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4. A COMUNIDADE VIRTUAL À LUZ DO ESPAÇO REAL

4.4. Resultados: entrevistas semiestruturadas

Os resultados dos dois primeiros tópicos do roteiro da entrevista serão apresentados de modo comparativo, sempre contrapondo opiniões dos moradores sobre os mesmos aspectos com relação ao Maruim e ao São Pedro. Ao final da apresentação das duplas de perguntas, faremos uma breve retomada e síntese dos resultados, contrapondo-os com o que encontramos nos tópicos anteriores, no estudo da comunidade virtual e da observação dos modos de uso in loco. Por fim, nesta parte, ainda criamos um tópico para discutir a questão do tapume, entendimento fundamental para o contexto da nossa hipótese de trabalho.

Utilizam/Utilizavam o Espaço Aberto?

A maioria dos entrevistados respondeu que sim, em ambas as situações. Em uma amostra de 24 entrevistados, apenas dois afirmaram não utilizar o espaço aberto do conjunto; em relação ao espaço da favela, apenas uma pessoa afirmou não o utilizar. O interessante é que as negativas não coincidiram. Os que deram não para o conjunto, disseram sim para a favela; e única pessoa que não utilizava a rua na favela, utilizava o espaço aberto do conjunto (figura 53).

Figura 53: resultado sobre a utilização dos espaços abertos da favela e do conjunto

Fonte: elaborado pela autora Como? Que Tipos de Atividades Realizam/Realizavam?

Na figura 54, podemos perceber que a comparação dos números aponta para uma variação entre os tipos de atividades executadas em cada assentamento. Na favela foram citados 07 tipos de atividades diferentes, no conjunto, 08 tipos. A maioria das pessoas citou utilizar o espaço aberto para realizar mais de uma delas. O que chama atenção é que algumas atividades se repetem nos dois espaços, como a preferência por sentar para conversar, estender roupa e utilizar os espaços abertos para realização de algum tipo de exercício físico; em compensação, atividades relacionadas à pesca citadas como recorrentes no espaço aberto da favela, some nos discursos sobre o conjunto, como afirma a moradora respondente da entrevista nº 09:

“Lá (na favela) eu ficava na rua do mesmo jeito que fico aqui (no conjunto). Lá só era melhor financeiramente, lá tinha trabalho do Canto do Mangue (em referência ao trato de pescados) e aqui não tem, em compensação é melhor a morada”. (ENTREVISTADA Nº 9).

Apesar do trato de pescados sumir das respostas dos entrevistados sobre atividades realizadas no conjunto, alguns entrevistados fizeram questão de salientar que perderam por um lado, mas ganharam por outro em infraestrutura como a entrevistada nº 9 (já citada acima), o entrevistado nº 11 e a entrevistada nº 13.

“Sim lá eu usava também, mas lá era muito diferente daqui. Eu ficava na rua conversando com mas tinha muito esgoto a céu aberto, aqui é saneado. Mesmo que aqui a gente pague água, energia, a gente tem uma garantia, não é? ” (ENTREVISTADO Nº 11).

“Lá eu fazia as mesmas coisas, sentava na calçada para conversar, estendia roupa, a diferença é que o espaço aqui é muito mais limpo”. (ENTREVISTADA Nº 13).

Figura 54: resultado sobre os tipos de atividades desenvolvidas nos espaços abertos da favela e do conjunto

Fonte: elaborado pela autora Com Quem Utilizam/Utilizavam o Espaço Aberto?

Os números da figura 54 mostram que atividades em grupo foram maioria nas repostas, uma minoria afirmou realizar atividades solitárias, como passear com o cachorro, ou estender roupa, o entrevistado

nº 17, uma das poucas pessoas que afirmou fazer atividades solitárias disse que o fazem pois se envolver com vizinhos é problema:

“Não (não fica com os vizinhos). Eu só venho aqui para a rua para caminhar, estender roupa, passear com meu cachorro, não fico em roda de conversa não que só dá problema”. (ENTREVISTADO nº 17).

Sobre atividades em grupos para respostas positivas, questionamos quem fazia parte desses grupos na favela, a reposta da maioria dos entrevistados foi que vizinhos de maneira geral compartilhavam o espaço aberto do Maruim, grupos misturados com pessoas provenientes de todas as partes da favela. Com relação ao conjunto, a resposta foi alterada, a maioria respondeu que geralmente utilizam o espaço aberto com os vizinhos do mesmo bloco, como verificamos, por exemplo, na fala do entrevistado nº 14.

“Aqui (sobre o conjunto) eu fico ajeitando minha rede, sento aqui na porta do bloco para ver televisão com minha família e vizinhos do bloco mesmo. Lá (na favela) eu fazia a mesma coisa, mas falava mais com todo mundo, agora apartou né? Os meus vizinhos de lá não são os mesmos daqui. ” (ENTREVISTADO Nº 14).

Fonte: elaborado pela autora

Quando questionados sobre a presença de estranhos, a maioria afirmou não ser comum, a não ser que seja alguém de fora convidado por um morador. A favela teve um número maior de respostas positivas, moradores afirmaram que costumavam ver estranhos praticando atos ilícitos no assentamento (figura 56):

“É, lá dava para ver mais outras coisas de droga, entende? Aqui essas coisas são mais escondidas. Não vejo gente entrando aqui não. O povo tem até medo, né não? A gente veio para cá, mas ainda é favela” (ENTREVISTADA Nº 9).

Figura 56: resultado sobre a presença de estranhos nos espaços abertos da favela e do conjunto

Onde é/era mais comum ficar?

A maioria dos entrevistados atrelou sua estadia no espaço aberto, da favela e do conjunto, a um só lugar, como podemos ver nos resultados expostos na figura 57. Para ambos os espaços a resposta mais recorrente foi a porta dos edifícios, no caso da favela, a porta das residências, no conjunto, a entrada dos blocos de apartamento. Para o espaço do São Pedro, o segundo e terceiro lugares mais mencionados foram as esquinas e as entradas do conjunto.

Com relação à vida no Maruim moradores também falaram sobre utilizar o Canto do Mangue ou o Rio, que não eram lugares pertencentes ao espaço aberto do assentamento, mas pelas respostas podemos perceber a forte ligação de alguns moradores com esses locais, uma extensão da vida cotidiana na favela, percebemos por entrevistas como a de nº 03, na qual o entrevistado afirmou:

“Aqui (no conjunto) eu fico na calçada, daqui a pouco dou uma volta. Lá (na favela) eu ficava na calçada também, mas era melhor porque eu ia pescar, tomar banho de rio, ficava na colônia (de pescadores) conversando. Meu pai tinha barco, fui acostumado assim a vida toda. ” (ENTREVISTADO Nº 03).

Esses espaços vizinhos (Rio Potengi e Canto do Mangue), que funcionavam como uma extensão da favela, não apareceram nos discursos sobre locais utilizados no conjunto; outros locais da nova vizinhança também não foram citados, o que leva a crer que a população, mesmo após dois anos da mudança, possivelmente não estabeleceu vínculos afetivos e de apropriação com o entorno atual. (Figura 57).

Fonte: elaborado pela autora Em que Horário Utilizam/Utilizavam Os Espaços Abertos?

A maioria dos moradores citaram que utilizavam / utilizam os espaços abertos de ambos os assentamentos em mais de um horário. A resposta mais recorrente foi que utilizavam em qualquer horário do dia, inclusive à noite, horário em que não fizemos observações, mas pudemos aferir pelas respostas que existe uma utilização noturna. À tarde, ainda foi o turno mais citado com relação à favela e ao conjunto para quem afirmou utilizar só em um horário (figura 58).

Figura 58: resultado sobre o horário que utilizavam os espaços abertos da favela e do conjunto

Síntese dos resultados da comparação

Segundo os resultados das entrevistas, uma maioria considerável das pessoas utilizam os espaços abertos nas duas situações, Favela e Conjunto. Grande parte destaca utilizar a rua de ambos os lugares como local de encontro, permanência e conversas entre grupos de vizinhos que residiam / residem no Maruim e no São Pedro. Segundo os entrevistados, esses grupos de conversa ou de trabalho, na favela, estavam em sua maioria vinculados à porta das residências, achado que corrobora e reforça a questão do potencial da constitutividade do espaço da favela confirmado na observação in

loco. No conjunto, confirmamos que as relações com as portas dos edifícios, agora as dos blocos de

apartamento, permanecem. Mesmo com perda da relação direta casa/rua, a cultura de estar na “porta de casa” se sobrepõe às limitações do espaço. No São Pedro, diferentemente do Maruim, outros dois locais internos são citados como ponto de encontro: as esquinas e as entradas do São Pedro, lugares com pontos de alta acessibilidade visual (e potencial de encontro), aspecto configuracional (visibilidade) com potencial mais efetivado na realidade.

Presença de pessoas estranhas foram negadas na maioria das respostas, confirmando o que encontramos nas observações, e reforçando a questão espacial do baixo potencial de interface de encontros entre moradores e estranhos na favela e no conjunto com tapume.

Com relação ao horário, percebemos que os espaços abertos de ambos os lugares são amplamente utilizados ao longo do dia, com destaque para o turno da tarde, resultado que vai ao encontro de aspectos encontrados nas observações do conjunto São Pedro, cujo horário do final da tarde foi comprovado ser o mais intensamente utilizado pela população, possivelmente por causas também relacionada a questões climáticas (o horário do fim da tarde é mais aprazível no conjunto).

Ainda destacamos na fala dos moradores, quando se referem à favela, forte relação com o entorno ao qual pertenciam, principalmente a elementos como o Canto do Mangue e o Rio Potengi. Mesmo não fazendo parte dos espaços abertos do Maruim, as localidades, eram objeto de uma relação de pertencimento estabelecida no imaginário dos moradores da favela, em maior grau por ter feito parte de toda a história da favela, sejam ligadas às atividades de lazer, ou a modos de subsistência através de atividades relacionada à pescaria. No conjunto, essas relações não são citadas, com exceção de um senhor que tece rede de pesca no local. A ausência dessas atividades no conjunto reafirma consequências da quebra espacial ocasionada pelo reassentamento, que desestabilizou vínculos, que para alguns moradores eram de uma vida inteira.

E o Tapume?

A maioria, 67% dos entrevistados, responderam que gostariam de manter ou ainda reforçar a barreira física entre o a cidade e o conjunto como algo permanente. 25% responderam que gostariam de retirar o tapume, deixariam o conjunto aberto para a rua; enquanto 8% preferiam não opinar sobre a questão (figura 59).

Figura 59: resultado da opinião dos moradores sobre a questão do tapume

Fonte: elaborado pela autora

Oficialmente o tapume deveria ter sido retirado em julho de 2017, um ano após a mudança, data que a ocupação foi considerada consolidada pela Prefeitura de Natal. Desde então algumas tentativas de retirada da barreira foram executadas pelo Poder público junto à empresa responsável pela construção. Em todas as vezes que tentaram, houve protestos por parte dos moradores do conjunto. Na nossa entrevista, a maioria a favor da manutenção da barreira respondeu que tais atos pela manutenção do tapume são justificáveis pois o tapume é o que traz segurança para a população. Alguns desse grupo foram específicos em suas respostas, se preocupando com a relação entre as crianças e a rua movimentada do lado de fora, como esse morador, respondente da entrevista nº 08:

“Por mim não deve ser retirado (o tapume), tem trazido segurança para minhas crianças. Não só minhas, as de todo mundo. Esse tapume empata elas de correrem para a rua e um carro pegar, assim eu fico mais seguro de deixar elas brincarem aqui”. (ENTREVISTADO nº 08).

Outro grupo formado dentre os que preferem a manutenção do tapume, afirma que de alguma maneira o tapume deixa “inocentes” (quem não praticam ações ilícitas dentro do conjunto) seguros contra brigas de gangues, facções e estranhos que possam fazer algum mal à população, sentimento traduzido nas palavras da entrevistada nº 10:

“Não, minha filha. Se tirar (o tapume) é melhor expulsar a gente daqui. A gente aqui veio para esse negócio (o conjunto) mas todo mundo ainda acha que a gente é favelado. O povo daqui não gosta da gente, já fizeram até abaixo assinado para tirarem a gente daqui. Se tira esse negócio (o tapume) vai ser um tora rei39 de bala

maior do mundo.” (ENTREVISTADA nº 10).

Ainda entre os que querem manter o tapume, existem aqueles que se limitam a afirmar que dá mais segurança e privacidade para a vida dentro do conjunto: “Dá mais segurança. Quem quer ficar exposto na situação de hoje? ” Pergunta a entrevistada nº 02. Discurso recorrentemente presente nas entrevistas.

Entre a minoria a favor da retirada da barreira e abertura do conjunto para a cidade é recorrente o discurso contrário ao do aumento da segurança. Para eles, o tapume é o aspecto que ajuda a esconder algumas ações antissociais que ocorrem dentro do São Pedro e diminui a segurança de quem não está envolvido nas ações, como fala o entrevistado nº 04:

“Acho que deve retirar o tapume. Isso aí não traz segurança para seu ninguém, pelo contrário, só barra a ação da polícia e deixa o bonde da massa com mais liberdade aqui dentro, aí por conta disso eles não querem que tire, mas vai ter que tirar ”. (ENTREVISTADO nº 04).

Coincidentemente, o entrevistado nº 04 afirmou não utilizar o espaço aberto do conjunto por motivos de segurança, aspecto que ele não tinha problemas na favela. Outros respondentes ainda acham que o tapume é um assunto muito delicado e preferem não opinar para não se comprometer de qualquer maneira; preferem que decidam por eles.

O panorama geral das conversas indica a existência de 06 grupos dentre os entrevistados: (i) os que não querem a retirada do tapume por medo de alguma que alguma ação antissocial “dos de fora” que possa prejudicar pessoas inocentes; (ii) outros optam pela manutenção pois o tapume os afasta dos olhos “dos de fora”, dá mais liberdade e privacidade; (iii) os que querem manter a barreira pela segurança das crianças; (iv) os que querem que seja retirado, pois acreditam que o tapume diminui a segurança e reforça ações antissociais dentro do conjunto; (v) os que querem tira-lo por outros motivos aleatórios; (vi) os que preferem não opinar.

A ampla maioria a favor da manutenção do tapume ou de qualquer outro tipo de barreira entre o conjunto e o “lado de fora”, reforça o que pensamos na hipótese. Há uma necessidade de afastamento entre os moradores e a cidade; esse distanciamento é defendido por eles, independentemente do motivo. É uma população proveniente de uma área espacialmente autosegregada, com baixo potencial de encontro entre moradores e estranhos. Na nova área, eles optam por repetir o padrão, agora baseado em outro elemento que não existia na favela: um tapume / muro cego.

A questão é que esse muro cego corrobora com um padrão antiurbano que gera uma reação de efeitos em cadeia (NETTO, 2017). Esses efeitos não são só para os residentes do conjunto; o tapume implica em diminuição do potencial de encontros do lado de fora do São Pedro. A barreira contínua cria espaços cegos pouco convidativos à passagem de transeuntes.

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C O N S I D E R A Ç Õ E S F I N A I S

Esta dissertação investigou um processo de reassentamento de uma Favela – Favela do Maruim – para um conjunto habitacional – Conjunto São Pedro – através de uma ótica morfológica. Especificamente buscamos entender, se, e como, mudanças na forma dos espaços abertos, ocorridas com a mudança, afetou modos de usos preestabelecidos. Para elucidar nosso questionamento, nos aprofundamos em aspectos espaciais de ambos os assentamentos, potencialidades e restrições para a encontros de indivíduos no espaço e a efetivação desses encontros no espaço real.

No que concerne a atributos morfológicos da Favela do Maruim, podemos afirmar que a aparente desordem espacial escondia uma ordem subjacente concebida pelos moradores para favorecer certos aspectos da vida cotidiana da população, como a troca de experiências e atividades desenvolvidas com base no uso dos espaços abertos. A morfologia da Favela era um enclave, estruturado de fora para dentro, hierarquizado, com níveis de acessibilidade “ao caminhar” e “ao olhar” inversamente proporcionais à profundidade média dos espaços. As bordas, eixos mais rasos e bem integrados, estavam embebidas na malha da cidade, dialogavam com o “lado de fora”, no nível dos cheios e dos vazios, possuíam edifícios com usos variados e com forte relação com as ruas adjacentes. No entanto, apesar do bom contato com a cidade, o Maruim tinha um núcleo segregado do tecido urbano da cidade, com um bom nível interno de constituição, horizontalidade, variação edilícia e de usos, aspectos que favoreciam encontros “do lado de dentro”. A morfologia, calcada na territorialidade (NEWMAN, 1972), na forte hierarquia entre os domínios cidade/favela, favorecia um maior controle da área por parte dos moradores e desfavorecia potenciais encontros randômicos entre diferentes – moradores e estranhos. Ou seja: era uma arquitetura que, potencialmente, afastava estranhos, ao tempo que estruturava e elevava as possíveis relações entre os moradores.

A configuração em enclave, típica de favelas (SOBREIRA, 2003; LOUREIRO, 2017) de certo modo, para o Maruim, representava uma resistência comunitária, de um modo de vida preestabelecido calcado em relações familiares e de vizinhança complexas e com o espaço preexistente do entorno. O afastamento da cidade também afasta “os de fora” do local, uma escolha espacial segura para proteção, do bem e do mal.

O conjunto São Pedro sem a presença do tapume, como planejado pelo poder público, falha em encapsular as lógicas espaciais que existiam na favela. É uma oposição ao padrão morfológico anterior

em todos os níveis. Edifícios verticais pouco constituídos montam uma paisagem de objetos (HOLANDA, 2002) soltos em uma malha ortogonal, ordenada, pouco hierarquizada e estruturada, facilmente apreendida em um “voo de pássaro” (HANSON, 1989). A configuração do conjunto em pouco se assemelha ao entorno no qual está inserido; há uma clara quebra espacial, todavia, foi pensado para ser aberto e integrar o conjunto e a população à cidade. Nesse item, o planejamento teve sucesso no que se propôs a fazer, o São Pedro é mais acessível à cidade, com destaque para o eixo central, ponto de alta confluência de acessibilidades “ao caminhar” e “ao olhar”. Conecta lugares importantes do bairro, o que é ponto positivo, já que anteriormente no local existia um terreno subutilizado com fachadas cegas. Em geral, o São Pedro sem tapume, apesar da baixa constitutividade e variedade edilícia e de usos, tem um potencial de movimento e de geração de encontros não programados entre moradores e estranhos maior que a favela. A possibilidade da mistura entre indivíduos variados na estrutura urbana, possivelmente seria benéfica para aspectos de uso, vitalidade e sustentabilidade do entorno e da cidade como um todo.

O tapume quebra essa possível lógica da abertura para a rua e deixa o conjunto com uma configuração mais semelhante ao do enclave da favela, apesar de internamente ainda permanecer a alta ordem e baixa hierarquia e estrutura, pouca constitutividade e pouca variedade de usos. O tapume cria uma situação híbrida entre as outras duas apresentadas anteriormente. A questão da territorialidade (NEWMAN, 1972), da hierarquia entre os domínios cidade/conjunto é retomada, mas ao contrário de encapsular uma lógica que favorecia o encontro e a troca entre os moradores como na favela do Maruim, cerceia outra que, até certo ponto, é restritiva para o contato entre moradores do São Pedro. O tapume baixa o potencial de encontros randômicos entre moradores e estranhos, se comparado ao conjunto aberto para rua, mas a parte interna restringe também a comunidade virtual. O artifício do tapume ainda prejudica o potencial de animação das ruas adjacentes ao criar uma barreira contínua e cega para o lado de fora. A favela, apesar de espacialmente segregada, possuía uma borda que contribuía para o uso dos espaços abertos da cidade.

Com relação ao movimento/atividade peatonal verificado in loco, é possível afirmar que na favela, apesar das limitações que tivemos com relação ao número de observações, pessoas tendiam a estar nos espaços abertos, a maioria em situação de permanência, distribuídas em grupos concentrados nas vias de maior acessibilidade “ao caminhar” e “ao olhar” e vinculados, em sua maioria, à porta dos edifícios.

Para o conjunto com tapume, houve a possibilidade de realizar mais observações. Quando comparamos os números encontrados nas visitas aos dois assentamentos, percebemos que no conjunto as pessoas persistem em estar na rua, em situação de permanência, distribuídas em grupos,

vinculados em sua maioria à porta dos edifícios, esquinas e entradas do conjunto, pontos de maior vantagem visual, aspectos que até certo ponto se assemelham ao que encontramos no Maruim.

De fato, a configuração com tapume valoriza um tipo de resiliência comunitária, de permanecer na rua, que vai de encontro aos resultados da análise morfológica do espaço. Especificamente, a atividade peatonal no São Pedro tem um padrão de concentração nos grupos de eixos com maior e menor medida de acessibilidade “ao caminhar”. Os eixos com medidas medianas são pouco utilizados. No entanto, o conjunto de eixos mais ocupados coincidem com pontos de mais alta integração visual; por sua vez, os menos utilizados coincidem com pontos mais segregados visualmente, ressaltando a falta de coesão espacial das acessibilidades do conjunto e a preferência da população em estar em lugares

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