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Como a evolução do pensamento jurídico influenciou a magistratura: do

CAPÍTULO 2. O JUDICIÁRIO E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS

2.3. Como a evolução do pensamento jurídico influenciou a magistratura: do

Como parte do processo de entendimento do fenômeno que vem ocorrendo com o Judiciário, apresentar-se-á nas presentes linhas a evolução do pensamento jurídico, que mostra como os juristas vem incorporando novos valores ao seu labor diário.

Conforme já se mencionou alhures, o positivismo jurídico, desenvolvido a partir do século XIX, surge como a saída burguesa face aos abusos cometidos na Idade Média. Ao alçar-se a razão humana ao grande motor da sociedade, todas as explicações transcedentais a respeito do mundo não mais tinham acento na modernidade. A racionalidade, compartilhada por todos, deveria ser igualmente exercitada pelos súditos, agora indivíduos. A positivação é vista como uma fuga ao arbítrio nas decisões judiciais, com a valorização do estabelecimento prévio de normas pelo Estado. Válida é a norma posta pelo ente estatal, cabendo ao intérprete apenas descrevê-la, como pronuncia João Paulo Allain Teixeira:

Assim, o positivismo jurídico sustenta a teoria da interpretação mecanicista, que funda a atividade do jurista em elementos predominantemente declarativos em detrimento de elementos criativos. Isso possibilita a redução do papel do intérprete no momento da aplicação do direito, assemelhando-o a um robô, um autômato programado para decidir de acordo com a letra da lei75.

Crê-se, neste momento, em uma racionalidade objetiva do direito, cujo papel seria o de estabilizador das expectativas sociais, o que, em última análise, é o

75 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Jurisdição, tópica e razoabilidade. Revista de Informação Legislativa,

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desiderato do ideal de segurança jurídica. Segundo, mais uma vez, João Paulo Allain Teixeira, “a maior expressão de justiça é a própria segurança proporcionada pela lei”76.

Para a dogmática, correto é o raciocínio desenvolvido a partir das fontes normativas estatais, cujo uso é inegável e obrigatório diante de um conflito submetido ao crivo ao Judiciário (inegabilidade dos pontos de partida e proibição do non liquet).

A aplicação do direito se dá por um simples raciocínio silogístico, do qual a premissa maior é a lei, a menor, o caso concreto, e a conclusão, a decisão. Esclarece João Paulo Allain Teixeira:

O silogismo subsuntivo representa a forma clássica de raciocínio jurídico. Trata-se de um procedimento destinado à obtenção de um dever-ser concreto a partir de uma dever-ser abstrato. Isso é assim em virtude da necessidade de, no Estado de direito, todas as decisões estarem fundadas em última instância na lei77.

O formalismo dessa vertente é caprichosamente desenvolvido por Hans Kelsen, em sua teoria pura do direito, na qual ele apresenta o sistema normativo como um todo de normas hierarquicamente escalonadas, que proporciona ao intérprete a identificação de uma “moldura” da qual será extraída a decisão. Embora haja uma indeterminação a priori quanto às possibilidades hermenêuticas que uma norma proporciona, elas são limitadas pelo direito posto, de maneira que toda e qualquer interpretação derivará necessariamente das normas postas pelo Estado, não havendo espaço para incursões valorativas.

No século XX, a evolução do pensamento jurídico apregoa a falibilidade dos ditames positivistas, que não seriam capazes de solucionar os chamados casos

difíceis, não solucionados por simples raciocínio silogístico, já que impregnados de

discussões axiológicas.

Neste contexto, a virada metodológica sustenta um retorno às raízes dialéticas gregas e romanas, consoante nos informa Gustavo Rabay Guerra:

A partir dessa orientação, fortalece-se o paradigma assente na discussão metodológica atual que sustenta ser a aplicação do direito uma atividade dialética, e que tem como cerne a racionalidade no saber jurídico como

76 TEIXEIRA, João Paulo Allain. Jurisdição, tópica e razoabilidade. Revista de Informação Legislativa,

v. 38, n. 151, 2001, pp. 231-248, p. 236.

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permanente construção, repercutindo valores. Caracteriza-se, assim, a hoje comumente denominada etapa pós-positivista do direito78.

São as próprias exigências do mundo moderno, com a convivência de múltiplos interesses e a necessidade de se “adaptar” o pensamento jurídico às situações complexas vivenciadas em sociedade, que impõem essa guinada valorativa. A legitimação das decisões judiciais passa a não estar na reprodução automatizada das leis – o que produziu, no passado, aberrações como a justificação das atrocidades do nazismo – mas na percepção de que a atividade de reprodução do direito possui intensa carga dialética e argumentativa, que começa, como diria Recaséns Siches, pela eleição das premissas.

O pós-positivismo, então, finda por se manifestar em duas vertentes bem definidas, que formam as teorias da argumentação contemporâneas: a que prega a valorização do “poder” normativo dos princípios, cujos expoentes máximos são Ronald Dworkin e Robert Alexy; e aquela que vê na força dos argumentos o elemento legitimante das decisões jurídicas, apregoada por Chaïm Perelman e Theodor Viehweg, entre outros.

Apenas a título de registro, saliente-se que Robert Alexy, jurista e filósofo alemão, constrói uma teoria de fundamentação racional de decisões jurídicas. Constata o autor que as normas nem sempre proporcionam a solução de controvérsias, abrindo-se, assim, um campo vasto de possibilidades decisórias. A identificação daquela que seria a resposta adequada ao caso não se dá de forma arbitrária, mas através de valorações que são fundamentadamente exercidas. Ele introduz o elemento vontade para a eleição do discurso prático, porém sem abrir mão da racionalidade.

Já a tônica da teoria de Perelman consiste em atribuir à persuasão da platéia o foco da técnica discursiva a ser utilizada no direito. Importa menos a verdade ou falsidade da tese e mais a adesão do auditório, já que este pode preferir uma solução mais eqüitativa, ou oportuna, ou adequada, porém argumentativamente demonstrada como a melhor, do que a exclusivamente verdadeira. Mais uma vez, Gustavo Rabay informa:

78 GUERRA, Gustavo Rabay. O direito racional e o retorno ao argumento – as teses do direito

argumentativo (tópica, retórica e discurso racional procedimental) como canais para um pós- positivismo jurídico factível. Disponível em: <http://www.imag- df.org.br/Files/Conteudo/56/upload.pdf>. Acesso em 29 de jan. 2010.

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O modelo racional da Nova Retórica merece ser compreendido como a racionalidade prática argumentativa como critério de desenvolvimento que, além de conformar os raciocínios práticos em geral, ultrapassa as próprias barreiras positivistas e dogmáticas, combatendo, assim, o estigma da auto- reprodução do direito que alija o compromisso com a humanização do conhecimento e seu conseqüente plano emancipatório79.

Viehweg, por sua vez, revive o conceito de tópica, presente em Aristóteles como a técnica de pensar por problemas. Analisando a jurisprudência romana, o doutrinador constata que, no direito, as preocupações não são apenas cognoscitivas, mas impregnadas de valores, desenvolvendo fórmulas de persuasão variáveis no tempo e no espaço. O mencionado doutrinador valoriza a compreensão da realidade, a partir da qual a jurisprudência constrói os argumentos para a solução.

Estas, em termos gerais, as modernas teorias argumentativas.

Assim como plural é a sociedade, o Direito espelha toda a sorte de contingências que a diversidade humana possa produzir. Daí a necessidade de superação de um modelo que pregue uma lógica universal, dura, como o positivismo. O fator contingencial não pode ser desprezado, sob pena de se negar a própria existência da sociedade, que está permanentemente aberta a paradoxos não enquadráveis em um fechamento cognitivo.

2.4. Jurisdição estrangeira: Estados Unidos da América e o tratamento judicial dos