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CAPÍTULO IV: ABORTO LEGAL NO BRASIL: ENTÃO EU POSSO FAZER?

2. Iniciativas institucionais e profissionais

2.3. Comissão de Aborto Legal da Febrasgo

A partir dos anos 1980-1990, feministas e médicos iniciaram um diálogo que se transformou numa parceria fundamental para a implementação da atenção à mulher em situação de violência sexual. A discussão sobre o aborto avançou especialmente no espaço da ginecologia e obstetrícia, nos anos 1990, por influência da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia – Febrasgo.

Sem dúvida a Febrasgo, entre os atores, se destaca muito. Nesse período que eu estava monitorando a mídia, os profissionais de saúde vinculados à Febrasgo já falavam desse lugar de associação médica e isso dava um grande respaldo. Mas sem dúvida, também dentro da Febrasgo, o Professor Faundes foi uma grande influência (Entrevista Nº 08. Filósofa / mestre em Jornalismo / feminista).

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Informações mais detalhadas podem ser encontradas nos relatórios do Fórum, por meio da Febrasgo, nos endereços: <www.febrasgo.org.br>, ou <Publicações@febrasgo.org.br>.

A Febrasgo fez um movimento muito interessante. Ela tinha uma Comissão que se chamava de medicina psicossomática, de ginecologia psicossomática e eu fui chamado algumas vezes para dar aula nessa Comissão sobre as conseqüências da violência sexual e como este problema levava a doenças psicossomáticas nas mulheres: dores crônicas, alterações menstruais etc. O Coordenador desta comissão elogiou muito o trabalho. Já existia o programa no Hospital Jabaquara e algumas publicações a respeito. E aí, numa reunião da Febrasgo, ele convenceu o presidente, na época Dr. Hildoberto, que deveria ter uma Comissão de aborto legal (Entrevista Nº 06. Médico obstetra / Febrasgo).

No II Fórum realizado em Campinas, o assunto voltou a ser discutido. Pouco depois o presidente da Febrasgo tomou a decisão de criar a Comissão de Aborto Legal, sob coordenação ao Dr. Jorge Andalaft, um dos médicos que faziam parte da equipe do Hospital Jabaquara. Na gestão seguinte, assumiu a presidência da Febrasgo, Dr. Edmundo Baracat, que mantém a Comissão. Posteriormente ela muda de nome e passa a chamar-se Comissão de Violência Sexual e Aborto Previsto por Lei, sendo considerada hoje uma das mais ativas.

Nos Congressos nacionais promovidos por esta Federação são realizados cursos, conferências e debates sobre os casos previstos em lei, sobre malformações congênitas graves e irreversíveis e sobre o abortamento inseguro como causa de morte materna.

A atuação dos médicos tem sido fundamental para a implementação de serviços. Por um lado considera-se que esta atuação foi influenciada pelo movimento feminista, por outro, há quem veja na Febrasgo um sujeito responsável muitas vezes por pautar a discussão com as mulheres, exigindo o seu apoio para as ações desenvolvidas nos serviços de saúde.

Pelo que eu acompanhei (...) havia um grande investimento desse campo feminista com os profissionais da Febrasgo, porque ali tinha uma resposta à altura e muitas vezes, para ser sincera, os profissionais vinculados à Febrasgo é que incentivavam essa interlocução. Talvez ela não fosse tão intensa se da parte deles não houvesse tantos acenos. Veja bem, vou te contar uma conversa que eu ouvi há muitos anos atrás [entre membros da Febrasgo e a Coordenação da Rede Saúde] e um deles dizia: nós precisamos um ambiente como temos em Recife, onde existe uma gestora feminista que tem visão de saúde pública, mas tem um movimento que dá muito respaldo. Isso faz toda diferença na implantação do serviço. Em estados que nós não temos isso, onde o movimento não se coloca de forma atuante, com um diálogo importante com os profissionais de saúde que estão à frente do serviço, eles ficas muito sós e a tendência é recuar sempre (Entrevista Nº 08. Filósofa / mestre em Jornalismo / feminista).

Este cenário “ideal” para o desenvolvimento da política exige uma postura flexível dos profissionais de saúde e das mulheres, o que implica a superação de conflitos e ou preconceitos de ambas as partes. Uma das críticas das mulheres à corporação médica tem sido o controle do corpo, da sexualidade, o excesso de práticas intervencionistas como ocorre na assistência ao parto que tem um índice injustificável de cesáreas. As mulheres criticam os profissionais médicos que desconfiam da palavra da mulher quando esta afirma ter sido estuprada. A exigência de provas materiais por parte dos médicos, ou a realização de um boletim de ocorrência, para acreditar que houve uma violência sexual parece refletir a

desconfiança da sociedade em geral quando se fala deste assunto. Do seu lado, os médicos, mesmo aqueles que compreendem a posição das críticas feministas, nem sempre estão dispostos a aceitar plenamente os questionamentos das mulheres, porque, por vezes elas colocam-se pouco permeáveis ao diálogo, sem reconhecer as reais dificuldades, emocionais, éticas ou subjetivas, presentes na assistência ao aborto.

Ele dizia: Belém está dando passos largos e o movimento vai lá e cobra, fica de pé atrás com o serviço e não está percebendo que aqueles profissionais não estão precisando de gente com pé atrás e sim junto, dando respaldo etc. Então eu sinto que Rede Saúde entendeu que a Febrasgo era um parceiro estratégico, mas rapidamente eles perceberam que o feminismo era uma parceria estratégica pra eles também, para expansão dos serviços, para consolidação dos serviços e demandaram. Esses dois movimentos fizeram com que essa ação fosse mais fecunda. (Entrevista Nº 08. Filósofa / mestre em Jornalismo / feminista).

A Febrasgo realiza um grande trabalho de divulgação do problema da violência sexual e da atenção ao aborto legal entre seus associados. Os relatórios do Fórum são regularmente publicados pela revista da Febrasgo, normas têm sido elaboradas e distribuídas e o assunto tem sido pautado em todos os congressos organizados pela instituição a partir de 1997.

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