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CAPÍTULO I LINGUAGEM, LÍNGUA E LÍNGUA ESTRANGEIRA

1.2 O campo da aprendizagem e do ensino de língua estrangeira

1.2.2 Como o/a jovem se forma para lecionar língua estrangeira?

A docência, quer seja em línguas ou em outro componente curricular, “é um trabalho multidimensional que incorpora elementos relativos à identidade pessoal e profissional do professor, à sua situação socioprofissional, ao seu trabalho diário na escola e na sala de aula” (TARDIF, 2011, p.17). Há saberes adquiridos em formação inicial, estágios e formação continuada e há os saberes do/a próprio/a professor/a, aquilo que traz por meio de suas experiências pessoais, socioculturais, incluindo sua experiência como discente. Jovem que leciona para jovem, nativos/as do idioma que lecionam, jovens que não conhecem o país do idioma lecionado, profissionais que se encontram em contratação efetiva, outros em contratação temporária na rede pública: eis algumas das características de docentes em línguas, sem citar profissionais em línguas sem formação em didática ou licenciatura, no caso das instituições privadas de ensino59.

Tardif e Lessard (2009) afirmam que o trabalho do docente representa uma atividade profissional “complexa e de alto nível, que exige conhecimentos e competências em vários campos: cultura geral e conhecimentos disciplinares, psicopedagogia didática, conhecimentos das novas tecnologias [...]” (p.7) entre outros conhecimentos, tais como habilidades nas relações de classe, relações humanas, além de conhecimentos das dificuldades de aprendizagens e uma visão do sistema de ensino em que se encontra. O/a jovem que pretende se formar em línguas para lecionar depara com uma preparação para uma profissão cada vez mais complexa.

Mesmo se há quarenta anos, Halliday, Mcintosh e Strevens (1974) afirmam que “o ensino de línguas estrangeiras é uma das principais profissões do mundo” (p.184)60, com “um público amplo” (p.167), acredita-se que no Brasil, os/as jovens não

têm no ensino de línguas uma das principais profissões. A ausência de aprendizagem em línguas estrangeira é muito alardeada na contemporaneidade, sobretudo, pela mídia em geral, como fator de menor empregabilidade. No campo universitário, este déficit de aprendizagem é ressentido por aqueles/as que pretendem ingressar em programas federais para estudantes de graduação como o Programa Ciências Sem Fronteiras.

Segundo Dahlet (2004), “se formar é ter o trabalho e o prazer de se transformar” (p.14), na medida em que se adentra em “territórios profundos de sua

identidade” (p.15)61. Para este autor, “instala-se um projeto, o projeto de formação:

dar sentido a este objeto novo e por ele mesmo, novas significações a uma história” (p.15)62. Formar-se em língua estrangeira significa estar preparado “para

compreender que ensinar uma língua estrangeira é oferecer experiências de estranheza, provocar situações de estranhamento [...]” (CORACINI, 2013, p.158). Este estranhamento ocorre quando o/a docente em línguas não é um/a nativo/a do idioma que leciona. Este/a jovem não-nativo/a do idioma que leciona tem sua proficiência em línguas comparada aquela do docente nativo/a. Tomazoni e Lunardi (2011) relatam, a partir de uma pesquisa com docentes de inglês, que se sentiam inferiorizadas por não serem nativas no idioma que ensinavam.

A própria história do ensino de língua estrangeira está atrelada ao desenvolvimento do curso de Letras, curso que englobou, por muito tempo, em diversas universidades do país, os campos da Linguística e, em muita menor escala, o campo da Linguística Aplicada. A progressiva consolidação do campo intitulado de Linguística Aplicada, ocorreu sobretudo a partir de meados dos anos 1960 no país63.

Na França, por exemplo, essa área é intitulada Didactique des Langues Étrangères. De acordo com Moore (2006), a Didática das Línguas atualmente tem refletido de maneira global sobre a valorização e a promoção do plurilinguismo64 como objetivo

comum na educação dos estudantes. O campo da Linguística, sobretudo, a abordagem Pragmática Interacionista também reflete sobre o ensino de línguas, tendo em vista que é o estudo da linguagem em ação. Kerbrat-Orecchioni (2005), linguista interacionista, afirma que “ensinar uma língua é ensinar também o funcionamento dos atos de linguagem, ou seja, um conjunto de regras de correlações entre estruturais formais e valores ilocutórios”65 (p.200). Exemplifica com a presença dos atos de

linguagem que “entram com força nos manais de francês como língua estrangeira” nos anos 1970. (KERBRAT-ORECCHIONI, 2005, p.200).

No Brasil, em 1957, Valnir Chagas lança sua obra cujo título faz apelo à didática do ensino de línguas: Didática Especial de Línguas Modernas, uma obra fundante para o campo do ensino de línguas. Almeida Filho (2004) salienta que, até os dias atuais, não há obra equivalente no âmbito do ensino do português como língua materna. Chagas (1979) parte da evolução do ensino das línguas antes da Renascença, da revolução industrial aos nossos dias. Discute as questões dos objetivos em LE, do conteúdo a ser desenvolvido (ensino do vocabulário, da leitura,

da gramática, a prática em LE, dos recursos complementares) até a questão da avaliação. Segundo Anísio Teixeira, que prefacia esta obra, a mesma é um livro de pensamento e de ciência para “iluminar a cabeça do professor de língua estrangeira” (p.17) que é recomendada aos/às educadores/as66 em geral. Uma obra sobre a

didática do ensino de línguas passa a ser vista como referência para cobrir uma lacuna na literatura específica sobre didática67.

De acordo com Vandresen (2009), a Linguística, uma disciplina pouco conhecida, foi introduzida nos currículos de Letras em 1962, por resolução do Conselho Federal de Educação (CFE). Esta resolução “mudou radicalmente o enfoque metodológico-científico dos cursos de Letras, até então centrados na perspectiva histórica da filologia e na gramática normativa” (VANDRESEN, 2009, p.09). Fialho e Fideles (2008) afirmam que os cursos de Letras foram estabelecidos com “a finalidade de preparar trabalhadores para o exercício das altas atividades culturais de ordem desinteressada ou técnica” (FIALHO; FIDELES; 2008, p.05). Além destas atividades, o curso de Letras preparava candidatos ao magistério do ensino secundário, normal e superior.

Matos (1976) traz em dois artigos um balanço sobre a área Linguística Aplicada e explica que “A Linguística ou Ciência da Linguagem foi incluída no Currículo de Letras em 1962, por força de um parecer do Conselho Federal de Educação” (p.49). Esclarece que em 1965, com o I Seminário Brasileiro de Linguística, por iniciativa do Instituto de Idiomas Yázigi e patrocinado pelo Ministério da Educação e Cultura, Secretaria da Educação do Estado da Guanabara, e da Universidade do Brasil há um movimento rumo à organização da área Linguística Aplicada (MATOS, 1976, p.50). Este autor cita eventos entre 1965 até 1975 em que houve destaque para a aplicação pedagógica de estudos linguísticos no auxílio do ensino de idiomas e da língua materna e também o aparecimento de traduções de obras de psicolinguística e de clássicos da Linguística Aplicada. Esse autor clama pela “necessidade de uma base teórica ampla e diversificada ao invés de concentração exclusiva em um modelo linguístico [...]” (MATOS, 1976, p.57). Entretanto, mesmo com necessidade de consolidação da Linguística Aplicada no Brasil, Matos (1976) adverte sobre a importância de se produzir centrando-se “em problemas educacionais prioritários” (p.57) e manifesta o desejo de que o “no decênio 1975-1985 nossa Linguística Aplicada seja mais e mais Educacional” (idem). Para que isso aconteça, este autor

acredita que “é “imprescindível que haja uma aproximação entre os especialistas em Linguística Aplicada e os da ciência-arte da Educação a fim de, juntos, contribuírem para uma maior eficácia do sistema educacional brasileiro” (MATOS, 1976, p.57).

A questão da formação do docente em LE esbarra no tema do isolamento do/a docente em geral e não apenas do/a docente em LE. Gimenez (2011) afirma que o isolamento do docente de inglês, seu foco em sua reflexão individual e sua falta de atenção ao contexto social do ensino podem ser atribuídos aos cursos de Letras, quando centram sua formação apenas no domínio das competências linguísticos- comunicativas. Imbéron (2010) acredita que “a reflexão individual sobre a própria prática pode melhorar com a observação de outros, sobretudo porque a docência ainda é uma profissão isolada” (p.32).

Almeida Filho (2004) destaca que o Seminário Nacional para o Ensino Comunicativo de Línguas em 1978, realizado em Florianópolis foi um divisor de águas para o ensino de idiomas, com a discussão da abordagem comunicativista. Essa filosofia comunicacional vem em oposição à centralidade da forma linguística no processo de aprendizagem e “propõe a interação como intenção comunicativa real como ambiente básico de envolvimento, aquisição de competência comunicativa [...]” (ALMEIDA FILHO, 2004, p. 23). Os livros didáticos para o ensino de línguas se tornam mais ilustrativos e surge a interação e negociação de sentido, em torno de temas de maior interesse dos estudantes.

Nos anos de 1980 e 1990 surgiram inúmeras faculdades, centros universitários e universidades particulares em todo território nacional com oferta de licenciaturas em línguas. Torna-se cada vez mais evidente que a aprendizagem de pelo menos uma língua é de fato “uma oportunidade única para nos livrarmos das limitações que o monolinguismo impõe à formação de cidadãos cultos e preparados para a vida contemporânea” (ALMEIDA FILHO, 2004, p.31). Imbéron (2010) destaca que nos anos 1980, surge um “paradoxo da formação” com o ápice da técnica na formação e a resistência prática e crítica (p.19), com uma tímida mudança nos modelos de formação continuada docente na década seguinte. Tardif (2013) exemplifica esta década como um período de imputabilidade, obrigação de resultado, contrato de performance, entre outras características.

O debate a respeito da licenciatura plena em português e em uma língua estrangeira continua atual. Mesmo tendo sido publicada nova resolução por meio das Diretrizes Curriculares para o curso de Letras, observa-se que não houve nenhuma alteração quanto a essa situação até a presente data, pois predominam os cursos de português e inglês com a crescente ascensão do espanhol, em dupla-opção. Paiva (2003) destaca que os cursos têm sido mais curtos, durante três anos, muitas vezes com estudantes que não investiram em língua estrangeira na Educação Básica68. A

formação de professores, especificamente para didática de língua estrangeira, nos cursos de Letras é praticamente inexistente, segundo Paiva (2003). A manutenção da licenciatura dupla mantém-se em alguns estabelecimentos de educação superior sem debate ou qualquer movimentação para que a mesma se modifique.

Almeida Filho (1992) analisa a situação na qual o/a professor/a de línguas se encontra nesse período como um/a profissional que pouco lê, pouco fala, não escreve, nem entende a língua estrangeira alvo de sua habilitação quando em uso comunicativo e com salário precário que o faz se dividir em numerosas aulas semanais69. Sugere que se tenha no Bacharelado de Letras a instrumentalização

linguística básica para a língua estrangeira e que na Licenciatura se propicie a instrumentalização pedagógica necessária70. Isso vem ao encontro ao artigo

contemporâneo de Reis (1992) na qual a autora afirma que “ensinar alguém a aprender inglês não é a mesma coisa que ensinar alguém a ensinar alguém a aprender inglês” (p.74).

Vieira-Abrahão (1992) realiza um levantamento para avaliar o trabalho de formação de professores/as71 de língua estrangeira, sobretudo na disciplina Prática

de Ensino, tendo em vista que a disciplina Linguística Aplicada não tem espaço nos currículos de Letras em geral. Como resultado de sua pesquisa constata a falta de fluência do/a estagiário/a na língua estrangeira, uma ausência de recursos matérias na escola, uma dificuldade do/a estagiário/a em ministrar aulas dentro da abordagem comunicativa72, dificuldades de ordem disciplinar e indiferença por parte de alguns

diretores/as de escola para com o trabalho desenvolvido pelos estagiários. Desde os anos 1990, Vieira-Abrahão (1992) chama a atenção “para o grande potencial para a pesquisa que as atividades de formação de professores oferecem pesquisas essas ainda tão escassas, mas tão necessárias na área” (p. 54).

No ano de 2001, de acordo com Almeida Filho (2004), o Ministério da Educação avaliou 474 cursos de Letras credenciados, sendo que neste mesmo ano havia mais de mil cursos de formadores de professores/as de línguas. Em 18 de fevereiro de 200273 são criadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para formação de

professores para Educação Básica. No dia seguinte é instituída a duração e a carga horária dos cursos de licenciatura plena74. Observou-se que os currículos do curso de

Letras ficaram mais flexíveis. Paiva (2003) destaca que essa flexibilização aconteceu com a introdução do conceito de atividade curricular, o que abriu a possiblidade para que os/as estudantes completassem seus créditos com atividades de extensão ou em eventos acadêmicos. A partir de então, a avaliação do curso de Letras passou a ser avaliado também considerando o número de docentes envolvidos com o estágio. Ainda em 2002, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares para o curso de Letras pela Câmara do Ensino Superior75.

Mascarenhas (2002) pesquisa o encontro de professores/as de inglês com o conteúdo e forma dos PCN-LE para o ensino fundamental. Os depoimentos dos/as pesquisados/as “demonstram as suas insatisfações em relações às condições das escolas e do contexto social geral do país que os impossibilitam proporcionar aos seus alunos a experiência de vivenciar a LE em sala de aula” (MASCARENHAS, 2002, p.180). Essa autora destaca que os objetivos educacionais para aprendizagem de LE se sobrepõem à preocupação com a aquisição da língua estrangeira e esbarra no pragmatismo imposto pelos exames vestibulares e pela falta de uso do idioma. Almeida Filho (2012) amplia o leque de objetivos para aquisição e aprendizagem de uma língua estrangeira: objetivos linguísticos, educacionais, psicológicos, culturais e práticos.

Outros movimentos surgiram em relação aos estudos em Letras e áreas afins, como por exemplo, com a ampliação e transformação dos Centros Técnicos em Institutos Superiores Técnicos durante a primeira década do século XXI, instituições essas que têm oferecido vagas em mestrado no campo da linguagem. Atribui-se como uma das possíveis dificuldades na consolidação deste campo do conhecimento a variedade de nomenclatura destes cursos. Os diversos nomes de programas de Pós- Graduação e de cursos, apesar de não significar a pulverização do conhecimento, entretanto esta nomenclatura diversa pode trazer dificuldades quando se pretende estabelecer o estado da arte da Pós-Graduação no Brasil, neste campo de

conhecimento. Diversas discussões sobre o ensino de língua estrangeira ocorreram também por meio de reuniões anuais das Associações de Professores de Línguas Estrangeiras, congressos e seminários76. Imbéron (2010) corrobora com “a

importância das associações de professores e dos movimentos docentes para a formação continuada” (p.87).

Em 2009 foi criado o bacharelado em Linguística Aplicada na Universidade de Brasília, como uma ação do Programa REUNI - Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais, cujo objetivo foi o de expandir as vagas para estudantes de graduação no sistema federal de ensino superior. Para Almeida Filho (2009a), a Linguística Aplicada é a teoria da prática e a universidade é o lócus de geração do conhecimento teórico, mesmo que se tenha hoje em dia, na escola regular, as características de uma forte abordagem gramatical, usada pretensamente de forma comunicativa. Uma repercussão das políticas públicas que articulam o ensino LE para o Ensino Médio tem reflexos na formação docente, como por exemplo, a valorização do ensino de espanhol77, obrigatório a partir de 2010

em escolas de Ensino Médio78.

Em 2011, o programa Ciências Sem Fronteiras79 foi lançado, não abarcou

os/as estudantes de Letras. Em contrapartida, foi ofertado curso de inglês na modalidade a distância para aquisição de proficiência em idiomas80.

Programas atrelados às representações estrangeiras no país oferecem oportunidade de formação docente em línguas para estudantes de graduação e para formação continuada81. É o caso da Embaixada da França, em parceria com as

instituições francesas: Centro Nacional de Educação a distância (CNED) e Centro Internacional de Estudos Pedagógicos (CIEP), que oferecem o curso de Profissionalização em Francês Língua Estrangeira – ProFLE. Em 2011, esta parceria se estende à Universidade de Brasília e em 2012, à Secretaria de Educação do Distrito Federal82. Efetivamente, o que se observou, ao menos na realidade do DF é que a

Pós-Graduação em Linguística Aplicada (LA) tem refletido em questões de aquisição de língua, sua aprendizagem e a formação de docentes em LE e em português como língua estrangeira. Na Faculdade de Educação da UnB, constatou-se que há pouca produção com o cruzamento destas duas áreas: LA e Educação, dentre elas este estudo, conforme Apêndice A.

Neste primeiro capítulo, situou-se um dos campos teóricos deste estudo: linguagem, língua e língua estrangeira. Por meio do diálogo entre estudos clássicos sobre linguagem e língua objetivou-se justificar a importância das mesmas no estudo e ensino de língua estrangeira.

O campo da língua estrangeira é compreendido a partir de sua aprendizagem e de seu ensino. O/a jovem da Educação Básica pública aprende línguas estrangeiras na escola regular e, no caso do Distrito Federal, em escolas específicas de línguas. Refez-se o caminho histórico deste componente curricular no Brasil, dos anos 1930 aos dias atuais e percursos de formação docente em LE, trazendo eventos e instituições relevantes sobre este tema. O/a jovem que leciona línguas tem sua formação inicial docente por meio de curso em universidade, podendo incrementá-la participando de acordos de cooperação internacional, tendo acesso a estágio no exterior. Aprender e ensinar englobam a comunicação com o/a outro/a. Comunicar com o/a outro “que pode ser diferente de mim, mas do qual eu quero me aproximar. Ensinar uma língua, é permitir a aquisição de um novo sistema de valores, de referências culturais e de comportamentos sociais” (PIETRARÓIA, 2004, p.75).

No Capítulo II, aproxima-se o campo da língua estrangeira ao campo da juventude e gerações.

Ilustração 2 : Grupo de Discussão realizado no CIL de Ceilândia.