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O primeiro-ministro Escocês na demanda pela independência

V. 3 1997, e o referendo na Escócia

VI.3. Como se traduz na prática a análise do discurso?

VII.1.5. O primeiro-ministro Escocês na demanda pela independência

Alex Salmond, ao tempo primeiro-ministro escocês, fala após a assinatura do Acordo de Edimburgo, no site do Partido Nacionalista Escocês. O seu discurso marca o início da campanha, com Salmond a assumir um papel fundamental, tanto na condução do referendo, como nas tentativas de persuasão dos eleitores pelo “Sim”. Se associássemos nomes às campanhas rumo ao referendo por parte do Yes Scotland e do Better Together, certamente que oporíamos Alex Salmond a David Cameron.

“We should not underestimate the importance to the wider world of a nation deciding its future by debate and democracy. It’s something we should all take pride in – whether Yes or No – that our ancient nation of Scotland is making its way in the 21st century according to the highest possible standard of popular consent”59.

Existe, em primeiro lugar o enfoque no papel da democracia. São os eleitores, a população escocesa que vai poder decidir se fica ou não no Reino Unido. Depois do Acordo de Edimburgo é o primeiro ponto que Alex Salmond destaca. Independentemente da resposta do referendo considera-se que o caminho a percorrer é uma vitória da democracia.

Estando inserido numa fase tão preliminar da campanha, este discurso não se concentra naquilo que a Escócia vai ganhar se vier a tornar-se independente. Pretende antes dar pistas sobre o percurso da campanha, e alertar para a existência de uma comissão eleitoral.

“Não há dúvida que nos meses que se seguem, vamos assistir a vigorosos discursos e discussões dos dois lados do debate sobre a independência”, alerta Alex Salmond, tudo isto no seguimento da ideia de democracia, que precisa de ser regulamentada para que tudo decorra com normalidade, mas que tem igualmente nos seus interstícios o exercício do debate, do confronto de ideias, que devem ser aceites não só como normais mas sobretudo como salutares e expressões escorreitas do próprio espírito democrático. Fazemos notar que sendo um discurso de preparação do eleitorado, visto à distância talvez Salmond o pudesse ter pensado de forma

59 “Não devemos subestimar a importância de uma nação decidir o seu futuro através do debate e da democracia.

É algo que todos nós nos devemos orgulhar – seja a resposta sim ou não – que a nossa nação Escócia vai traçar o seu caminho no século XXI de acordo com o consentimento popular”.

diferente, pois a verdade é que subconscientemente, não deixa de ser uma mensagem que prepara o eleitor para a vitória como para a derrota. A mensagem de que tudo é democracia, e de que por conseguinte seja qual for o resultado efetivo, a democracia sairá sempre vitoriosa é, por assim dizer, o discurso da pré-derrota e que deve ser sempre evitado por quem deseja ser de facto vencedor de um qualquer processo eleitoral.

Ainda assim, o discurso de Salmond não deixa de ter a sua faceta propagandística. Nestas circunstâncias, a inexistência de argumentos a favor da independência tornaria o discurso demasiado neutro, por isso Alex Salmond começa por dizer que a Escócia é mais próspera que o restante Reino Unido a nível monetário. “O ano passado [2011] a Escócia arrecadou £4.4 Milhões mais do que o resto do Reino Unido – isso representa £824 para todo o homem, mulher e criança o país. Mas nós não temos a habilidade para investir ou guardar esse dinheiro em benefício das nossas futuras gerações”. Salmond tenta dar relevo à ideia de que a Escócia, ao estar “presa” ao Reino Unido está a atrasar o seu desenvolvimento60. Por outro lado, os

números assumem aqui um papel fundamental, os números normalmente não mentem e acabam por ser os melhores argumentos para legitimar as palavras.

Alex Salmond levanta ainda algumas questões:

“On international representation, why would we wish to be represented by sceptics of Europe when we could be influential and respected?61

On defense why would this nation of 5 million people elect to waste billions on weapons of mass destruction, when we have still have thousands waiting for a decent home and a life chance?”62

Como vemos no primeiro excerto, Alex Salmond joga a carta das reticências do Reino Unido quanto à permanência na União Europeia (recordemos que David Cameron assumiu que se

60 Este é aliás um argumento que nos faz recordar outros semelhantes a propósito de outras causas

independentistas como a da Catalunha. Também aí os apoiantes da independência invocam a miúde a pujança económica e financeira da Catalunha e o facto de esta ser inclusivamente prejudicada por ter de ‘financiar’ um estado central despesista e financeiramente dependente da riqueza produzida na região autónoma.

61 “Na representação internacional, porque é que haveríamos de desejar ser representados por céticos europeus,

quando poderíamos ter uma posição respeitável e de influência.”

62 “Em nossa defesa, porque haverá esta nação de 5 milhões de pessoas de eleger deputados que gastam biliões

em armas de destruição massiva, quando temos ainda milhares à espera de uma casa decente e de uma oportunidade para viver?”

vencesse as eleições legislativas em 2015, faria um referendo em 2017 a questionar a continuidade do Reino Unido na União Europeia) procurando assim aproximar-se de todos os eleitores que partilham a sua vontade de ingressar na UE em caso de independência. Este argumento segue uma linha de persuasão muito perspicaz, pois o eleitor que se identifica com o projeto europeu será em princípio mais sensível ao apelo independentista uma vez que a Escócia do “Sim” é claramente pró-europeia, ao contrário das eternas resistências do Reino Unido. Simultaneamente, o cidadão pode até não ter uma posição definida sobre os benefícios e consequências da independência, mas se for seu desígnio continuar na União Europeia, então votar ‘Sim’ vai aparecer-lhe como uma forma mais sensata e inteligente de garantir o apoio ao projeto europeu através do pedido de entrada da Escócia como estado-membro.

No segundo excerto, vemos que o primeiro-ministro escocês manifesta a sua preocupação em relação à grande quantidade de armamento existente no Reino Unido para efeitos de segurança externa. Salmond, experiente estadista, não é certamente ingénuo e sabe que viver num mundo globalizado, é conviver simultaneamente com ameaças transnacionais de diversa natureza, que incluem o terrorismo, o crime organizado, o tráfico de seres humanos, a possibilidade de guerras biológicas e nucleares, a pirataria, o crime ambiental, entre tantos outros. Sabe também que num mundo de interdependência complexa, possuir meios de manifestação não apenas de soft power, mas também de hard power, faz a diferença na credibilidade e prestígio da imagem que o Estado projeta sobre os demais. No entanto, Salmond também é um político experiente e nestas declarações é esse o lado que emerge. Salmond sabe que o eleitor estará menos interessado na raison d‘état que obriga à alocação de parte do PIB à sustentação das forças armadas, e estará, pelo contrário, mais preocupado com a qualidade do ensino, a sustentabilidade do sistema de proteção social, ou com a continuidade de bons serviços públicos de saúde. E por isso, numa jogada inteligente, Salmod aposta na exploração da vertente social, projetando na mensagem pelo “Sim” a ideia de uma Escócia próspera que, ao contrário do Reino Unido, está mais empenhada na qualidade de vida dos seus cidadãos do que na exibição de capacidades bélicas

Salmond assume dois cenários possíveis como se no boletim de voto o ‘Não’ significasse “um futuro com governos em que não votamos para impor cortes e políticas que não apoiamos”

e o ‘Sim’ oferecesse “um futuro onde podemos estar absolutamente certos de que a Escócia vai ter um governo pelo qual votou”.

O enfoque do seu discurso sugere o significado democrático do voto, a influência que a massa de cidadãos tem sobre a organização do governo e no facto de o “sistema de Westminster não resultar num país como a Escócia”, ainda que não explique concretamente o porquê de esse modelo não resultar.

O discurso termina com expressões motivacionais, capazes de dar esperança aos eleitores com mais dúvidas:

“Faltam apenas 547 dias e acredito que vamos tomar a responsabilidade pelo nosso país. Onde vamos ser capazes de falar pela nossa própria voz, escolher a nossa direção”.

Presume-se portanto que a Escócia passará do estatuto de inferioridade a que tem estado relegado até ao presente, para um estatuto de maioridade soberana uma vez abraçada a plena independência.