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CAPÍTULO IV TRAJETÓRIA DA PESQUISA DE CAMPO

4.4 Construção de dados qualitativos para interpertação

4.4.3 A transcrição dos dados orais

Reconstruir dados qualitativos significou a passagem dos dados orais em dados textuais, com a degravação das falas dos/as participantes. Todos os 18 grupos de discussão foram transcritos em sua totalidade, sendo que 10 foram organizados para interpretação de dados, de acordo com a triangulação entre a Análise da Conversação e o Método Documentário11.

As gravações das falas dos/as participantes foram realizadas por meio de um programa gratuito e disponível para download, intitulado Audacity. Todas as entrevistas e grupos de discussão foram gravados diretamente com o uso de computador. As falas foram degravadas e transcritas. Define-se transcrição por meio de Halliday, Mcintosh e Strevens (1974) como sendo “uma técnica para representar sem ambiguidade e de maneira coerente os dados fonéticos em forma gráfica” (p.89). Entretanto, para este estudo realizou-se uma transcrição fonológica, ou seja, uma transcrição em que os sons que apresentam contrastes na lingua em questão foram descritos também.

Para reconstrução dos dados orais foi preciso transcrevê-los de maneira detalhada, para além de uma transcrição ortográfica. Adentrou-se nos processos de investigação por meio das transcrições, destrinchando e esmiuçando as falas e os temas oriundos dos grupos de discussão e entrevistas narrativas. Assinalou-se nas transcrições das falas durante os grupos de discussão os silêncios, as risadas, as diferenciações de entonação, os comentários sobre as pesquisas em si, os rituais de abertura e encerramento. Para Halliday, Mcintosh e Strevens (1974), a entonação abraça três escolhas distintas: a) “a localização dos limites do grupo tonal, [com] a divisão de uma expressão verbal em grupos tonais” (p.96); b) “a escolha de um pé em grupo tonal para transportar a tônica, ou principal movimento da altura do som” (idem), ou seja a tonicidade; c) e a escolha de um entre vários possíveis tons” (idem), como por exemplo, o tom ascendente ou decrescente. Todos estes elementos constituem parte da construção dos dados da pesquisa. As falas, neste estudo, foram codificadas12 para representar o mais fidedignamente possível os

turnos das conversações.

Buscou-se “a reconstrução da organização do discurso, isto é, da identificação da forma como os/as participantes se referem uns aos outros” (BOHNSACK; WELLER, 2010, p.82). Segundo Marcuschi (2006), as hesitações do discurso e repetições são momentos de organização do pensamento e de planejamento de fala. Assim, a cada escuta de áudio, apurou-se o dado, gerando várias versões da transcrição do trecho apresentado. De uma transcrição bruta, passou-se a uma transcrição fina e codificada, com numeração das linhas e a marcação das pausas, risos, sobreposição de vozes, falas simultâneas, ênfase, diminuição e elevação do tom de voz, por exemplo.

Durante este estudo, a primeira versão de transcrição resultou em um texto ortograficamente organizado. Intitulou-se esta versão de transcrição bruta. Na passagem da transcrição bruta para a transcrição estrita, realizou-se a mudança dos nomes próprios, de pessoas e lugares, para garantia do anonimato e preservação das instituições e a codificação necessária. O quadro 09, apresenta uma comparação de duas versões de transcrições: a primeira versão de transcrição (transcrição bruta) e uma transcrição fina (transcrição estrita) de um excerto da entrevista narrativa com a jovem Juliana, 24 anos, que leciona espanhol em Ceilândia. Esta entrevista foi realizada em Ceilândia, em 05/12/2012, com a duração total de 00:42:49:

Quadro 09: Comparação de versões de transcrição de dados orais

Transcrição bruta (Primeira versão)

Transcrição fina (Versão final)

Denise: Você faz, ou fez letras espanhol?

XXXX: Eu fiz letras espanhol, e inclusive eu aprendi só na faculdade, ai tem até uma pergunta no

questionário, onde aprendeu, e o espanhol eu aprendi só na faculdade mesmo, cheguei lá sem nenhuma noção de espanhol, mas foi muito bom.

Denise: E os outros idiomas você fez até o nível avançado? Como é que foi esse percurso?

XXXX: Foi até o nível avançado. Denise: Você fazia ao mesmo tempo? XXXX: Foi assim, quando eu estava no B3, eu acho do francês, ai eu iniciei o inglês, e ai eu fiz os dois em conjunto, e como eu iniciei o francês primeiro, eu terminei primeiro né, assim, eu não tive dificuldade, eu fui ter dificuldade na faculdade quando eu fui aprender o espanhol, ai eu confundia né, às vezes, uma palavra em inglês, uma palavra em francês e o espanhol não saia.

Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora – 2013.

O processo de verificações de transcrições ocorre a fim de tudo seja codificado, como as marcações de risos, pausas, silêncios, conversas paralelas, barulhos externos, falas indiretas com uso de fontes contextuais e a verificação das falas e seus interlocutores. Dessons (2005), destaca que o silêncio é um vazio textual e uma ausência que deve compor a conversação, “como aquilo que não sabemos ouvir na linguagem” (p.49). As sobreposições de vozes e as falas simultâneas foram assinaladas igualmente.

Durante a codificação das falas na transcrição fina, sentiu-se a necessidade de se destacar a narração indireta, sobretudo para a verificação da fonte contextual utilizada pelo falante. A fala indireta é classificada por Goffman (1987) como narração. Goffman (1987) esclarece que o público torna-se ouvinte de uma história, podendo haver mudança de posição: de orador/a para narrador/a; de falante para respondente, por exemplo. Cabe ao/à orador/a mudar o ritmo, como estratégia para chamar a atenção do público para um outro contexto (p.162). Destaca-se, por meio de Halliday, Mcintosh e Strevens (1974), que o ritmo constrói padrões nas línguas e estes não são os mesmos em todas as línguas.

Optou-se em se transcrever as entrevistas e os grupos de discussão em sua integralidade para compreender o construto interacional e conversacional. Sendo assim, todo o conteúdo dos 10 grupos de discussão que foram selecionados para interpretação, nesta pesquisa, foram transcritos e codificados em sua integridade, na tentativa de se aproximar dos critérios elencados por Marcuschi (2006) de uma boa transcrição13. Visando esta vigilância, ao se construir os dados

dentro desta abordagem qualitativa de caráter reconstrutivo, procurou-se fazer a transcrição dos dados “mais fielmente possível” (VILELA, 2003, p.459). Assim, pretendeu-se reproduzir todas as falas que foram emitidas, pois “nada pode escapar à avaliação, nada do que foi revelado ou observado pode ser tratado como trivial” (VILELA, 2003, p.459).

A passagem da transcrição bruta (com codificação ortográfica) para uma transcrição estrita (com codificação) demandou tempo e atenção, tendo em vista que em alguns grupos de discussão houve até oito versões, a fim de se chegar à versão final da transcrição para interpretação. As entrevistas narrativas têm menos versões de transcrições, tendo em vista de que há mais narração do que trocas conversacionais.

O quadro 10 apresenta o quantitativo de versões de transcrições por grupo de discussões e entrevistas narrativas, mesmo cientes de que este material é aberto e que futuras análises podem requerer ainda mais versões de transcrição de dados orais:

O quadro 10: Quantitativo de versões de transcrições de dados orais por grupos de discussões e entrevistas narrativas

Código da Entrevista ou do Grupo de Discussão

Nome da entrevista ou do grupo de discussão

Quantidade de versões das transcrições

EN01 Foi Muito Bom 06

EN02 Primeiro Lugar 04

EE03 O Tempo é Outro 03

EI04 Missão 06 GD01 Aurora 08 GD02 Tirar Onda 08 GD03 Porto Seguro 08 GD04 Aurora II 04 GD05 Marcar História 06 GD06 Pedra do Sapato 05 GD07 Dimensão 07 GD08 Com Música 06 GD13 Como Um Espelho 06

GD14 Jogado aos Leões 06

GD18 Esforço 07

Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora – 2014.