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4. A COMUNIDADE VIRTUAL À LUZ DO ESPAÇO REAL

4.2. Resultados: “o que fazem”

4.2.1. Resultados: observação da atividade peatonal

Para o levantamento da atividade peatonal na favela (realizado em uma única observação, por motivos já explorados anteriormente), resultados dão conta que existia uma diversidade de faixas etárias, gêneros e tipos de atividade, com vantagem para mulheres em atividades de permanência no espaço no momento da observação. Pela análise da distribuição do tipo de atividade, foi possível constatar que pessoas que exerciam atividades de permanência se encontravam, em sua maioria, em grupos “convexos” vinculados à abertura de alguma (ou algumas) residências.

Ao sobrepor o resultado da observação ao mapa axial e ao mapa de visibilidade, é possível verificar que apesar da quantidade de pessoas na rua, a maioria dos indivíduos estavam concentrada em alguns eixos de maior média acessibilidade “ao caminhar” e “ao olhar” do sistema (figura 39). A favela, como já dito anteriormente, é um sistema com uma forte estruturação e coesão espacial; não por coincidência, vias mais acessíveis “ao caminhar” são também mais acessíveis “ao olhar”, e nessas se encontra a maior densidade de movimento do sistema.

Em apenas 26% (10 eixos) dos 39 eixos que compunham a favela foi possível constatar a presença de algum indivíduo. Sete (70%) desses 10 eixos onde se concentra o movimento são compostos pelas linhas de maior ou média acessibilidade do sistema, com destaque para os dois eixos internos mais integrados “ao caminhar” e “ao olhar” (locais com mais pessoas) (figura 41). Os outros 30% dos 10 eixos onde estava concentrada a animação eram linhas de menor integração onde, coincidentemente, encontramos menos pessoas. 74% do total de eixos do sistema não possuíam nenhum tipo de movimento, o que aponta, que de fato o potencial de encontros previsto na análise morfológica é efetivado na realidade, tendo a constitutividade como suporte para atividades de permanência (figura 39).

Figura 39: observação dos modos de uso na favela

No São Pedro foi possível realizar um maior número de observações (como já explicado anteriormente). Um total de nove visitas in loco distribuídas em três dias diferentes da semana (terça- feira, sexta-feira e sábado) em horários que variaram entre o começo da manhã até o final da tarde (das 8h – 9h, das 11h -12h, das 15h – 16h).

Durante as visitas, documentadas nas figuras que vão de 41 a 46 (mostradas adiante), percebemos uma quantidade considerável de pessoas nos espaços abertos do conjunto em todos os horários. Dentre os usuários, encontramos uma diversidade de gêneros, faixas etárias e tipos de atividades em todas as visitas.

As observações dos dias de semana (terça-feira e sexta-feira) seguiram uma lógica da variação de quantidade de pessoas na rua do conjunto, ambas demonstrando um decréscimo do movimento na segunda observação do dia (entre 11h e 12h) e um aumento considerável na última observação (entre 15h e 16h), enquanto o sábado seguiu uma linha crescente do número de pessoas por horário (figura 40). O ápice do movimento foi na observação 3 do dia 27/10/2017, sexta-feira no final da tarde, instante em que encontramos 100 pessoas utilizando o espaço aberto do conjunto. A observação que constatamos menor movimento foi a número 2 (entre 11h e 12h) da sexta-feira 27/10/2017, 38 pessoas na rua.

Figura 40: gráfico do número de pessoas por observação no Conjunto São Pedro.

Fonte: elaborado pela autora

Com relação ao tipo de pessoa (criança, adulto homem, adulto mulher), percebemos que as três categorias utilizam o espaço, com uma leve vantagem para mulheres adultas com uma média de 37,05%, enquanto homens adultos são 34,80% e crianças em geral 28,15% (figura 41).

Fonte: elaborado pela autora

Com relação ao tipo de atividade das pessoas no espaço, notamos que as atividades de permanência superaram as momentâneas na maioria das observações, na média geral 63,15% das pessoas presentes no espaço no momento das observações estavam em situação de permanência, enquanto 36,85% realizavam alguma ação efêmera. A exceção foi a observação do início da manhã da sexta- feira (27/10/17), na qual encontramos exatamente a mesma quantidade de pessoas realizando as duas atividades (figura 42).

Figura 42: Médias dos tipos de atividades realizadas no espaço no momento das observações no Conjunto São Pedro.

Fonte: elaborado pela autora

Indivíduos em situação de permanência no espaço estavam, em geral, agrupados em “rodinhas” ou linhas de conversa. Esses grupos, na maioria das observações, costumavam estar vinculados a duas variáveis espaciais específicas: portas dos blocos de apartamentos e às esquinas do conjunto. Vale ressaltar que as esquinas em que estavam localizados são pontos de vantagem visual (mais integrados visualmente) (figuras 43 a 48).

A graduação da densidade de movimento de cada eixo variou em cada observação, como podemos ver nos mapas apresentados adiante (figuras 43 a 48). No entanto, há uma recorrência de maior presença

de pessoas na rua central, nas duas extremidades em um dos lados do conjunto, estruturando um padrão de movimento em “C” invertido. Na sobreposição das observações ao mapa axial, é possível notar, que as pessoas tendem a ocupar em maior grau o grupo de linhas mais integradas (composto pelo eixo central – único eixo interno - e eixos da borda) e o grupo de linhas mais segregadas “ao caminhar”. Linhas com índice de integração mediano, tendem a ser menos ocupadas (figuras 44, 46 e 48). Quando realizamos a sobreposição das observações ao mapa de intervisibilidade do sistema, percebemos que a ocupação tende a se concentrar em pontos com maior vantagem visual, lugares mais segregados “ao olhar” são pouco movimentados. Esses lugares visualmente desprivilegiados, por sua vez, coincidem com linhas de acessibilidade mediana “ao caminhar” (figuras 43, 45 e 47). No São Pedro, as pessoas costumam estar na rua, mas em locais mais acessíveis “ao olhar” que “ao caminhar”.

Figura 43: observação da diversidade de pessoas no espaço do conjunto no dia 21/10/2017 sobreposta ao VGA que mostra a medida de IntegraçãoHH_RaioN

Figura 44: observação da distribuição do movimento e copresença no espaço do conjunto no dia 21/10/2017 sobreposta ao mapa axial que mostra a medida de IntegraçãoHH_RaioN.

Figura 45: observação da diversidade de pessoas no espaço do conjunto no dia 24/10/2017 sobreposta ao VGA que mostra a medida de IntegraçãoHH_RaioN.

Figura 46: observação da distribuição do movimento e copresença no espaço do conjunto no dia 24/10/2017 sobreposta ao mapa axial que mostra a medida de IntegraçãoHH_RaioN.

Figura 47: observação da diversidade de pessoas no espaço do conjunto no dia 27/10/2017 sobreposta ao VGA que mostra a medida de IntegraçãoHH_RaioN.

Figura 48: observação da distribuição do movimento e copresença no espaço do conjunto no dia 27/10/2017 sobreposta ao mapa axial que mostra a medida de IntegraçãoHH_RaioN.

Quando realizada a comparação da atividade peatonal de indivíduos em ambos os assentamentos, foi possível afirmar que o espaço da favela, autoconstruído, apartado da cidade, entretanto, fortemente estruturado internamente, efetiva na realidade o potencial virtual do espaço encontrado no capítulo anterior; existe uma coerência entre a hierarquia das partes, acessibilidades e constitutividade com a copresença de indivíduos observados na realidade. No conjunto geometricamente planejado, características espaciais que, segundo a literatura, teriam potencial para restringir campos de encontro, como a baixa acessibilidade de algumas vias, a ausência de uma hierarquia bem definida, a ausência de pátios de reuniões e a baixa constutividade, aparentemente, até o presente momento, não estão causando os efeitos esperados. A população persiste em estar nos espaços abertos do conjunto São Pedro, em grupos, assim como verificado no Maruim.

Ainda com relação às práticas cotidianas verificadas durante as observações, foi perceptível que no conjunto São Pedro as pessoas possuem hábitos de atividades no espaço aberto diferente de quando estavam no Maruim. Na favela, a rua funcionava como extensão das casas. Práticas domésticas, como lavar roupa aconteciam frequentemente nos espaços abertos. Esses locais ainda eram utilizados para trabalhos relacionados à pesca. Não era incomum chegar na comunidade e encontrar um grande número de mulheres sentadas nas cadeiras descascando camarão. No conjunto, as pessoas permanecem na rua, no entanto, a maioria em rodas de conversa ou observando as crianças brincarem. Durante todo o período de visitas (que durou até abril de 2018), encontramos apenas um senhor utilizando a rua do conjunto para executar alguma atividade ligada à pesca (ele estava tecendo uma rede de pesca).

É valido destacar que nos dois assentamentos no momento da observação não foi notada a presença de muitos estranhos, exceto uma freira na observação do Maruim que aparentemente parecia conhecida e era convidada das moradoras, pois estava em roda de conversa. A ausência de estranhos foi validada nas entrevistas (como veremos adiante).

O que devemos levar em consideração é que aparentemente mesmo não havendo mudanças bruscas na quantidade de pessoa utilizando os espaços abertos, mesmo diante de um espaço que não favorece encontros (no caso do conjunto), o tipo de ocupação e relações espaciais com o espaço aberto e com os vizinhos são outras. Na favela, a localização privilegiada, ao lado dos comércios do Canto do Mangue e do Rio Potengi, favorecia a consolidação de uma atividade que gerava renda para a população. A rua, no caso da favela, além de local de encontro e troca era o ambiente de trabalho de muitos homens e mulheres, relações complexas que foram quebradas com a mudança já que no conjunto, esse tipo de relação trabalho / espaços abertos não se consolidou.

A questão é que se trata de uma população de baixo poder aquisitivo que em parte tirava de alguma maneira vantagem para sua subsistência nas relações favorecidas pela localização espacial. No conjunto, aparentemente o custo de vida é maior (agora “legalizados” eles têm novas contas para pagar) mas parte dos chefes de família perderam sua principal fonte de renda. A intenção, como já tratado anteriormente, é que se construa um centro comunitário na antiga borda da favela que abrigue esses usos relacionados à pesca, nesse caso outras relações serão quebradas.

As fileteiras, em sua maioria mulheres (como podemos ver no tópico 1.3), precisavam que os trabalhos fossem nas portas de casa para concomitantemente à filetagem pudessem ter o domínio de atividades domésticas, como cozinhar e cuidar das crianças, como mesmo afirma uma das moradoras do conjunto:

“A diferença é que na favela eu descascava camarão com minhas vizinhas, lá eu ficava descascando camarão e ficava mais perto de casa, podendo olhar minha casa, aqui eu não faço isso”. (MORADORA DO CONJUNTO).

Provavelmente, por essa nova situação, novos padrões relacionais entre espaço / pessoas / uso surgirão após a construção do centro da antiga área da favela. Fica aberta a sugestão para futuras pesquisas investigarem o desenrolar dessa situação.

4.2.2. Resultados: observação dos traços físicos do ambiente (apropriação x vulnerabilidade)

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