados
sob seu ponto de vista (AAKER et al., 2004; GASKELL, 2002).
No documento
BELEZA E ENVELHECIMENTO: a visão de um grupo de dermatologistas sobre seus pacientes e os produtos anti-idade.
(páginas 51-62)