• Nenhum resultado encontrado

Como se forjou o nacionalismo escocês?

O Nacionalismo Escocês foi vivido com diferentes intensidades, e sob diversas circunstâncias históricas, sociais e políticas, sendo que a sua ação menos radical, por comparação com outras manifestações (e.g. irlandesa) talvez ajude a explicar o cunho também ele menos radical e mais inclusivo do próprio Partido Nacionalista Escocês.

No século XVII, a Escócia era um pequeno país consolidado, mas mal posicionado no ambiente geopolítico no início da Europa moderna. As exportações eram de baixo valor acrescentado e faltava-lhe um certo apoio, um “império” que lhe proporcionasse mercados (fiscais, laborais, de consumo, de matérias, entre outros), que lhe garantisse riqueza. Simultaneamente, e tendo o país uma posição estratégica e uma fronteira terrestre cada vez mais valiosa para a monarquia Inglesa, interessava a esta claramente uma unificação. Uma Escócia autónoma era uma ameaça permanente à Inglaterra protestante e as alianças deste país com a França e a Espanha preocuparam os Ingleses. Por isso, a unificação das coroas, na

pessoa de James I, acabou por concretizar-se em 160314. Porém, a simples unificação de

coroas não resolveria os temores da Inglaterra, já que uma união dinástica pode ser bastante instável. Assim, pressionada para unir o seu parlamento ao inglês, a Escócia acabou por ceder. Alguns autores como McLean e McMillan (2005) levantam a hipótese de suborno na tomada desta decisão. Mas a verdade é que a união foi um ponto de viragem na geopolítica do Reino Unido, ao mesmo tempo que eliminava aquela que tinha sido uma fonte de inspiração a outros projetos independentistas um pouco por toda a Europa.

Entretanto, depois desta unificação, a Escócia prosperou.

No século XIX, o nacionalismo escocês não era separatista, até porque nessa altura nenhuma fação sentia os seus direitos ameaçados e violados pelo sistema político para querer mudá-lo (Paquin 2002: 63). Na verdade, o nacionalismo era cultural e ancorado numa sociedade que exibia simultaneamente orgulho e contentamento pelos benefícios que a união de 1707 proporcionou à sua nação, nomeadamente com a união aduaneira. Se a união de 1603 foi uma união onde o único ponto de interseção seria a regência do mesmo rei, sendo que os reinos eram soberanos, cada um com o seu parlamento e com o seu sistema judiciário, em 1707 é firmado o acordo que no ano anterior deu origem à abolição da União entre as duas coroas, para que estas pudessem dar lugar a um único Estado: o Reino da Grã-Bretanha. É precisamente aqui que se vão dissolver os dois parlamentos soberanos e vai ser criado um, em prol da Grã- Bretanha. É, também, por este motivo, que se dá o nome de devolução, quando a história se inverte e parte dos poderes voltam para as mãos dos escoceses, em 1999.

Os escoceses estimavam tanto a união e o Império Britânico que se opuseram vigorosamente, na viragem para o século XX a aceitar uma saída por parte da Irlanda. O Partido Unionista Escocês, o partido com mais sucesso nos tempos iniciais do século XX, foi criado a partir de uma fusão para impedir precisamente a separação irlandesa. Os escoceses eram muito dedicados ao unionismo e definiam, inclusivamente, as suas fronteiras segundo essas máximas (MacWhirter 2014: 16).

14 A legislação da unificação ficou conhecida na Inglaterra como o Acto da União e na Escócia como o Tratado da

Quais, então, as explicações para o nacionalismo? Na obra de Greer (2007), Paterson argumenta que, informalmente, a Escócia sempre foi autónoma, tanto quanto qualquer outra pequena nação europeia e que mesmo com uma a sociedade comungando amplamente valores culturais comuns aos ingleses, foi todavia capaz de ajustar-se a novos desenvolvimentos, tais como a criação do seu próprio Estado Providência15. A Escócia acaba por ser “afortunada”, na

medida em que a própria tradição do Reino Unido se pauta por uma longa herança de desenvolvimento local, algo que se estendeu a este país (Bulpitt 1983 in Greer 2007: 32-3). A autonomia da Escócia (embora não significando independência é certo) e o parlamento da Escócia, são assim dois capítulos de uma longa história de adaptação institucional do Estado às mudanças emergentes (Paterson 1998 in Greer 2007: 180).

Depois de 1945, com a criação do Estado-Providência e o reforço do carácter unitário do Estado, houve nas duas décadas seguintes, pouco espaço para nacionalismos alternativos. O Estado-Providência tinha um íntimo impacto diário sobre a vida das pessoas, por isso, o ser “britânico" foi facilmente interiorizado. O nacionalismo estaria na mesma presente, mas tornou- se implícito, um nacionalismo britânico do centro, em vez de periférico. O Estado escocês operava em busca do “interesse nacional", e frequentemente em concorrência com outros estados ocidentais como qualquer outro estado independente (McCrone 2001: 183).

A crise do Estado-Providência, marcada pela nova realidade global no final da Guerra Fria, onde os problemas financeiros colocariam em causa o carácter social do Estado, provocou uma quebra no vínculo inglês, especialmente entre a classe trabalhadora, que outrora, como nota Keating (2009), tinha sido fundamental na persuasão para que os sindicatos e a classe trabalhadora se mantivessem afastados das tentações nacionalistas, nomeadamente nas décadas de 1930 e 1940.

15O Estado providência é definido como «…a forma política dominante nos países centrais na fase do “capitalismo

organizado”, constituindo, por isso, parte integrante do modo de regulação fordista. Baseia-se em quatro elementos estruturais: um pacto entre o capital e o trabalho sob a égide do Estado, com o objetivo fundamental de compatibilizar capitalismo e democracia; uma relação constante, mesmo que tensa, entre acumulação e legitimação; um elevado nível de despesas em investimentos e consumos sociais; e uma estrutura administrativa consciente de que os direitos sociais são direitos dos cidadãos e não produtos de benevolência estatal»” (Santos 1993: 43-44 in Carvalhais 2004: 76).

“No Reino Unido assiste-se claramente ao gradual compromisso do Estado com a questão social, desde a implantação dos mais básicos direitos do trabalho em finais do século XIX, até ao nascimento do Welfare State na segunda metade do Século XX” (Carvalhais 2004: 76).

O sentimento identitário de carácter distintivo parece às vezes ter-se realizado contra todas as probabilidades, já que, como sublinha McCrone (2001) os marcadores distintivos da identidade nacional, de que a linguagem e religião são exemplos, como já aqui referido, não são os pontos que marcam a diferença e a especificidade escocesa, isto em comparação por exemplo com os Irlandeses e os Galeses. Os escoceses falam, há muito, uma variante do Inglês, e desde o século XVI que se assumem como protestantes. Mas, “afirmações de diferença acabam por amplificar pequenas diversidades num mundo que parece cada vez mais homogéneo” McCrone (2001: 149). Por outro lado, como fazem notar Hastings (1997) e Gorski (2000 in Greer 2007), o facto de o Reino Unido ter uma democracia parlamentar que remonta ao século XVII, permitiu uma maior liberdade, o que ironicamente permitiu maior à-vontade na construção da linguagem nacionalista escocesa.

Importa no entanto perguntar se estaria o sentimento nacional, nomeadamente o escocês relacionado com o sentimento de classes emergentes e com os desejos políticos dessas mesmas classes? Carvalhais (2004) lembra que “Bottomore, ao falar de «ascensão do nacionalismo», tem o cuidado de não fazer coincidir o nascimento do sentimento nacional inglês com o desejo de uma classe proprietária que «luta pelo estabelecimento da soberania popular em lugar da regra dinástica»”. No entanto, a autora reconhece que “a soberania popular (como imagem política que norteia o projeto de ascensão das classes dominantes) pode explicar o impulso dado ao nacionalismo enquanto discurso de politização da questão da pertença nacional em sociedades como os EUA ou a Grã-Bretanha” (Carvalhais 2004: 48) apesar de tal não explicar a ideia de nação.