• Nenhum resultado encontrado

2 Sociedade de consumo

2.3 A formação da sociedade de consumo

2.3.4 Colin Campbell (1940)

Outro autor que nos auxilia compreender o consumismo moderno é Colin Campbell. Em sua obra A ética romântica e o espírito do consumismo moderno (2001), apresenta a tese na qual a sociedade consumista foi erigida a partir de mudanças no comportamento do consumidor na Inglaterra do século XVIII. Afirma que, se no período anterior (séculos XVI e XVII), a ética protestante estava direcionada para a produção e poupança, a romântica (a partir do XVIII) apontava para o consumo e o dispêndio.

Segundo o autor, o consumismo moderno não pode ser entendido sobre três perspectivas, como tradicionalmente os historiadores econômicos o fazem: 1º) não é fruto da Revolução Industrial, já que o aumento da produção – proporcionado pelas mudanças nas técnicas fabris – só pode ser entendido se há uma demanda reprimida por parte do consumidor; 2º) não é consequência do aumento populacional – tendo em vista que não há correlação entre crescimento e demanda; 3º) não é consequência do aumento da renda, visto que não é automático o uso da renda excedente para satisfazer novas necessidades (CAMPBELL, 2001).

Dessa maneira, Campbell afirma que foi a mudança de comportamento o elemento fundante para se compreender o fenômeno do consumismo moderno:

Reconhecendo que a solução para o problema de justificar o crescimento da procura não pode ser encontrada numa consideração quer de superioridade numérica, quer de poder aquisitivo, os historiadores econômicos foram obrigados a aceitar que a resposta devia ser buscada em alguma mudança daqueles valores e atitudes que presidem o consumo. Crescentemente, portanto, encontram-se referência ao papel desempenhado

por “uma nova atitude moral para com a aquisição pelo consumidor” (CAMPBELL, 2004, p. 33).

A partir dessa diferenciação inicial, Campbell inicia suas explicações acerca do consumismo moderno, afirmando que as explicações econômicas não interpretaram corretamente a revolução no consumo e do consumidor:

Pretendendo encontrar uma explicação para a revolução do consumo do século XVIII, a descrição “padrão” aceita pelos historiadores econômicos foi considerada insuficiente. No essencial, é um modelo que coloca a ênfase na emulação e, no entanto, nenhuma boa razão é apresentada para explicar por que as pessoas devem ter- se tornado mais ativamente emulativas nessa época. Os fatores mencionados são ou a manipulação do mercado – corretamente encarada como sendo em grande parte dependente da existência, anterior, da configuração da moda moderna – ou a própria moda que, a um exame mais atento, parece ser o comportamento emulativo sob um outro nome. Bem pode ser que, se a procura tiver sido a chave para a Revolução Industrial, então a moda terá sido a chave para esta procura, mas até o momento não se ofereceu nenhuma explicação adequada quer para a origem, quer para o funcionamento desse fenômeno (CAMPBELL, 2001, p. 54-55).

Vê-se nessa passagem que Colin Campbell não se deixa convencer pela tese de Veblen sobre a classe ociosa e seu consumo conspícuo, e nem pela tese de Simmel, na qual a moda é o fator propulsor do consumismo moderno.

Para ele, esses elementos compõem uma explicação macro sobre a revolução do consumo no século XVIII, porém não é suficiente. Assim Campbell avança a explicação apontando novos componentes:

Certos aspectos cruciais foram observados, porém, a respeito da revolução do consumo. Ela foi, por exemplo, uma questão predominantemente de classe média (pelo menos no estágio inicial) e constituiu, sobretudo, numa nova procura de produtos supérfluos ou de luxo. Ao mesmo tempo, esteve claramente relacionada com as mudanças maiores que estavam tendo lugar na sociedade inglesa, que envolveram uma alteração nos valores e atitudes. Exemplos óbvios, neste caso, são o entusiasmo pelo lazer e as atividades das horas de lazer, a ascensão do romance com a correlata procura de ficção, e o culto ao amor romântico (CAMPBELL, 2001, p. 55).

A partir dessa constatação, afirma que:

A única alternativa razoável que se apresenta é que a revolução do consumo, na realidade, foi levada adiante por meio de uma ética do consumidor especificamente burguesa, uma série de valores e crenças que estavam definidos para esse setor da sociedade inglesa e que serviram para justificar não somente a leitura de ficção e o comportamento romanticamente motivado, como também a indulgência com o consumo de luxo (CAMPBELL, 2001, p. 56).

Campbell buscou assim compreender como havia ocorrido a mudança no comportamento do consumidor moderno e qual era o mistério que envolvia essa nova ética burguesa:

Pois a verdade é que existe um mistério que rodeia o comportamento do consumidor ou, pelo menos, há um mistério que rodeia o comportamento dos consumidores nas sociedades industriais modernas. Não diz respeito à sua escolha dos produtos, nem às

razões por que alguns grupos apresentam padrões de consumo diferentes dos outros. Nem envolve a questão sobre quanto de um produto uma pessoa consente em comprar por um dado preço, nem a que espécie de forças subconscientes podem influir nessa decisão. O mistério é mais fundamental do que qualquer desses e se refere à própria essência do consumo moderno – a seu caráter, como uma atividade que envolve uma busca interminável de necessidades; o aspecto mais característico do consumo moderno é essa insaciabilidade. Como observa Fromm, “o homem contemporâneo tem uma fome ilimitada de mais e mais bens”, ou, como o expressa Neill, o consumidor moderno deve aprender a “tensão econômica”, isto é, a compreensão de que todas essas necessidades de desejos jamais serão satisfeitas. Isso nunca pode acontecer, por causa do processo aparentemente interminável da reposição, que assegura: “quando uma necessidade é preenchida, diversas outras habitualmente aparecem, pare lhe tomar o lugar” (CAMPBELL, 2001, p. 58).

Nessa passagem, Campbell nos dá pistas de como o comportamento do consumidor moderno passou por alterações bruscas. Além de apontar para a “insaciabilidade” das necessidades humanas, deixa subentendido que a Revolução Industrial – com sua capacidade de sempre criar novos objetos – produziu uma nova forma dos indivíduos se relacionarem com tais inovações. Essas são, por sua vez, as propulsoras de novas necessidades, como afirma:

O consumidor moderno se caracteriza por uma insaciabilidade que se eleva de uma básica inexauribilidade das próprias carências, que se levantam sempre, como uma fênix, das cinzas das suas antecessoras. Consequentemente, mal uma se satisfez e a outra já se acha à espera preparada, reclamando a satisfação; quando esta é atendida, uma terceira aparece, então subsequentemente uma quarta, e assim por diante, aparentemente sem fim. O processo é ininterrupto. Raramente pode um habitante de sociedade moderna, não importa quão privilegiado ou opulento, declarar que não há nada que esteja querendo. Que isso deva ser assim nos causa admiração. Como é possível às necessidades aparecerem com tamanha constância, e de uma forma tão inexaurível, especialmente quando se referem, tipicamente, a novos produtos e serviços? (CAMPBELL, 2001, p. 59)

Campbell, com essa observação, nos permite compreender que a revolução ocorrida no fenômeno do consumo moderno está na relação existente entre o sujeito – consumidor – e o objeto criado. No entanto, nos apresenta a tese na qual afirma que diferentemente do consumidor tradicional – que visava à satisfação por meio da aquisição do objeto –, o moderno consome em busca do prazer. Contudo essa chave compreensiva sobre o consumismo moderno só pode ser entendida a partir da diferenciação que Campbell faz sobre o hedonismo:

Como seu tradicional antecessor, o hedonismo moderno é ainda, basicamente, uma questão de conduta arrastada para a frente pelo desejo da antecipada qualidade de prazer que uma experiência promete dar. O contraste, porém, é considerável. Em primeiro lugar, o prazer é procurado por meio de estimulação emocional e não meramente sensorial, enquanto, em segundo, as imagens que preenchem essa função são ora criadas imaginativamente, ora modificadas pelo indivíduo para o autoconsumo, havendo pouca confiança na presença dos estímulos “reais”. Esses dois fatos indicam que o hedonismo moderno tende a ser encoberto e auto-ilusivo, isto é, os indivíduos empregam seus poderes imaginativos e criativos para construir imagens mentais que eles consomem pelo intrínseco prazer que elas proporcionam, uma prática que se descreve melhor como de devanear ou fantasiar (CAMPBELL, 2001, p. 114).

Além desta variável, Campbell aponta uma outra, para sustentar as modificações no padrão dos consumidores modernos. Como vimos acima, ele afirma que a ética romântica se diferencia da protestante, no que a primeira está relacionada ao consumo e ao dispêndio, enquanto a segunda esteve ligada à poupança e à produção.

Para confirmar esta hipótese, Campbell faz uma incursão sobre o século XVIII, para aferir quais elementos produziram tal mudança, e apresenta a tese na qual afirma que foi com o desenvolvimento do movimento romântico que o consumismo moderno surgiu.

A relação estabelecida é a de que no romantismo surgiram elementos que produziram rompimentos nos padrões de comportamento. Enquanto a ética puritana – protestante – esteve ligada ao acúmulo (como preconizava Max Weber), a ética romântica – moderna – ligou-se ao dispêndio. O elemento explicativo para tal alteração foi o surgimento do boemismo:

A boêmia é a corporificação social do romantismo, sendo o boemismo a tentativa de tornar a vida ajustada aos princípios românticos. Por conseguinte, é aqui que as ilustrações mais óbvias e bem definidas do ideal romântico de caráter devem ser encontradas na sociedade moderna. Ela também serve como o melhor exemplo dessa tendência fundamental e essencialmente moderna de valorizar o prazer acima da utilidade e, consequentemente, a voluptuosidade acima da opulência. O estereótipo corrente de um artista morrendo de fome e vivendo num sótão vazio, intermitentemente trabalhando em sua arte e se envolvendo em acessos de irresponsável agitação e dissipação, revela muito claramente essa preferência básica. É uma prioridade inversa à do ascetismo e satisfação que caracterizam a burguesia de feição comercial, pois, enquanto esta última se mostra apta a restringir seus prazeres – enquanto incessantemente faz acréscimos a seu conforto –, o boêmio prontamente inclui a privação na busca de prazeres (CAMPBELL, 2001, p. 273-274).

Nesse ponto fica claro que Campbell não aceita a tese de Veblen de que o consumismo moderno se instaura a partir da ascensão de uma classe ociosa, mas sim a partir de alterações nos padrões de comportamento, do surgimento de uma ética do dispêndio. Para ele, a burguesia puritana (do século XVI), dada ao acúmulo, será a mesma burguesia dada ao dispêndio no XVIII em diante, como afirma a seguir:

Mais especificamente, o romantismo proporcionou aquela filosofia de “recreação” necessária a uma dinâmica do consumo: uma filosofia que legitima a procura do prazer como um bem em si mesmo e não meramente de valia por restituir o indivíduo a uma plena eficiência. (...). Ao mesmo tempo, o romantismo assegurou o amplamente difundido gosto básico pela novidade, juntamente com o suprimento de produtos “originais”, necessários a que o padrão da moda moderna funcionasse, algo bem ilustrado por um reconhecimento da função central que a boêmia preenche como o laboratório social e cultural da sociedade moderna, tão crucial em relação ao consumo como a ciência e a tecnologia o têm sido para a produção. De todas essas maneiras, o romantismo serviu para proporcionar o apoio ético para esse padrão inquieto de consumo que tão bem caracteriza o comportamento do homem moderno (CAMPBELL, 2001, p.281-282).

Campbell, ao apontar para o fenômeno do hedonismo moderno, nos concede uma abordagem sócio-antropológica que difere das visões tradicionais. Assim as explicações puramente econômicas afrouxam-se com as alterações e as determinações comportamentais ocorridas a partir do período em questão.