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Concorrência com preços fixados administrativamente

2. Análise do comportamento de produtores de ACDi convencionados com o SNS

2.1. Provisão de ACD por unidades privadas de saúde

2.1.3 Concorrência com preços fixados administrativamente

É uma decorrência das secções anteriores, constatar que há um conjunto de produtores, que fornecem o SNS de um dado produto em espaço geográficos delimitados, em relação de quase exclusividade, mas com inequívoca dependência, num sistema de preços formados administrativamente pelo comprador e igual para todos as empresas convencionadas, sem discriminação. Admite-se por simplificação formal que os convencionados, em cada área de especialidade, produzem um produto homogéneo, ditado pelo princípios gerais do teorema do produto compósito, segundo o qual, se os preços de um grupo 𝑚 de bens se alteram sempre na mesma proporção, a procura agregada dos 𝑚 bens comporta-se como se tratasse de um único produto.

Nota-se agora que está por descrever o comportamento dos fornecedores do SNS, num contexto em que é admitido a maximização do lucro, onde se supõe concorrerem entre si por consumidores, mas que estão impedidos de concorrer com base em preços, pois são fixados de modo impositivo pelo comprador.

De facto, o regime jurídico das convenções reconhece e impõe a liberdade de escolha pelo utente. Num dado espaço geográfico compete ao utente dos serviços de saúde escolher o prestador que melhor satisfaz a sua função utilidade, de entre as empresas convencionadas com o SNS para a especialidade médica em causa. É de presumir a existência de um sistema de preferências dos fornecedores do SNS de ACD, que condiciona o processo de escolha pelo utente, de que se exclui efectivamente o preço. O valor monetário associado ao consumo, ditado por uma taxa moderadora, para além de ser, pelo seu montante, simbólico, é ainda igual em todo o universo de convencionados e deverá ser sempre cobrado por exigência contratual do SNS, donde não constituirá elemento de diferenciação entre prestadores.

Tome-se agora como factor determinante na diferenciação ente prestadores a sua localização, ou seja, num dado espaço geográfico, com distribuição homogénea de consumidores e produtores de um bem intermédio homogéneo entre si, dado por um produto compósito ACD. Admite-se a existência de um qualquer espaço circular de perímetro unitário, de tal modo que nenhuma localização confere maior vantagem comparativa para um productor de ACD, pois as empresas distribuem-se ao longo do círculo e que as deslocações dos utentes aos centros produtores de ACD têm lugar ao longo deste

privadas de saúde se faz em torno de um dado centro geográfico e as deslocações se fazem segundo um eixo viário que circunda a cidade em torno desse centro geográfico, equidistante da periferia.

Neste modelo de cidade circular20 é admitido um custo de transporte normalizado

para a unidade convencionada e considera-se que os consumidores estão disponíveis a assumir o menor encargo possível, desde que não ultrapasse o excedente 𝑠   gerado pela utilização do ACD.

Considera-se que a empresa terá apenas uma localização, o que se torna plausível no caso da imagiologia (ver considerações em ERS 2009), mas seguramente menos óbvio no sector de actividade de análises clínicas, reconhecido pela existência de postos de colheitas atribuíveis à mesma empresa distribuídos geograficamente (ver ERS 2008). Há um custo de entrada 𝑓, que se torna evidente no caso da sector da Diálise, mas menos evidente nas restantes áreas da convenção. Tome-se o custo marginal 𝑐 da empresa 𝑖 e uma procura

𝐷!, então o lucro será dado por 𝑝!− 𝑐! 𝐷!− 𝑓, para a empresa que entrou no mercado,

sendo 0 no caso de ficar fora do mercado.

Tem-se assim um primeiro momento em que o SNS inaugura uma relação contratual sustentada num contrato de prestação de serviços, com 𝑛 entidades privadas que se distribuem de modo homogéneo ao longo do círculo, para num segundo as empresas competirem entre si com preços, dada as respectivas localizações.

Abreviando-se alguns passos na construção do modelo considere-se agora um momento em que as 𝑛 empresas têm um preço 𝑝 homogéneo, ditado por uma distribuição simétrica. Em consequência a empresa 𝑖 tem de facto apenas dois concorrentes, a saber, as duas empresas suas vizinhas. Assim, para um consumidor a uma distância 𝑥 ∈ 0, 1/𝑛 da empresa i, será indiferente comprar a esta empresa ou ao seu concorrente mais próximo

desde que esteja cumprida a condição 𝑝!+ 𝑡𝑥 = 𝑝 + 𝑡 1 𝑛 − 𝑥 , pelo que a procura da

empresa i é dada pela função:

𝐷! 𝑝!, 𝑝 = 2𝑥 =!!! !!!

!

! (7)

pelo que a empresa i procura maximizar

max!

! 𝑝!− 𝑐

!!! !!!!

! − 𝑓 (8)

da diferenciação em ordem a 𝑝! e considerando que 𝑝! = 𝑝 vem:

𝑝 = 𝑐 +!! (9)

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de que decorre o resultado trivial, pois a margem de lucro 𝜋 = 𝑝 − 𝑐 da empresa diminui com o crescimento de 𝑛.

Ora, da condição de lucro zero, com o número de empresas existentes na cidade circular vem:

𝑝 − 𝑐 !!− 𝑓 =!!!− 𝑓 = 0 (10)

Em consequência, num mercado de concorrência imperfeita, sem barreiras à entrada

de novas empresas, vem 𝑛!

= 𝑡 𝑓 e 𝑝! = 𝑐 + 𝑡𝑓. Daqui decorre que as empresas

trabalham com preços superiores ao custo marginal, do mesmo modo que um aumento dos custos à entrada sugere uma diminuição do número de empresas e um aumento da margem

de lucros 𝑝!

− 𝑐 . Um incremento nos custos de transporte determina, um aumento nas margens de lucro das empresas e neste mercado de cidade circular com liberdade de entrada de novos jogadores, observa-se um aumento do número de empresas. Vem ainda um custo médio de transporte para os utentes das unidades privadas de saúde dado por

𝑡 4𝑛! = 𝑡𝑓 4, que permite inferir que o custo de transporte cresce de um modo menos

rápido do que 𝑡. Por fim, num cenário de custo de entrada 𝑓 a tender para zero, o número de empresas no mercado cresce para infinito e os preços tendem a aproximar-se do custo marginal, como seria de esperar.

Considere-se agora a posição de um regulador que tem como propósito minimizar os custos de transporte e os custos fixos de entrada no mercado, que para tal deverá escolher

o número óptimo de empresas convencionadas 𝑛 = 𝑛∗ .

O problema do regulador passa a ser definido por:

min! 𝑛𝑓 + 𝑡 2𝑛 𝑥  𝑑𝑥 ! !! ! (11) de que resulta min! 𝑛𝑓 + 𝑡 4𝑛 (12) e por fim 𝑛∗=! ! 𝑡 𝑓 =! ! 𝑛! (13)

Deste resultado retira-se que o mercado com livre entrada gera demasiadas empresas. Dependerá por isso do regulador a imposição de preços que se aproximem dos custos marginais e/ou da criação de barreiras de entrada, para cumprir aquilo que agora se evocará como um problema de acessibilidade. 

É possível encontrar em Tirole (1988) referências sugestivas de que o modelo acomoda ainda cenários de distribuição de fornecedores, com abandono de relações equidistantes, mas que não serão aqui desenvolvidos por manifestamente não alterarem o essencial das conclusões. Do mesmo modo, é feita referência há possibilidade de entradas sequenciais dos fornecedores, em lugar do pressuposto aqui assumido de uma entrada simultânea, que exige uma reformulação da parametrização do modelo, mas que não parece de novo ser portadora de elementos essenciais para a discussão em vista.

No entanto, a natureza das relações de concorrência entre convencionados não se esgotam nos critérios de localização. Verifica-se que as empresas concorrem entre si, manifestando condições de oferta sugestivas de maior atractividade para o utilizador. A este propósito importa recordar que se está em presença de “bens de experiência”, por oposição

a “bens de procura”21. Enquanto nos segundos se refere em regra a produtos sobre os quais

é possível produzir informação técnica, com referências claras das suas características e desempenho, e sobre os quais recai um sistema de garantias estabelecido pela lei. No caso dos bens de experiência, só é possível conhecer efectivamente as suas qualidades depois de experimentado.

Ora, os serviços de saúde produzidos por empresas convencionadas, que caiem na categoria dos produtos de experiência. Decorre das características deste tipo de produtos, que os consumidores tendem a tratar de forma desigual os produtos que já experimentaram e aqueles que produtos nunca experimentaram. Mesmo, quando não são conhecidas razões óbvias para diferenciar os produtos entre si, o consumidor só estará disponível para experimentar um produto de que não teve experiência prévia, se as condições de preço se revelarem muito mais favoráveis. Neste caso, a condição de preço reporta-se em primeira instância ao custo de oportunidade associado ao tempo de transporte até ao centro convencionado.

De facto, por regra a investigação tem custos significativos e os consumidores não se mostram disponíveis para ensaiar todas as alternativas disponíveis no mercado, antes de fazerem a sua escolha. Em boa verdade, nem sequer se considera legítimo que isso aconteça, tratando-se de ACD, embora neste caso se pudesse fazer referência ao médico que requisita os ACD que induzisse a escolha do convencionado, com o propósito de ensaiar alternativas. Todavia, este processo de “encaminhamento” de doentes ainda que sugestivo no plano da discussão teórica, não é admissível na ordem jurídica que suporta os contratos de convenção.

Na esfera da competição por consumidores tem um papel particularmente activo o mecanismo de “boca-a-boca”, ditado por um fluxo de informação entre utilizadores das

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empresas convencionadas, que permitem deste modo abreviar os custo de investigação pelos potenciais utentes. Trata-se de um processo de divulgação de serviços informal, que permite ao utilizador tomar decisões com menor consumo de recursos.

Por fim, importa notar os processo de formação da reputação do prestador. Num ambiente em que os convencionados se encontram defendidos por um processo de condicionamento no acesso ao mercado do lado da oferta e o preço é definido de modo administrativo sem prémio associado a ganhos de qualidade, pode-se presumir que deixam de estar presentes os incentivos necessários há melhoria das condições da oferta pelos convencionados. Todavia, existem aspectos desta realidade complexa que permitem antecipar um resultado diverso (Tirole 1988).

De facto, vem a propósito recuperar a sugestão de que os convencionados se poderão encontrar com preços superiores aos custos marginais, governando-se por isso em função dos seus custos médios de produção, havendo por isso um excedente que poderá aqui sinalizar um prémio. Neste caso, por qualidade do produto não se entende a durabilidade do produto vendido, mas antes a capacidade de satisfazer as necessidades expressas do consumidor numa dada função utilidade.

Ora, num sistema convencionado a relação com o consumidor não se esgota num contacto, por regra tem uma natureza reiterada no tempo e reproduz-se por outros utentes de um dado espaço geográfico. Nestes termos, é crucial para o convencionado a promoção da sua reputação, como critério de sobrevivência e de diferenciação dos restantes convencionados. É neste quadro, que têm lugar os processos de (re)apetrechamento tecnológico, capazes de satisfazer as necessidades de diagnóstico dos médicos prescritores e consumidores da informação de diagnóstico produzida pelos convencionados, como não é menos relevante a produção de amenidades que desencadeiem nos utentes satisfação derivada do conforto, prontidão e capacidade de resposta às suas solicitações.

Contudo, não se pode deixar de fazer eco do regulador (ERS 2006), quando expressa preocupação por nalgumas áreas convencionadas estarem a ser praticados preços muito baixos, estando em causa o interesse das empresas prosseguirem a sua actividade nessas áreas, como ainda temer pela quebra de qualidade dos serviços prestados.