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COMIDA, VISIBILIDADE E COMUNICAÇÃO DE ESTILOS DE VIDA

O CONTEXTO: A CIDADE DE AMSTERDÃ

3. ALIMENTAÇÃO E COMUNICAÇÃO DE IMIGRANTES EM MEIO À ACELERAÇÃO DOS FLUXOS GLOBAIS

3.3. COMIDA, VISIBILIDADE E COMUNICAÇÃO DE ESTILOS DE VIDA

Do mesmo modo que imigrantes carregam consigo muitos hábitos relativos à alimentação, em sentido inverso, inevitavelmente

comunidades virtuais - tornam-se laços, espaços de celebração em torno de

acabam incorporando novos alimentos e práticas que passam a constituir seus estilos de vida em ambiente migratório. Já defendeu Giddens (2002) que nas sociedades modernas o universo de escolhas é amplo e complexo, refletindo-se também na diversidade de estilos de vida105. Na mesma medida, é possível dizer que o modo de comunicar ou dar visibilidade aos estilos de vida também vem passando por reformulações e se diversificando.

No que se refere aos sujeitos desta pesquisa, fotos de comidas, de locais onde comem, de experiências culinárias também podem ser vistos como meios de comunicarem seus estilos de vida concretizados ou imaginados. Embora essas práticas relacionadas à comida não se constituam como algo exclusivo daqueles sujeitos para quem os aspectos culturais relacionados à alimentação constituem um fator relevante em suas experiências migratórias, as mesmas ganham relevância na medida em que revelam o que também incide na sua relação com e a partir da comida.

Na concepção de Appadurai (1990), o mediascape (paisagens midiáticas) constitui-se como algo desencadeador para a produção de imaginários e de comunidades imaginadas por indivíduos desterritorializados ao redor do mundo. Mas, como já foi acenado, estes imigrantes também exercem um papel na disseminação de imaginários associados à globalização. No que concerne aos fluxos relacionados à alimentação, o compartilhamento de imagens e textos relacionados à comida, em especial através das redes sociais, pode ser concebido como um meio pelo qual esses indivíduos também vêm fundando e dando visibilidade aos seus imaginários cosmopolitas na cidade de Amsterdã. Isso inclui comer novas comidas, frequentar restaurantes relacionados a outras culturas alimentares, adotar hábitos referentes a outros contextos culturais além do holandês, conviver com indivíduos de nacionalidades distintas e, consequentemente, com hábitos alimentares variados.

Nessa medida, o aprimoramento das tecnologias da comunicação e a maneira como se configuram as redes sociais também viabilizam

105 Explica Giddens (2002) que na alta modernidade, dada a mudança maciça sofrida pelo eu, não haveria alternativa quanto ao seguir estilos de vida; num importante sentido, seríamos obrigados a fazê-lo, diante da falta de alternativa, a não ser escolher.

outras possibilidades de visibilidade às imigrações. A propósito das tecnologias em vigor, Appadurai (2005) lembra que foram criadas novas formas comunicação em escala transnacionais, muitas vezes ignorando como intermediários a vigilância do Estado-nação e dos grandes conglomerados de mídia. Através do aumento dessas possibilidades comunicativas, vários indivíduos divididos territorialmente ainda assim estão formando comunidades imaginárias e de interesse, orientadas para suas posições e vozes a partir da diáspora. Na mesma concepção, Nonini e Ong (1997, p. 323-332) observam que o transnacionalismo e o que denominam "tecnologias de contato" afetam a extensão, intensidade e rapidez das ligações dos imigrantes com outros contextos, ao mesmo tempo em que colocam em cena "novas subjetividades na arena global".

Retomando a perspectiva da visibilidade de imaginários cosmopolitas relacionados à comida, dada por alguns destes imigrantes através das tecnologias da comunicação, Vertovec (2006, p. 14-15) lembra dos novos potenciais associados ao desenvolvimento dessas tecnologias no panorama atual, ao permitirem comunicação contínua e em tempo real entre as redes globais de migrantes, e observa que tanto migrantes contemporâneos como processos de migração têm sido dependentes ao mesmo tempo em que têm contribuído para o aumento da interconectividade de pessoas e sociedades ao redor do mundo. O autor ainda estima que, a longo-prazo, o potencial relativo às interconexões resultantes do transnacionalismo migrante possam contribuir para o movimento de "uma globalidade compartilhada" em direção a "um futuro cosmopolita globalmente compartilhado".

Foto 18: Prato de "camarão ao alho" preparado por imigrante do Brasil

Fonte: Arquivo pessoal

Acima, a imagem do "camarão ao alho" feito por Tadeu (54 anos) em Amsterdã. Este imigrante costuma fotografar muitos dos pratos que elabora e enviar sobretudo à família que vive no Brasil. Esta é uma das imagens que ele enviou especialmente para uma sobrinha e afilhada, com a intenção de convencê-la a visitá-lo no país holandês. O envio dessa imagem não é somente uma maneira de mostrar à sobrinha as habilidades culinárias que desenvolveu ao longo dos anos fora do Brasil, mas consiste também em uma forma de convencê-la a compartilhar, ao menos por alguns dias, o estilo de vida que mantém em Amsterdã, onde a comida ganha um papel referencial.

Postagens com imagens sobre comida nas redes sociais ou enviadas por telefones móveis também podem atuar como um meio de dar visibilidade a como esses indivíduos estão sendo bem sucedidos em seus projetos migratórios. Descobrir e adotar o modo como holandeses comem o stroopwaffel, como retrata a imagem abaixo, postada no

Facebook por Débora (24 anos), ir a determinados restaurantes

relacionados a outras culturas alimentares ou provar novas comidas, ter acesso a produtos inabituais, além do que já foi mencionado, também constituem uma forma de dar visibilidade às suas aspirações individuais realizadas com a imigração, o que inclui a visibilidade social possibilitada por essas mídias.

Figura 8: Postagem de chá com Stroopwaffel - biscoito tradicional da Holanda

Fonte: www.facebook.com

Como observam Miller et. al. (2016, p. 17), ao passo que as mídias sociais criam um certo estresse adicional sobre a aparência pública ou mesmo uma pressão para "aparecer feliz on line", também se tornaram um lugar onde as pessoas podem articular visualmente seus anseios por uma vida feliz. Segundo esses autores, isso ainda fica mais evidente com relação a algumas camadas sociais emergentes. Levando

essas considerações em conta, publicar imagens relacionadas a preparações culinárias ou ao que se come também indica a possibilidade de se expressar a aquisição ou detenção de um determinado capital cultural ou mesmo capital culinário. Nesse sentido, cabe reportar a Naccarato e Lebesco (2012) que, sustentados na tese de Bourdieu (2003), segundo a qual se acessando diferentes formas de capital cultural os indivíduos adquirem status e poder, dirigem seu foco para as práticas alimentares individuais, as concebendo como marcadores de status social por meio da detenção de capital culinário. Nesse processo, diferentes espaços culturais e instituições contribuiriam em tal sentido (propagandas, televisões a cabo, comunidades na internet)106.Nessa mesma concepção, talvez valha retomar o conhecido aforismo de Brillat-Savarin107 (diz-me o que comes e dir-te-ei quem és), mas considerando uma versão mais condizente com alguns dos imaginários que se vêm constituindo a partir da comida nas mídias sociais: diz-me o

que comes e dir-te-ei quem queres ser. No caso de imigrantes, construir

uma imagem (de si próprio), onde a comida ganha centralidade, condiz com alguns de seus propósitos, sobretudo quando se toma como parâmetro de análise muitos dos projetos migratórios desses indivíduos, nos quais a comida exerce um papel relevante como experiência cultural a ser vivenciada e integrada aos seus estilos de vida.

Fotografar comidas, fazer upload de fotos de comidas, olhar para fotos de comidas de outras pessoas ou ainda difundir imagens sobre o tema nas redes sociais são atos que não se restringem a quem está em condição migratória. Entretanto, ao se contextualizar essas práticas no âmbito desses movimentos, ainda é possível entendê-las como ações que, em muitos casos, revelam como esses indivíduos se tornam sujeitos dos seus movimentos, a partir da maneira que criam ou recriam narrativas sobre suas histórias de vida num outro contexto.

106 Cabe também fazer uma menção à concepção de estilo de vida nos termos de Bourdieu (1983, p. 82): "O estilo de vida está vinculado ao habitus, pois o gosto, propensão e aptidão à apropriação (material ou simbólica) de uma determinada categoria de objetos a práticas classificadas é a fórmula operativa que está no princípio do estilo de vida".

A capacidade das imagens de comidas transcenderem aspectos relativos ao ato alimentar ou mesmo evocarem outras dimensões associadas a esse fenômeno foi adiantada por Barthes (1982, p. 79), ao explorar as fotografias de comidas da revista Elle. Conforme o autor, essas imagens evocam a dimensão mítica da cozinha, sua capacidade de instigar o sonhar através de pratos, cujo consumo, "pode ser perfeitamente esgotado apenas pelo olhar".

No caso dessas imagens produzidas por imigrantes, enquanto reportam a uma dimensão imaginária relativa à comida, muitas delas incluindo seus anseios cosmopolitas, também mostram um outro aspecto da incidência dos processos globais na alimentação, ou seja, como a mobilização de pessoas e ideias contribui para que imaginários relacionados à globalização sejam nutridos através da comida. Como chama a atenção Phillips (2006), trabalhadores migrantes, refugiados, populações realocadas, imigrantes, estudantes, turistas e demais viajantes teriam um papel importante na reprodução e expansão de ideias sobre alimentação e sistemas alimentares, ainda que nem todos na mesma extensão ou de igual maneira.

As interações que ocorrem nas redes sociais como Facebook, muitas vezes, não ultrapassam a esfera do virtual ou então, depois da primeira conexão estabelecida de modo presencial, se perpetuam somente no campo virtual. Todavia, uma vez estabelecida essa conexão via internet, é possível manter uma certa comunicação, mesmo que breve ou a partir de uma "curtida" em uma imagem ou comentário. É possível dizer que essa comunicação não apenas é provocada, mas também fomenta, de alguma maneira, que indivíduos compartilhem algo de seu cotidiano, ideias ou imagens em tempo real e em países muitas vezes absolutamente distantes. Ressaltando o papel cada vez mais presente e inelutável das tecnologias da comunicação, Miller et al. (2016) rejeitam a ideia do virtual como a de um mundo on-line à parte, o defendendo como algo integrante da vida cotidiana que devemos olhar da mesma maneira pela qual agora concebemos o lugar da conversa telefônica, isto é, como uma esfera integrada à nossa vida e não como algo separado.

Portanto, nesse mesmo panorama onde também se disseminam outros fluxos culturais ligados à comida, a difusão de imagens, ideias ou experiências relacionadas a este tema, também pode revelar como

indivíduos desterritorializados vêm se relacionando a partir da comida e a heterogeneidade de significados atribuídos à alimentação a partir de um determinado contexto. No caso de Amsterdã, inseridos na dinâmica global da cidade, estes indivíduos fotografam ou compartilham imagens de comidas ou ideias de algo que certamente deva fazer algum sentido para cada um deles, o que inclui significados a respeito do que representa viver em um outro país.

4. IMIGRAÇÃO, SAÚDE E MEIO AMBIENTE: NOVAS