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Os Desafios do Princípio da Separação de Poderes face ao novo papel do

CAPÍTULO 2. O JUDICIÁRIO E A EFETIVIDADE DOS DIREITOS SOCIAIS

2.2. Os Desafios do Princípio da Separação de Poderes face ao novo papel do

Entender-se como os questionamentos acerca do papel da magistratura floresceram passa por uma análise da teoria da separação dos poderes, cujos contornos, hoje bastante alterados, tem papel crucial na formação do Estado Democrático de Direito.

Desenvolvida a partir da Ilustração européia, sobretudo com força nos estudos de Montesquieu e Locke, inicialmente a teoria tinha por fim a contenção dos abusos do monarca absolutista. Através do império da lei, restavam resguardados os

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burgueses face aos desmandos do soberano. A norma era tida como o instrumento capaz de moldar condutas de maneira geral e abstrata, já que era aplicada a todos, sem recurso a casuísmos. Sendo assim, não haveria espaço para surpresas desagradáveis, provenientes do autoritarismo estatal70.

Inspirado em dois conceitos provenientes das lutas políticas britânicas, Montesquieu atribuiu à separação dos poderes duas faces: a primeira pertinente ao primado da lei (rule of law); e a segunda concernente ao equilíbrio entre os poderes, que se controlariam (balance of powers)71.

A separação dos poderes, destarte, deitou suas raízes sobre a legalidade e a contenção do poder, servindo, em verdade, a um grupo específico de cidadãos, detentores do poder econômico, os quais não abriam mão de sua liberdade negocial, garantida, desta maneira, por um Estado previsível.

Com base na legalidade, os poderes foram assim organizados: o que faz as leis (Legislativo); aquele que as executa (Executivo); e, por fim, o que assegura o cumprimento delas (Judiciário). Para Montesquieu, o Legislativo era exercido pela nobreza; o Executivo, pelo monarca; já o Judiciário deveria ser confiado a pessoas do povo, do modo prescrito em lei, para formar tribunais que durassem o tempo necessário. Como esse último não era formado pelos nobres, era tido como um poder neutro, que deveria guiar-se pela justiça.

O apelo à legalidade estrita, no entanto, não sobreviveu ao terror provocado pela II Guerra Mundial, onde ela foi usada como justificativa das atrocidades cometidas pelos nazistas. Uma revisão de sua utilidade se impôs e não tardou para que se percebesse que o Estado não poderia se utilizar da lei para abusar de sua posição.

Foi então que o pensamento pós-positivista começou a emergir: o Estado não mais poderia legitimar toda e qualquer ação, ou até mesmo inação, na leitura estrita da lei. Haveria um limite para a sua atuação que estaria no reconhecimento de que sua existência se justifica para que seja assegurada dignidade aos que estão abrigados sob o seu manto. Como decorrência desses novos tempos, uma revisão da separação dos poderes se iniciou e se encontra em andamento até os dias atuais72.

Não é suficiente a existência estéril da lei. Esta deve ser o instrumento da valorização do ser humano, por isso sua interpretação não é mais meramente formal,

70 JORGE NETO, Nagibe de Melo. O controle jurisdicional das políticas públicas. Salvador: Editora

JusPodium, 2009, p. 60.

71 Idem, p. 61. 72

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mas também ético-axiológica. A separação de poderes acompanha o mesmo raciocínio, distanciando-se de uma consagração estritamente formal, para se aproximar do ideal de poder atrelado a fins. Sua legitimação sai da lei pura e aporta na efetiva atuação estatal para o bem estar social. A teoria ganha cores novas e, por isso mesmo, mais ricas, como bem observa Nagibe de Melo Jorge Neto:

A contenção do arbítrio e a legitimação do poder, que são objetivos fundamentais da separação de poderes, têm, portanto, uma perspectiva diversa e mais rica no Estado pós-moderno. A igualdade é marca dessa mudança. Limitar entre nós implica assegurar que o poder estatal esteja sempre a serviço da igualdade e da promoção do bem comum dos cidadãos por meio de ações positivas73.

Desta forma, enxergar-se a separação de poderes como a teoria da existência de divisão do poder, exercido por meio de órgãos que se autolimitam com base na lei é voltar os olhos ao passado. No dias atuais, a separação de poderes está a serviço do asseguramento de melhores condições de vida aos cidadãos, para o que os Poderes do Estado tem como principal meta a promoção de políticas públicas. Vê-se, por conseguinte, que houve uma “modernização” no fundamento de legitimidade do agir estatal. As atividades de cada Poder hoje são preponderantes, mas não exclusivas, conforme observa Bruno Galindo:

Portanto, pode-se afirmar que denominar os poderes do Estado de legislativo, executivo e judiciário é apenas uma conseqüência da preponderância de atividades legislativos, executivo-administrativas e jurisdicionais em cada um dos poderes em questão, não implicando em exclusividade de seu exercício, como já salientamos74.

Em função disso, o papel do Judiciário começa a ser repensado. Se na clássica versão, este garantia a aplicação da lei, tendo como característica principal a neutralidade, no novo modelo ele controla a execução de políticas públicas, não podendo mais estar alheio ao que acontece com o povo. Mas isto quer dizer que as define? Teriam os juízes legitimidade para estabelecer aquilo que deve ser executado pelo Estado? E como ficam Executivo e Legislativo nesta onda? Para tais perguntas as

73 JORGE NETO, Nagibe de Melo. O controle jurisdicional das políticas públicas. Salvador: Editora

JusPodium, 2009, p. 64.

74 GALINDO, Bruno. Princípio da Legalidade Oblíqua e Súmula Vinculante: a atuação legislativa da

jurisdição constitucional nos 20 anos da Constituição de 1988. In Princípio da Legalidade: da

dogmática jurídica à teoria do direito/coordenadores: Cláudio Brandão, Francisco Cavalcanti e João

respostas não são simples. Há tempos juristas e cientistas políticos vem se debruçando sobre elas. Ao longo do trabalho, buscar-se-á apresentar um ponto de vista acerca da matéria.

2.3. Como a evolução do pensamento jurídico influenciou a magistratura: do