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Comentários finais do capítulo

E. Unidade territorial

2.3. Comentários finais do capítulo

O ponto de partida para este capítulo tem lugar no sistema de aquisições que SNS institui com unidades privadas de saúde, para o fornecimento de serviços de saúde de que carece. Visou-se portanto dar um contributo para um debate analítico e sustentado em dados, que permita retratar a realidade e compreender os comportamentos dos agentes económicos em presença.

Assim, começou-se por uma descrição dos mecanismos formais que dão sustento às modalidades de interacção entre o SNS e as unidades privadas e saúde produtoras de ACD. Remete-se para o regime jurídico das convenções, passando em revista algumas das suas particularidades contratuais, dando-lhe um contexto cronológico recente, e materializando as suas consequências económicas mais imediatas com a discussão de dados recolhidos sobre a realidade do sistema de cuidados de saúde.

Defende-se a este propósito que o SNS deverá ser conceptualizado como uma estrutura produtiva integrada, a quem se impõe a exigência de estabelecer os limites da sua integração vertical de bens intermédios, à semelhança do que acontece com outros agentes económicos com funções produtivas. Nesta linha, as relações com os chamados convencionados, ou seja, empresas a quem o SNS conferiu a capacidade de aderirem a um chamado contrato tipo, numa área de especialidade médica, decorre das contingências descritas na literatura para as relações verticais entre empresas.

Em particular, é defendido que se estabeleceu com o tempo um regime de monopólio bilateral, ditado por relações de quase mútua exclusividade, a partir do qual decorrem um conjunto de consequências. A expressão de poder de mercado de um comprador com a dimensão do SNS, ditado por um monopólio de sentido descendente, determina que as empresas produtoras de ACD aproximem os seus preços de vendas dos respectivos custos marginais, num contexto em que não concorrem por preços. Neste contexto, a sobrevivência das empresas convencionadas fica aparentemente associada à capacidade de irem acompanhando necessidades crescentes de utilização de ACD, ditado por um número crescente de exames produzidos, mas com uma utilização maior de exames com valores unitários mais elevados, como acontece por exemplo com a Tomografia Axial Computorizada (TAC).

Com o propósito de se discutir os mecanismos determinantes para os níveis de produção dos convencionados observados, seguiu-se um trabalho de natureza empírico que se sustentou num tratamento de dados a partir de uma base de dados de operadores do mercado.

Não fica esclarecido se a posição concorrencial do operador está associado às variações de facturação observadas em cada convencionado, apesar de ter ficado sustentada a sugestão de que empresas com níveis intermédios de produção na amostra estudada, manifestarem maior índices de crescimento anual das vendas. Aparentemente estas variações fazem-se reflectem opções de capacidade instalada e ajuda a explicar o acréscimos marginais de despesa gerada pelos convencionados. Foi feita a inferência que este resultado traduz comportamentos dos convencionados com vista à maximização da sobrevivência associada a níveis superiores de eficiência.

Os dados dão sustento à hipótese de trabalho de que a desutilidade resultante de um custo de transporte é restrição suficiente para anular o efeito típico de produtos de experiência, onde a notoriedade e a reputação acabam por ser determinantes para a decisão do local de consumo.

A diferenciação tecnológica corresponde nestes produtores a um duplo incentivo. De um lado, encontra-se a maximização do volume de vendas com a introdução de novas

compósito disponibilizado à procura. A nova tecnologia cumpre ainda o desiderato de ganhos marginais de produtividade e a maximização da sua reputação, pois é entendido que o valor da sua actividade está associada à prestação futura de serviços que fica na dependência de lhe ser reconhecida diferenciação tecnológica no presente.

Todavia, a hipótese de trabalho de que o desenvolvimento das plataformas tecnológicas dos convencionados, num contexto em que estão impedidos de concorrer entre si com base no preço, ou de cobrarem um prémio de “qualidade” serve um propósito de diferenciação ficou por evidenciar.

Embora os dados utilizados não permitam debater o papel desempenhado pelo prescritor, é suposição teórica deste trabalho que a reputação se torna particularmente relevante no médico assistente do doente que requer os exames. É este decisor médico que terá efectivamente capacidade de aferir os ganhos de “qualidade” do convencionado. De facto, o regime jurídico das convenções instituí a liberdade de escolha pelo utente, mas fica aqui a sugestão de que a procura de serviços de diagnóstico é derivada da formação de uma opinião do próprio médico que requisita os exames. Em coerência com esta hipótese de trabalho, os processos de afirmação da notoriedade associados à incorporação tecnológica mais diferenciada deverão destinar-se, em primeiro lugar, ao decisor médico prescritor.

Em consequência, dada a função utilidade associada à utilização de ACDi pelo doente, que tem como restrição o custo de transporte, o médico prescritor poderá ter um papel da maior relevância no modo como o utente resolve este problema e na disponibilidade para uma deslocação com maior desutilidiade a uma unidade privada convencionada instalada fora da área da sub-região de saúde.

Numa fase subsequente foram processados dados que integravam a amostra de empresas da ANAUDI e dados sobre o sistema de saúde, com o tratamento segundo intervalos de tempo anuais e áreas geográficas pré-definidas ditadas pelas sub-regiões de saúde. O tratamento dos dados revela em primeira instância uma relação entre a densidade da oferta de médicos na população e a procura de serviços de ACDi. É um resultado em coerência com a ideia de que estes serviços de saúde conferem um valor instrumental para o decisor clínico. Não pode contudo deixar de ser notado que se trata de médicos inscritos na Ordem dos Médicos, por sub-região de saúde, não havendo um efeito semelhante quando se trata de aferir o impacto de médicos integrados no SNS em centros de saúde. Ora, este resultado vem em suporte da intuição corrente, de que existem mecanismos de cooperação tacitamente assumidos entre médicos fora e dentro do SNS, que permitem aos doentes ter acesso aos serviços convencionados, independentemente do seu ponto de contacto dominante com os serviços médicos decorrer num centro de saúde, ou fora dele.

A variável proxy de estado de saúde da população associada à taxa de mortalidade padronizada por diabetes mellitus revelou capacidade explicativa das variações de facturação dos convencionados estudados, por sub-região. O modelo estimado sugere que sub-regiões de saúde com maior taxa de mortalidade devido a esta doença têm maior despesa com ACDi. É um resultado em coerência com o esperado, se for assumido que a taxa de mortalidade por diabetes mellitus, por sub-região de saúde, está de algum modo associado a maior incidência e prevalência da doença nessa área geográfica.

Por fim, o resultado da variável área geográfica carece de atenção particular. Deverá ser notado que se trata de um resultado associado exclusivamente ao modelo de efeitos aleatórios. De facto, é reconhecido que os modelos de efeitos fixos tendem a desconsiderar variáveis explicativas invariantes no tempo. Como é manifesto, esta variável é invariante no tempo, pois a área geográfica das sub-regiões mantiveram-se inalteradas na série temporal estudada. Apenas poderia ter ocorrido uma alteração de área se tivesse havido uma regra administrativa, que tivesse germinado novas fronteiras para as sub- regiões de saúde do SNS.

A variável área geográfica da sub-região de saúde poderá desempenhar o papel de proxy do efeito de distância associada à procura de serviços de saúde. De que se retira, de modo fundamentado, uma especulação sobre o papel do custo de oportunidade associado à deslocação, como factor dissuasor de utilização de ACDi. No entanto, esta sugestão deverá ser moderada por algumas cautelas, pois desconhece-se com maior exactidão de que modo a estrutura da oferta dos associados da ANAUDI, e por maioria de razão da generalidade dos convencionados, é afectada pela dimensão da área da sub-região, ou mesmo da densidade populacional.

De facto, neste caso, como nas restantes variáveis com significância estatística poderá estar em causa para além de um efeito de quantidade de utilização, um efeito sobreponível de aumento de intensidade da procura com tecnologia de diagnóstico geradora de maior despesa. No caso da variável área geográfica fica por saber se em sub-regiões de maior área, haverá uma densidade de oferta menos diferenciada tecnologicamente, por razões que se prendem com a pressão concorrencial, ou menor frequência potencial de consumo dessas tecnologias. Nesse caso, a facturação denota outros efeitos que não o mero custo de oportunidade ditado pela deslocação à unidade privada de saúde produtora de ACDi.

No capítulo seguinte haverá lugar a discutir a utilização de ACDi em termos de quantidade e por família de serviço, associado a diferentes tipos de tecnologias, pelo que a questão deverá ter uma abordagem renovada a partir de um pressuposto metodológico distinto daquele que foi agora adoptado.