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4. A COMUNIDADE VIRTUAL À LUZ DO ESPAÇO REAL

4.1. Como analisar o Que Fazem

No capítulo anterior (Cap. 3), extraímos resultados da análise espacial que apontaram certos padrões de copresença e uso potencial dos espaços abertos da favela e do conjunto. Para entender o índice de realização desse potencial no espaço real, recorremos a observação in loco dos espaços abertos. Segundo Tenório (2012), em seu trabalho sobre a análise da vida pública em Brasília, quando trabalhamos com usos reais dos lugares, não podemos ficar apenas no nível da análise espacial, é necessário validar o potencial da arquitetura através de uma pesquisa de campo.

As observações do espaço real foram divididas em duas vertentes que julgamos ser importantes para entender o uso e a relação dos moradores com os dois espaços e se, e como, essa ligação pode ter sido alterada de alguma maneira com a mudança espacial:

i. Inicialmente observamos a distribuição e densidade da atividade peatonal da população pesquisada enquanto moradores da favela e do conjunto. A decisão por verificar esses aspectos em primeiro lugar foi para entender o padrão e a frequência da presença de pessoas nos espaços abertos de ambos os assentamentos, e de que maneira a comunidade virtual indicada pela análise do potencial da arquitetura era/é efetivada nas duas realidades, a do Maruim e do São Pedro.

ii. Em seguida observamos traços físicos do ambiente, investigando vestígios de uso deixado pelos moradores no ambiente físico, no sentido de entender ações de apropriação e/ou vulnerabilidade dos espaços “internos” dos dois assentamentos. A intenção dessa observação é compreender a relação que essa população mantém com o espaço construído e como essa relação está relacionada com a atividade peatonal e com o potencial de copresença gerado pela morfologia.

Os métodos e as técnicas relacionadas com cada uma das observações foram diferentes; para facilitar o entendimento e a cadência do trabalho, os dividimos em tópicos distintos, apresentados a seguir.

Atividade Peatonal

A observação da atividade peatonal se configura como importante elemento para o entendimento dos usos locais, o modo como se distribui a circulação, os encontros e o convívio da população. Dela ainda é possível extrair conjecturas sobre aspectos de vitalidade, abandonos e vulnerabilidades dos espaços urbanos (HEITOR, 2001).

Neste trabalho, o método da observação da atividade peatonal foi baseado na metodologia das pesquisas de Hillier et al. (1987) e Hillier et al.(1993). Basicamente, consistiu em observações diretas das pessoas nos espaços abertos dos assentamentos, de modo sistemático ao longo de um percurso previamente estabelecido (figura 38). Durante este percurso de observação, realizamos uma caracterização e quantificação das pessoas no espaço através de mapas de copresença. Nesses mapas, os fluxos de pedestres são traduzidos para uma convenção gráfica de fácil legibilidade (no nosso caso, pontos no espaço), que permitem ao pesquisador analisar a frequência, a contiguidade de utilização dos lugares, as atividades que estão sendo realizadas, a composição e tipos de interação entre indivíduos da população analisada. Na favela, devido à data de demolição, só foi possível realizar um levantamento (no sábado 25/06/2016 às 11h da manhã), limitação que buscamos superar pela aplicação da entrevista (como veremos adiante). Já com relação ao conjunto, visando construir uma amostra representativa do uso local, foram realizadas diversas observações em outubro de 2017. Os levantamentos do uso do espaço foram realizados em diferentes dias da semana (terça-feira, sexta- feira e sábado) e em horários pré-estabelecidos pela manhã e pela tarde (entre 08h e 09h, entre 11h e 12h, entre 15h e16h). Não foram feitas observações à noite por opção. A decisão levou em conta a segurança da autora deste trabalho (realizadora das observações in loco) diante de algumas ações antissociais que alguns moradores relataram acontecer durante à noite no local.

Para sistematizar os achados das visitas, criamos categorias de análise escolhidas para estruturarmos um panorama sobre a diversidade e tipos de atividades exercidas pelas pessoas nos espaços abertos. Distinguimos os grupos em:

i. Faixa etária / Variedade de Gênero: adulto (masculino e feminino) e criança, para entender a representatividade de cada um nos usos dos espaços abertos;

ii. Tipo de atividade: se era efêmera - indivíduos de passagem ou realizando atividades de curta duração como estender roupa - ou de permanência, indivíduos que permaneciam no espaço público conversando, trabalhando, admirando a paisagem – para nos aprofundar nos modos de encontro e interação.

Para o campo levamos um mapa nolli dos assentamentos impressos e à medida que percorríamos a rota previamente determinada, anotávamos com caneta de cores variadas o grupo etário e o tipo de atividade. Para a representação de grupos etários marcamos: adultos do sexo masculino com a cor de caneta azul claro, adultas do sexo feminino com a caneta da cor vermelho e crianças na cor lilás. Para a diferenciação do tipo das atividades utilizamos um código: “x” para atividades de permanência; “y” para atividades efêmeras (figura 38).

Figura 38: exemplo do mapa elaborado em campo

Fonte: elaborado pela autora

Na representação gráfica computacional traduzimos os indivíduos como pontos no espaço, diferenciando os grupos etários por cores: homens ganharam a cor preta; mulheres permaneceram como pontos vermelhos e crianças como pontos lilás; com relação aos tipos de atividades trocamos a

simbologia de “x” e “y” por círculos e estrelas, atividades efêmeras foram marcadas com o círculo, enquanto as de permanência viraram estrelas.

Os resultados das observações foram correlacionados com variáveis espaciais. Para essas correlações espaço/uso, o tapume precisou ser levado em consideração por estar presente na situação real no momento das observações (ainda é a situação atual). Dessa maneira, as variáveis espaciais que aparecerão nas análises serão do São Pedro com a barreira. Os mapas de copresença sobrepostos ao resultado da análise espacial foram tratados e interpretados no QuantumGIS; os dados ainda foram exportados para o Microsoft Office Excel34 para a sistematização dos resultados e formulação de gráficos que facilitassem o entendimento.

Observação do Ambiente Construído

Observar os traços físicos do ambiente construído significa olhar para o local em busca de vestígios de atividades espontâneas que aconteceram previamente à observação. Traços que foram deixados conscientemente ou inconscientemente pelos moradores em seu entorno sem o pensamento que estes pudessem ser medidos por pesquisadores (ZEISEL, 2006).

Segundo Zeisel (2006) uma das principais qualidades deste método é a abordagem pouco invasiva, o levantamento pode ser feito a partir de fotografias ou mapas dos ambientes construídos, sem que os moradores locais percebam e possam mudar seu modo de agir, alterando resultados da pesquisa. Para esta etapa do trabalho, foram realizadas visitas in loco. No espaço da favela, as visitas foram em menor número, pelo fato da demolição já citado anteriormente. No conjunto, foram realizadas inúmeras visitas a partir de 2016 (data da mudança), sendo a mais recente no mês de abril de 2018. Em todas as visitas, anotamos traços físicos que se destacaram e aparentemente se tornaram/eram permanentes nos ambientes dos assentamentos. O registro in loco foi feito a partir de fotografias e anotações em mapas da favela e do conjunto. Nesses mapas destacamos 02 tipos de aspectos físicos principais:

i. Vestígios de apropriação do espaço: modificações no ambiente físico que indicassem um cuidado e a possível relação de pertencimento que os moradores tinham/tem com certas áreas;

ii. Vestígios de vulnerabilidade no espaço construído: traços de negligência e transgressão nos espaços abertos dos assentamentos.

34 O Microsoft Office Excel é um editor de planilhas produzido pela Microsoft para computadores que utilizam o

Os resultados dessas observações foram correlacionados com achados das atividades peatonais e dos estudos morfológicos em busca de descobrir se há uma congruência entre a morfologia do espaço, o movimento peatonal real e a espacialização dessas ações.

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