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4. A COMUNIDADE VIRTUAL À LUZ DO ESPAÇO REAL

4.2. Resultados: “o que fazem”

4.2.2. Resultados: observação dos traços físicos do ambiente (apropriação x vulnerabilidade)

delineadas nas áreas abertas da Favela do Maruim e do conjunto São Pedro. A apropriação e a vulnerabilidade dos espaços comuns não são o foco desta dissertação, no entanto, encontramos correspondências entre a distribuição da copresença das pessoas no espaço e localizações diferentes de apropriações e vulnerabilidades nos assentamentos; especificamente, como se a graduação da densidade do movimento causasse alguns efeitos sobre o modo como o espaço é / era tratado e modificado pelos moradores.

Segundo Mourão e Cavalcante (2006) a apropriação é um processo dialético entre o homem e o meio em que vive. O sujeito age sobre o entorno, modificando-o, para se sentir ligado e pertencente ao lugar. Emerge da necessidade humana de enraizamento no ambiente, um processo essencial para que exista um sentimento de identificação e pertencimento do homem com o espaço da vida cotidiana. É dependente de alguns fatores, dentre os quais os mais recorrentes são a forma do espaço, local de moradia, tempo de moradia e necessidade de alteração por parte do morador.

A vulnerabilidade, por sua vez, diz respeito a atitudes de negligência e transgressão no espaço por parte da população que o utiliza. De acordo com Heitor (2001) ações de negligência estão relacionadas à ausência de manutenção e limpeza dos espaços de uso comum dos conjuntos, manifestado,

primordialmente pela presença de lixo e excrementos de origem humana ou animal. Já ações de transgressão estão vinculadas a propósitos agressivos e ofensivos, como a destruição dos equipamentos de uso comum, grafites, pichações e danificação de janelas e portas dos edifícios. Na parte interna do Maruim era possível encontrar ações dos dois tipos. As de apropriação estavam ligadas à presença de marquises improvisadas e “puxadas” construídas para sombrear os espaços abertos. Além disso, verificamos a existência de pequenos comércios sempre vinculados a alguma residência. Com relação a ações que imprimem a marca da vulnerabilidade espacial, destacamos a presença de pichações e lixo acumulado em alguns pontos (figura 49).

Como apresentado na figura 49, as ocorrências de apropriação seguiam um claro padrão de distribuição espacial atrelado a vias de maior acessibilidade “ao caminhar” e “ao olhar”, confirmando o potencial encontrado na análise espacial. Para ações de transgressão e negligência não encontramos uma recorrência configuracional que explicasse espacialmente sua existência. Ocorriam em vias mais e menos integradas. As pichações eram encontradas, em sua maioria, em muros cegos de fundos de imóveis e espaços sem uso. A presença de lixo, por sua vez, não estava atrelada a nenhuma variável morfológica específica, provavelmente a distribuição dos focos de lixo em espaços variados ocorre por outros motivos que fogem da explicação formal deste trabalho e perpassam pelas fragilidades de um espaço altamente adensado com serviços fragilizados de infraestrutura urbana.

Figura 49: recorrências espaciais de ações de apropriação e vulnerabilidade no espaço da Favela do Maruim

Fonte: elaborado pela autora

No São Pedro verificamos os dois tipos de ocorrências em diferentes níveis, apesar da ocupação relativamente recente (foi ocupado em julho de 2016). Com relação a mudanças para fins de apropriação, destacam-se ações de plantações e jardinagens, modificação de usos das casas para comércios, galinheiros, e, mais recentemente, a implantação de uma oficina de bicicletas e de um bar dentro do conjunto. Mudanças evidentes, mas que não alteraram significativamente a morfologia do projeto entregue aos moradores até este momento. Com relação a ações que podem causar algum tipo de vulnerabilidade no espaço, é possível notar a presença de lixo e excrementos animais espalhados por algumas áreas e ainda a destruição dos equipamentos do playground.

Na figura 50 é possível perceber que as ações de apropriação e vulnerabilidade no conjunto se relacionam com a variável espacial de acessibilidade “ao olhar” e a distribuição da copresença e

movimento de pessoas no espaço (também atrelada a esta variável como foi mostrado no tópico anterior). Em geral, observamos que em áreas mais movimentadas, espaços mais compartilhados entre todos do conjunto, como o eixo central, são menos cuidados, nota-se maior presença de lixo, depredações das casas de gás de alguns edifícios e ainda menor apropriação se comparadas com áreas de menor índice de presença de pessoas e/ou que são controladas por algum morador. As áreas menos acessíveis “ao olhar”, são o alvo principal das duas ações, a diferença é que quando essas áreas visualmente segregadas e pouco movimentadas estão sob controle de algum edifício ou morador, elas são locais limpos, com ações de jardinagem bem executadas e mais bem cuidadas que todas as outras plantações encontradas no conjunto, ou com criação de galinhas bem cuidadas, com cerca e ração; já em áreas com baixa acessibilidade visual que são espaços “de todos” sem um controle perceptível e sem relação direta com nenhum edifício é possível encontrar traços de negligência e transgressão como a presença de lixo e excremento e danificação de equipamentos comunitários.

Ainda na figura 50, que retrata as ações de apropriação e vulnerabilidade no conjunto São Pedro, destacamos que os comércios existentes até então são de dois tipos: aqueles que utilizam a estrutura do apartamento para montar algum tipo de venda ou restaurante, os ditos usos mistos; e aqueles que possuem uma estrutura independente do apartamento, quiosques e trailers montados na rua. Ambos são encontrados em sua maioria em pontos com maior acessibilidade “ao caminhar” e ao “olho”, confirmando a lógica do ciclo do movimento natural de Hillier (2007), ainda que se trate de um ambiente controlado (principalmente, pela presença do tapume).

Figura 50: recorrências espaciais de ações de apropriação e vulnerabilidade no espaço do Conjunto São Pedro

Fonte: elaborado pela autora

No conjunto, retratado na figura 51, notamos que a prática recorrente na favela de estender roupas no espaço de uso comum perdura. Geralmente, a prática ocorre em áreas de maior controle visual imediatamente à frente do bloco em que moram. A ação ainda se repete, principalmente, devido ao diminuto tamanho da área de serviço do apartamento e à ausência de um planejamento de uma área para esse fim dentro das casas. O tapume, que aparta o conjunto da rua, até certo ponto facilita a permanência dessa prática.

Figura 51: A e B. roupas estendidas na favela / C e D. a recorrência da prática no conjunto

Fonte: acervo da autora

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