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Fórum Interprofissional para Implementação do Atendimento ao Aborto Previsto em Le

CAPÍTULO IV: ABORTO LEGAL NO BRASIL: ENTÃO EU POSSO FAZER?

2. Iniciativas institucionais e profissionais

2.2. Fórum Interprofissional para Implementação do Atendimento ao Aborto Previsto em Le

local, como é o caso do Centro de Saúde Amauri de Medeiros – CISAM, em Recife, que tem trabalhado na capacitação de pessoal em diversos estados do norte e nordeste e de vários médicos(as) que individualmente se destacam na promoção destas ações em suas áreas de atuação.

2.2. Fórum Interprofissional para Implementação do Atendimento ao Aborto Previsto em Lei

A lei que permite o aborto pós-estupro existe, mas os médicos podem dizer: não pratico o aborto por objeção de consciência. Protegidos pela ética médica, ninguém pode obrigá-los ao contrário. Muitas vezes atrás da objeção de consciência está a convicção religiosa de que o aborto é pecado, que a ninguém é dado interferir no processo natural de evolução da vida; está também a dificuldade de lidar com uma situação para a qual não se foi preparado, e quem sabe, o medo de enfrentar os próprios conflitos e as divergências que vão surgir com os

demais colegas, a preocupação com a crítica, ou com a possibilidade de um processo criminal etc.

Estas questões têm sido motivo de debates acalorados entre feministas e profissionais de saúde. Para as mulheres se o Estado atuasse de forma mais incisiva, se a decisão de implementar esta política fosse clara e firme, os médicos teriam outra atitude, e mesmo que um deles alegasse razões de consciência para não fazer o aborto, com suporte institucional, outros o fariam. Critica-se também este argumento porque ele pode esconder uma dupla moral. Ou seja, as razões de consciência para não fazer o aborto são sustentadas em público, mas outra posição pode ser adotada no âmbito provado, seja profissional ou pessoa. Essa posição fortalece o preconceito em relação ao aborto e com quem o pratica, mesmo dentro da lei e isso resulta em prejuízo para as mulheres que necessitam do atendimento. Qual a melhor estratégia para enfrentar o problema? Para alguns, o Estado deve assumir a sua responsabilidade, para outros, é preciso trabalhar com muita paciência para conquistar aliados na categoria médica.

Quando os médicos não querem isso [o aborto legal] não acontece. Não é questão de lei ou da direção do Hospital. Eles se protegem na objeção de consciência e pronto, não fazem. Então era preciso dentro do próprio medical establishment começar a trabalhar. E trabalhar com muita paciência, e com muita consciência mesmo (Entrevista Nº 04. Professor de obstetrícia; consultor permanente da OMS).

Esta foi a principal razão que motivou a criação do Fórum Interprofissional para Implementação do Atendimento ao Aborto Previsto em Lei, em 1996, proposta de Aníbal Faundes, médico, professor titular de ginecologia e obstetrícia da Universidade de Campinas. Do lugar de quem tem o maior número de publicações científicas em sua área, este professor pelo respeito que adquiriu, pode levar aos titulares de ginecologia e obstetrícia de outras universidades brasileiras a proposta de que eles escutassem as mulheres e o movimento feminista, para que discutissem a questão do aborto na perspectiva da mulher. Sua intenção é demonstrar que ninguém é a favor, nem gosta de praticar um aborto, mas muitas vezes, para evitar que a mulher se exponha ao risco de morrer numa clínica clandestina, o aborto em condições seguras deve ser praticado.

O Fórum mudou de nome ao longo dos anos. No quarto encontro, chamou-se Fórum Interprofissional sobre Atendimento à Mulher Vítima de Violência Sexual. Esta mudança tem pelo menos dois sentidos: ampliar a abordagem do problema, pois sempre que se discute o aborto pós-estupro emergem as demais questões envolvidas na violência sexual, e é uma forma indireta de sensibilizar as equipes de saúde em relação ao aborto, pois na discussão sobre a atenção integral à vítima de estupro, inevitavelmente chega-se ao questionamento do que fazer quando a gravidez acontece, e as pessoas são instadas a tomar uma posição. O processo de implementação do aborto legal na Paraíba, por exemplo, só avançou quando as feministas começaram a reivindicar a assistência à mulher vítima de violência sexual, do que o aborto faz parte na perspectiva da assistência integral. A palavra aborto, com todo preconceito que existe em torno dela, afasta de muitos profissionais de saúde do debate.

Anualmente é grande a demanda de participação no Fórum por parte de profissionais de saúde e de gestores, o que demonstra que o tema adquiriu relevância para as categorias da

saúde que trabalham com saúde reprodutiva e sexual. O Fórum é reconhecido como uma instância de atualização de práticas, que produziu normas para a assistência ao aborto legal antes do Ministério da Saúde; discutiu o papel de cada membro da equipe; ampliou o debate para incluir a atenção às vítimas de violência sexual de uma forma mais ampla; discutiu a profilaxia do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis; alertou gestores para a importância da organização e coordenação das redes e do atendimento integrado; chamou atenção à necessidade de institucionalização desta política dentro dos serviços e no âmbito dos governos locais35.

Em 2005, a coordenação do Fórum (Cemicamp, Febrasgo, Ministério da Saúde e a Rede Nacional Feminista de Saúde) convidou os conselhos profissionais de medicina, enfermagem, psicologia e serviço social para discutirem sua participação no processo de implementação do aborto legal. Isso reforça o caráter político do Fórum e o compromisso de seus coordenadores relação ao aborto. Neste décimo encontro, que ocorreu no Rio de Janeiro na mesma data em que estava sendo discutido o projeto de Lei para descriminalização e legalização do aborto, na Comissão de Seguridade Social e Família, foi aprovada por consenso a seguinte declaração:

Os participantes do X Fórum Interprofissional sobre Violência Sexual e Aborto Previsto em Lei declaram por consenso seu apoio à necessidade de modificação da legislação no sentido de descriminalizar o aborto, ampliando as atuais condições de acesso, dentro dos limites baseados em critérios técnicos e garantindo o aborto legal e seguro, conforme as recomendações de diversos acordos e convenções internacionais assinados pelo governo do Brasil.

Com esta declaração os participantes do Fórum defendem o direito da mulher decidir sobre a interrupção da gravidez, mas ressaltam a preocupação com a segurança da mulher. Mas para eles, não é a mesma coisa interromper uma gravidez no início, no meio ou no final da gravidez, o aborto é um procedimento de exceção e deve ter limites à sua prática.

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