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PARTE I – COLONIALIDADE DO SABER

PARTE 2 COLONIALIDADE DO PODER

BREVE INTRODUÇÃO À PARTE 2

Nesta segunda parte da tese, discutimos a colonialidade do poder a partir do debate sobre indústria cultural, seguindo a perspectiva da teoria crítica da comunicação para analisar o papel da Rede Globo de Televisão e sua grade de programação na produção de subjetividades da sociedade brasileira. Trabalhamos o conceito cunhado por Theodor Adorno e Max Horkheimer para recuperar a crítica marxista necessária aos meios de comunicação e suas formas de reprodução de hegemonia que estruturam o pensamento social do país, atuando de maneira simbólica e conformando mundos possíveis dentro da cultura.

Na abertura dessa parte, intitulada Instâncias coloniais de poder - Indústria cultural e Rede Globo de Televisão, abordamos a conceitualização sobre indústria cultural dos teóricos da comunicação com um olhar para o debate de classes, pensando como a televisão, desde os seus primórdios, produz processos de silenciamentos de determinados aspectos da vida da população para enaltecer seus interesses comerciais, econômicos, financeiros e políticos ligados ao capital e ao poder.

No terceiro capítulo desta tese, intitulado Grade de programação e mulher- máquina, desenvolvemos a ideia de conformação de determinados temas dentro de uma grade de programação, que, ao se utilizar da performance de uma apresentadora, molda o debate sobre a) a cultura popular e um entendimento do conceito para fins específicos, b) a celebração da mistura e do hibridismo cultural do país seguindo o mote da diversidade e c) a representação das periferias do Brasil e suas potências, principalmente das favelas do Rio de Janeiro.

No quarto capítulo, intitulado Tentativas de conciliação de classes, através da análise de dois episódios do programa Esquenta!, a) um relacionado à repercussão do assassinato do dançarino Douglas Rafael Pereira da Silva (DG) em 2014 e b) outro referente às relações entre patroas e empregadas domésticas em 2016, pensamos como a indústria cultural camufla o genocídio da população negra no Brasil e naturaliza relações de exploração de trabalho, no item c) Nem junto, nem misturado, apenas desigual.

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ABERTURA - Instâncias coloniais de poder - Indústria cultural e Rede Globo de Televisão

Ramón Grosfoguel (2008) entende a colonialidade do poder enquanto matriz de poder no mundo colonial/moderno, ou seja, como “um conceito que tenta integrar, como parte de um processo estrutural heterogéneo, as múltiplas relações em que os processos culturais, políticos e económicos se enredam com o capitalismo enquanto sistema histórico” (GROSFOGUEL, 2008, p. 134). Vários autores do Grupo Modernidade/Colonialidade debatem a estreita relação da criação da modernidade e da racionalidade com o desenvolvimento da colonialidade, sendo, portanto, retroalimentada pelo paradigma ocidental/eurocêntrico.

Aníbal Quijano também debate a colonialidade do poder entendendo que a estrutura colonial de poder produziu as discriminações sociais posteriormente categorizadas como étnicas, raciais, antropológicas ou nacionais, criadas justamente para explorar e dominar em escala global (QUIJANO, 1992). Nesse sentido, a colonização dos imaginários dos dominados, tanto na produção de conhecimento quanto de cultura, precisa ser problematizada enquanto manutenção das estruturas de poder, porque a colonialidade continua sendo o modo mais geral de dominação do mundo atual, já que o colonialismo como ordem política explícita foi destruída (QUIJANO, 1992)85.

Para debater os atuais processos de silenciamentos carregados de violência simbólica, que eventualmente se materializam também na violência física, recuperamos um debate sobre os meios de comunicação e sua relação com a manutenção das estruturas de poder. Para tanto, lançamos mão de uma bibliografia controversa, por conta de suas discussões no século XX, mas que defende determinadas posições que continuam atuais e precisam ser atualizadas, fazendo as devidas adaptações ao contexto contemporâneo. Defendemos, portanto, a Teoria Crítica da Comunicação, que realiza observações científicas para pensar a emancipação social (GUSHIKEN, BEZERRA, GAYOSO, NASCIMENTO, 2017, p. 138) e que, segundo os autores, parece ser muito mais ensinada e difundida nas ciências sociais e na filosofia do que nos cursos de comunicação.

85 Tradução livre de trechos da versão em espanhol do texto Colonialidad y Modernidad/Racionalidad

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Um dos motivos é o fato de que os cursos de comunicação, enfaticamente profissionalizantes e formadores de recursos humanos para o mercado, tendem a orientar-se academicamente para o enquadramento na imaginação da indústria cultural hegemônica, embora o campo comunicacional apresente constantemente as tensões ideológicas provenientes deste debate que se alastra ainda nos dias de hoje. Nestas condições, a quem compete pensar, nas entranhas do modo de produção capitalista como experiência de modernidade, a comunicação como questão nos dias de hoje? (GUSHIKEN, BEZERRA, GAYOSO, NASCIMENTO, 2017, p. 142)

Essa tentativa de resgate epistemológico se faz necessária com o intuito de desnaturalizar construções sociais da realidade, que muitas práticas midiáticas insistem em manter como naturais e por isso imutáveis. Tal debate sério precisa ser encarado com responsabilidade, já que essa mudança nas estruturas não vai vir de conglomerados midiáticos que só têm a perder com a crítica de suas práticas. Vale ressaltar que a teoria crítica defendida nesta tese não está sendo utilizada como forma de distinção ou elitismo, muito pelo contrário, buscamos utilizá-la como ferramenta para emancipação dos sujeitos.

Vista e observada do Brasil, a partir de seus rincões litorais ou interiores, a indústria cultural, que se produz e circula em nível nacional ou regional/local, simula e dissimula um cenário que vai se naturalizando na paisagem midiática nacional: jornalismo tornou-se, propriamente, propaganda; matérias pagas passam, quase inocentes, por sérias reportagens jornalísticas; anúncios publicitários, supostamente legais, disfarçam relações pouco éticas entre proprietários de meios de comunicação e organizações públicas e privadas (GUSHIKEN, BEZERRA, GAYOSO, NASCIMENTO, 2017, p. 144).

Nesse sentido, é fundamental recuperar também as discussões sobre a centralidade da cultura e seu papel constitutivo em todos os aspectos da vida social a partir de Stuart Hall, que entende a mídia como uma parte crítica na infra-estrutura material das sociedades modernas e, ao mesmo tempo, um dos principais meios de circulação das ideias e imagens vigentes nas sociedades (HALL, 1997, p. 17). Ainda hoje, “a mídia sustenta os circuitos globais de trocas econômicas dos quais depende todo o movimento mundial de informação, conhecimento, capital, investimento, produção de bens, comércio de matéria prima e marketing de produtos e ideias” (HALL, 1997, p. 17). Nessa abordagem dos estudos culturais, buscamos, assim como Hall em

97 sua época, “repensar radicalmente a centralidade do ‘cultural’ e a articulação entre os fatores materiais e culturais ou simbólicos na análise social” (HALL, 1997, p. 32).

Após a contextualização da perspectiva dos estudos culturais86 no primeiro capítulo, trazemos aqui uma breve explicação sobre a “Escola de Frankfurt”87, origem

da teoria crítica da comunicação e também marco inicial dessa tradição intelectual, que seguia a abordagem do materialismo histórico enquanto método.

Os pensadores do grupo foram os primeiros a ver que, em nosso século, a família e a escola, depois da religião, estão perdendo sua influência socializadora para as empresas de comunicação. O capitalismo rompeu os limites da economia e penetrou no campo da formação da consciência, convertendo os bens culturais em mercadoria88 (RUDIGER, 2007, p. 139).

Segundo Marcos Nobre (2004), tal grupo estava vinculado a uma revista e a um instituto de pesquisa social com diversos pensadores, gerando um trabalho coletivo interdisciplinar com a gestão de Max Horkheimer, que cunhou o termo Teoria Crítica em texto de 1937 (“Teoria Tradicional e Teoria Crítica”). O Instituto de Pesquisa Social tinha como objetivo promover investigações científicas a partir da obra de Karl Marx, em âmbito universitário, já que na época o marxismo era marginalizado nas universidades de maneira geral.

Além de Horkheimer, Theodor Adorno e Walter Benjamin também faziam parte desta organização epistemológica. Adorno e Horkheimer escreveram, durante o exílio nos EUA, o livro Dialética do Esclarecimento (1947), referência inicial para este debate onde foi cunhado o termo indústria cultural. Essa obra engloba parte significativa dos estudos sobre a mídia nos EUA na década de 1940, mostrando o contexto de surgimento da indústria cultural estadunidense, tão consolidada que influencia até hoje a mídia mundial. Dentre as considerações, está presente a relação da indústria cultural com a publicidade e a propaganda desde sua gênese.

86 Vale ressaltar que grande parte dos teóricos dos estudos culturais britânicos e latino-americanos tiveram muita influência da teoria crítica ao pensar a comunicação, dentre eles Stuart Hall e Jesús Martín- Barbero, com um olhar atento à luta de classes a partir de Karl Marx.

87 Essa denominação apresenta algumas disputas ainda hoje pelo agrupamento de determinados autores que não necessariamente concordavam sobre todos os aspectos da obra de Karl Marx, gerando diagnósticos e interpretações diversas. De maneira geral, apesar das divergências, a Escola de Frankfurt designa “uma forma de intervenção político-intelectual (mas não partidária) no debate público alemão do pós-guerra, tanto no âmbito acadêmico como no da esfera pública entendida mais amplamente” (NOBRE, 2004, p. 20). Ver mais em NOBRE, 2004.

88 Trazemos esta citação para ratificar a importância crescente dos meios de comunicação na vida cotidiana, mas sem deixar de considerar que família, escola e religião continuam tendo grande influência na contemporaneidade.

98 Seguindo a perspectiva dos autores, entendemos indústria cultural como um processo de mercantilização das práticas artísticas e culturais onde o valor de uso fica em segundo plano em função da radicalização da importância do valor de troca. O campo artístico-cultural, dessa forma, torna-se uma dimensão da vida social capaz de produzir mais valor89.

Horkheimer, Adorno, Marcuse e outros referiram-se com o termo indústria cultural à conversão da cultura em mercadoria, ao processo de subordinação da consciência à racionalidade capitalista, ocorrido nas primeiras décadas do século XX. (...) A televisão, a imprensa, os computadores, etc., em si mesmos não são a indústria cultural: essa é, sobretudo, um certo uso dessas tecnologias. Noutras palavras, a expressão designa uma prática social, através da qual a produção cultural e intelectual passa a ser orientada em função de sua possibilidade de consumo no mercado (RUDIGER, 2007, p. 138).

Ressaltando o debate sobre a padronização da cultura em formato de mercadorias, os teóricos afirmam: “A cultura contemporânea a tudo confere um ar de semelhança. Filmes, rádio e semanários constituem um sistema. Cada setor se harmoniza em si e todos entre si” (ADORNO e HORKHEIMER, 2017, p. 7). Dessa maneira, os autores fazem a crítica acerca da indústria cultural enquanto sistema de poder que reproduz modelos hegemônicos de dominação e que difunde uma ideologia que continua subalternizando determinada parcela da sociedade de maneira geral. Aí está o sentido de manipulação através da imposição de determinados padrões de consumo e também de comportamento (DUARTE, 2010).

Grande parte da crítica à indústria cultural é que ela aliena e mercantiliza o simbólico, em detrimento da arte que se propõe a ter alguma utilidade90. Nessa época, o debate sobre o conceito de cultura, muitas vezes dividida entre cultura de massa, cultura de elite e cultura popular, promovia muitos embates sobre as utilizações dos

89 Resgatando a teoria do valor em Marx, lembramos que diferentes sociedades produzem diferentes tipos de riqueza. Diferentemente de arranjos sociais anteriores, a riqueza social no capitalismo não está em última instância ligada à riqueza material e sim à produção de valor. Entende-se que o valor é produzido pelo tempo social médio de trabalho humano, que na sociedade capitalista possui dimensões concreta e abstrata. Deste modo, caso fosse possível separar esquematicamente ambas as dimensões, o trabalho concreto seria responsável pela produção material, ou seja, pelo valor de uso. Já o trabalho abstrato seria responsável pela produção de valor e, consequentemente, pelo valor de troca, tendo em vista que sua objetivação é mediada pelo mercado. Agradeço ao Kyoma Oliveira pela contribuição nesta discussão.

90 Lembrando que Theodor Adorno tem formação em música clássica e que determinada distinção aparece diversas vezes em seus textos, mesmo que de forma subliminar.

99 termos e suas respectivas definições91. Apesar de não haver necessariamente um consenso, de maneira geral, a cultura de massa estaria relacionada à produção da indústria cultural; a cultura de elite estaria ligada às formações artísticas clássicas; e a cultura popular ao que era produzido pelo povo92. Nessa divisão estão incluídas ideias de hierarquização e distinção que buscam categorizar o que merece ser valorizado ou não. De qualquer forma, retomando nosso debate, a influência da indústria cultural é tão ampla que o mundo inteiro é forçado a passar pelo seu crivo (ADORNO e HORKHEIMER, 2017, p. 15).

Como campo teórico, a crítica de Theodor Adorno e Max Horkheimer em A indústria cultural - O iluminismo como mistificação das massas (1947), passa, por exemplo, pela questão da diversão e do entretenimento difundidos pela indústria cultural como forma de alienação, ou seja, a conveniência da cultura para atingir determinado fim que não seja o da crítica e da superação do modo de produção capitalista, mas apenas o do prolongamento do trabalho alienado93.

Na base do divertimento planta-se a impotência. É, de fato, fuga, mas não, como pretende, fuga da realidade perversa, mas sim do último grão de resistência que a realidade ainda pode haver deixado. A libertação prometida pelo entretenimento é a do pensamento como negação. A imprudência da pergunta retórica: ‘Que é que a gente quer?’ consiste em se dirigir às pessoas fingindo tratá-las como sujeitos pensantes, quando seu fito, na verdade, é o de desabituá-las ao contato com a subjetividade (ADORNO e HORKHEIMER, 2017, p. 41).

Importante lembrar que a crítica de ambos os autores se dá principalmente acerca do rádio e do cinema94, que, na época em que tais contrapontos foram feitos, eram considerados os maiores representantes da indústria cultural em termos de alcance

91 São muitos os autores da Escola de Frankfurt e da Escola de Birmingham, além dos estudos culturais latino-americanos, que se dedicaram à discussão sobre o conceito de cultura e sua relação com a indústria cultural, além de teóricos da sociologia, antropologia, psicologia etc. Pensando a relação com a televisão, temos alguns que servem de referência nesta tese: Umberto Eco (2006) em Apocalípticos e Integrados faz um apanhado geral deste debate que tenta superar algumas dicotomias. Douglas Kellner (2001) em A cultura da mídia também procura contextualizar essa discussão. Raymond Williams em Televisão (2016), Pierre Bourdieu em Sobre a televisão (1997) e Dênis de Moraes em Crítica da Mídia (2016) também trazem críticas acerca deste meio de comunicação e suas problemáticas.

92 Essa estratificação da cultura em níveis, construída sócio historicamente, foi analisada mais detalhadamente no primeiro capítulo da minha monografia sobre o programa Esquenta! em 2011. 93 Não aprofundaremos o aspecto específico da recepção do público aos produtos da indústria cultural, mas ressaltamos que discordamos do quesito passividade dos espectadores para pensar o contexto contemporâneo da mídia. Defendemos as mediações a partir das discussões de Jesús Martín-Barbero, a serem complexificadas ainda neste capítulo.

94 A crítica se estendia também às revistas (semanários) e ao jazz, mas não entraremos neste debate por não se relacionar diretamente com o escopo deste capítulo.

100 de público e difusores de ideias capitalistas. Segundo eles, a indústria cultural estaria relacionada ao lazer e ao tempo ocioso de trabalho, porque “a diversão é o prolongamento do trabalho sob o capitalismo tardio. Ela é procurada pelos que querem se subtrair aos processos de trabalho mecanizado, para que estejam de novo em condições de enfrentá-lo” (ADORNO e HORKHEIMER, 2017, p. 30). Segundo os autores, essa tentativa da indústria cultural se mostra portanto eficaz no estímulo ao afastamento do pensamento crítico ao procurar preencher o tempo ocioso do trabalho com uma programação majoritariamente “leve” e livre de contestação para que, no dia seguinte, o trabalhador esteja apto novamente a continuar sendo explorado, já que, devido ao cansaço e ao deslocamento até o trabalho, não há um tempo específico dentro do período de descanso para articulações políticas que alterem o que está estabelecido. Dessa maneira, resgatamos o debate da Escola de Frankfurt por concordar que suas críticas eram dialéticas e visavam complexificar o debate sobre a indústria cultural e sua importância na conformação de subjetividades das sociedades de maneira geral.

Os frankfurtianos se opuseram à prática de pesquisa orientada para servir aos interesses do poder estatal e das empresas de comunicação. A preocupação central dos pensadores não era melhorar o conhecimento dos processos com que se envolvem os meios e, assim, facilitar seu uso e exploração. Desejavam, antes de mais nada, problematizar a sua existência e seu significado do ponto de vista crítico e utópico95 (RUDIGER, 2007, p. 145).

Ainda nessa corrente de pensamento, destacamos Walter Benjamin, que em seu texto A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1935), faz um debate sobre a reprodução em série, a fotografia, o cinema, os avanços tecnológicos na modernidade e as relações entre arte e indústria cultural em uma época de muitas transformações sociais. Benjamin se interessava pelas discussões “úteis para a formulação de reivindicações revolucionárias na política da arte” (BENJAMIN, 2017, p. 54) e que investigavam “as contradições e ambiguidades das novidades técnicas no reino da produção cultural” (SALLES, 2017, p. 56), por isso também é importante que se recupere em alguma medida seus pensamentos ainda hoje.

Ao longo de grandes períodos históricos modifica-se, com a totalidade do modo de existir da coletividade humana, também o modo de sua percepção. A maneira pela qual a percepção humana se organiza - o meio em que ocorre - não é apenas naturalmente, mas também historicamente determinado

95 É nesse sentido da problematização que esta tese aponta a teoria crítica como uma ferramenta complexificadora e, portanto, necessária.

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(BENJAMIN, 2017, p. 58).

Seguindo o materialismo histórico, parte do debate se dava ao pensar a relação entre a produção cultural contemporânea e os avanços tecnológicos e de que maneira estas transformações também seguiam o padrão social da desigualdade. Mesmo fazendo duras críticas à alienação proporcionada pela indústria cultural, Benjamin, que tinha receio da “estetização da política operada pelo fascismo”96 (BENJAMIN, 2017,

p. 99), vislumbrava alguma possibilidade de mudança através da tecnologia, caso a mesma fosse utilizada seriamente para a emancipação dos sujeitos e a revolução através da arte.

Apesar de não fazer parte da teoria crítica especificamente, outro autor importante para o campo da comunicação no debate a partir das obras de Marx é Guy Debord. Integrante da vanguarda situacionista97, Debord corrobora com essa perspectiva crítica, defendendo que os processos de espetacularização seguem a prerrogativa de transformar tudo em mercadoria, incluindo formatar a cultura nos moldes industriais. Em A sociedade do espetáculo (1967), o autor traz 221 teses curtas em fragmentos onde faz uma leitura crítica radical das sociedades modernas (LEANDRO e CASTRO, 2017). O livro, lançado antes das manifestações de maio de 1968 na França, segue sendo referência na contemporaneidade para pensar principalmente a sociedade do consumo e a espetacularização da vida. Já no prólogo de sua obra, onde defende que a escreveu com a intenção de perturbar a sociedade espetacular, o autor afirma: “Uma teoria crítica como esta não tem que ser mudada, não enquanto não tiverem sido destruídas as condições gerais do longo período da história de que esta teoria terá sido a primeira a definir com exatidão” (DEBORD, 2003, p. 6).

Nos interessa relembrar a tese 24, em que afirma: “O espetáculo é o discurso ininterrupto que a ordem atual faz a respeito de si mesma, seu monólogo laudatório. É o auto-retrato do poder na época de sua gestão totalitária das condições de existência” (DEBORD, 2003, p. 21). Portanto pensar a sociedade do espetáculo é pensar as relações de poder, já que “toda a vida nas sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação” (DEBORD, 2003, p. 13).

96 Assim como Adorno e Horkheimer, Benjamin era um alemão judeu e sofreu perseguições do governo nazista em ascensão.

97 Debord foi um dos criadores da Internacional Situacionista em 1957, um grupo marxista com um projeto político revolucionário que durou até 1972 (LEANDRO e CASTRO, 2017).

102 Essa transformação do que é simbólico em produto a ser negociado vai além da hegemonia dos meios de comunicação, pois “o espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens” (DEBORD, 2003, p. 14). Atravessando os modos de vida, “sob todas as suas formas particulares - informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos -, o