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CAPÍTULO IV TRAJETÓRIA DA PESQUISA DE CAMPO

4.5 Etapas de interpretação dos dados qualitativos

Uma vez que os dados qualitativos foram construídos por meio do diário de campo, do perfil dos/as entrevistados/as, da transcrição dos dados orais e da divisão temática, partiu-se para a interpretação dos mesmos. As etapas de interpretação dos dados qualitativos foram realizadas em passagens selecionadas de acordo com as questões de pesquisa. Uma vez selecionadas as passagens há quatro etapas de interpretação, de acordo com o Método Documentário: interpretação formulada, interpretação refletida (nesta etapa ocorreu a triangulação com o método Análise da Conversação) e as duas etapas finais de interpretação: a comparação e a construção de tipos.

A primeira etapa de interpretação de dados qualitativos é a interpretação formulada. Esta interpretação é o sentido imanente, a reprodução do que foi falado pelos sujeitos de pesquisa. Baseia-se na transcrição bruta das falas. O quadro 12 exemplifica uma interpretação formulada, a partir da passagem Trajetórias, do grupo de discussão GD Como um Espelho:

Quadro 12: Exemplificação de uma interpretação formulada a partir da passagem Trajetórias do GD Como um Espelho

Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora – janeiro/2014.

Grupo de Discussão: GD Como um espelho

Local de realização do GD: Brazlândia Data de realização do GD: 03/10/2012 Passagem: Trajetórias Duração da passagem: 00:14:31 - Linhas: 01-233

Participantes do GD de jovens que lecionam LE: Gisela (Gf), 23 anos; Helen (Hf), 28

anos; Camilo (Cm), 29 anos; Juan (Jm), 22 anos

Ls 01-04:Pergunta inicial da pesquisadora: “Vocês poderiam falar um pouco da trajetória de

vocês e como que vocês se interessaram por estudar língua estrangeira?”

Ls 05-34: A trajetória escolar e de docência de Gisela (Gf)

Gisela (Gf) apresenta que seu interesse por estudar idiomas na faculdade nasceu durante o ensino médio. Não teve isto como um sonho de infância. Quando estava no ensino médio seus professores, sobretudo professores do cursinho mostravam a importância do espanhol que se tornaria disciplina obrigatória, que este seria um bom mercado de trabalho. Pensou em ter um emprego imediato e tinha também afinidade com inglês, espanhol, com língua estrangeira em geral. Entrou Letras como opção no PAS para UnB pensando no mercado de trabalho. Não houve aceitação fácil por parte de sua família porque sua nota no PAS seria suficiente para outros cursos, afirma que sua mãe ficou inclusive chateada quando colocou Letras. Apesar disto tudo, no final deu tudo certo porque sua mãe viu que algo que lhe proporcionou um emprego cedo, aos 21 anos, era já professora efetiva na Secretaria de Educação. Sua mãe viu que valeu a pena e ao mesmo tempo, tinha ainda um desejo, compartilhado por sua família de que continuasse estudando. Gf resume sua trajetória: chegou ao Centro de Línguas, dava aula em escola regular ao tomar posse na SEDF, mas como já tinha sido estudante de CIL e saber que o ambiente é diferente, por poder colocar em prática o que aprendeu e praticar o idioma, tentou a lotação em CIL, porque seria em sua opinião, um melhor ambiente para trabalhar dentro desta profissão.

A segunda etapa de interpretação dos dados, segundo o Método Documentário, é chamada de interpretação refletida. Trata-se de uma observação mais detalhada, segundo Weller (2006). O/a pesquisador/a faz suas interpretações, podendo recorrer ao conhecimento teórico e empírico adquirido sobre o meio pesquisado. Questiona-se nessa etapa o como foi dito, se houve interação com o/a outro/a, se a fala foi refutada por algum/a participante, se houve uma fala de conclusão ou se houve uma mudança de voz. Weller (2011) destaca que a imersão no meio pesquisado exige um “controle metodológico permanente do processo de interpretação, de forma a evitar vieses ou afirmações distorcidas sobre a realidade social dos entrevistados” (p. 19).

Assim, para além deste sentido objetivo, ao interpretar o “como” ocorreram as interações, propiciou a identificação de qual tipo de elaboração foram realizadas pelos participantes. É durante esta segunda etapa de interpretação de dados do Método Documentário, a interpretação refletida, que se compreende as construções explicativas, justificativas, exemplificativas, conclusivas, por exemplo15.

Pode haver longos momentos de explicações ou conclusões por parte dos/as ouvintes. Goffman (1973) destaca que durante as relações em público, pode haver uma reserva temporal e situacional para qual o indivíduo se desloca e para ocupá-la. Não se trata de um direito permanente ou egocêntrico, mas um espaço legitimo nas discussões de grupo. (GOFFMAN, 1973). O espaço pessoal é uma “porção de espaço que envolve um indivíduo e onde toda penetração é sentida por ele como um impedimento que provoca uma manifestação de desprazer e às vezes de abstinência” (GOFFMAN, 1973, p. 44)16.

Durante esta segunda etapa de interpretação de dados da pesquisa houve a triangulação entre a interpretação refletida como proposta no Método Documentário com o método Análise da Conversação. Utilizou-se a análise do frame ou enquadre, das trocas interativas. Recorreu-se à obra de Goffman e à obra de Marcuschi (2006), com a análise dos turnos e sequências, dos pares adjacentes, ritualizações, silêncios, entre outros. O contexto é o cenário da fala e não apenas o sentido estrito do que foi dito (GOFFMAN, 1974). Como apresentou Marcuschi (2006), na Análise da Conversação, os organizadores conversacionais devem ser explicitados. São três tipos de organizadores conversacionais: a) os organizadores globais: de abertura, de desenvolvimento e de fechamento; b) os organizadores em nível de sequência: tomadas de turno, as pré-sequências, as sequências inseridas, a

preferência e despreferência; e c) os organizadores de turno: as falas simultâneas, pausas, reparações entre outros. Destacou-se os marcadores conversacionais do tipo verbais e não verbais, os chamados paralinguísticos.

Ao longo da interpretação evitou-se o temo frase, que é uma unidade englobante ou contextual cujo interesse linguístico é maior e que tem por unidades inclusas ou dependentes os morfemas, as palavras e os elementos prorrogados como os sintagmas e as proposições (GOFFMAN, 1974). Para Goffman (1974) a fala não é frase. Pode até ser que a fala coincida com a frase, contudo é mais frequente que o/a falante apresente aos/as seus/suas ouvintes mais de um equivalente de frase. Uma enunciação ou elocução significa uma unidade falada e o uso desse termo informalmente designa palavras faladas. A dificuldade em compreender tais conceitos - o de frase17 e o de fala – ocorre porque esses

conceitos derivam primeiramente de uma análise linguística e não de uma análise interacional.

Não se trata de analisar as transcrições das falas e as frases do ponto de vista da sintaxe, pretende-se ter a fala como uma unidade de análise, além de seu sentido sintático e semântico, ao se admitir que a fala seja uma forma dialógica. É essa ideia que orientou a interpretação nesta pesquisa interpretação de uma unidade de análise. O turno de fala são “dois atos diferentes” (GOFFMAN, 1974, p.30). A fala durante dois turnos pode inclusive funcionar como uma única unidade interacional. Há o que Goffman (1974) chama de movimento: tanto o lapso completo de falas ou de substituto de falas. Assim, toda enunciação engloba um movimento como em um jogo. Este movimento vai coincidir com um turno de fala.

Durante esta segunda etapa de interpretação, observou-se a cena e a participação dos/as entrevistados na mesma. Na Análise da Conversação, a partir do aporte de Goffman (1987), bem como em análises de Alencar (2007) analisa-se a conversação em uma cena e seus/suas participantes que constituem um público. Assim, os/as entrevistados/as assumem papeis durante a conversação: papel de orador/a, moderador/as, público.

A Análise da Conversação trouxe elementos para interpretação como: análise dos marcadores conversacionais, análise dos momentos de correção e reparações e análise de como as ratificações ocorrem durante a tomada dos turnos. Por meio do método Análise da Conversação interpreta-se os marcadores conversacionais. Marcuschi (2006) classifica três tipos de marcadores

conversacionais verbais, a partir: a) das classes de palavras, como os verbos, adjetivos, e também as expressões com grande ocorrência e recorrência (p.62), como por exemplo, “né”, “aham”, “aí”; b) marcadores paralinguísticos, que são os recursos não-verbais (p.63), como risos, olhares, gesticulação, uma palmada com a mão durante a conversação, por exemplo; c) e finalmente, há os marcadores suprassegmentais, que são de natureza linguística, mas não de caráter verbal (p.63), ou seja, as pausas, hesitações e a mudança de tom de voz.

Halliday, Mcintosh e Strevens (1974) consideram que os aspectos paralinguísticos são delimitados também pela “a qualidade da voz”. Visualizar tais marcadores depende de uma boa transcrição das falas para que se realize uma análise metodológica de qualidade. Estes marcadores conversacionais, para Kerbrat-Orecchioni (2006) são sinais que indicam que poderá haver mudança de turno durante a fala, como pontos de transição. Assim, esta autora os nomeia de: a) sinais de natureza verbal; b) sinais de natureza mímico-gestual e c) sinais prosódicos (entonação, redução de velocidade da elocução, queda da intensidade articulatória, pausa da voz (KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).

Desta maneira, durante a interpretação refletida foram analisados os marcadores conversacionais verbais presentes na conversação. Dentre os marcadores conversacionais verbais há os verbos. Júdice (1997) define os verbos “como o tecido do texto” (p.177). Coracini, Avolio e Martinelli (1986) destacam que os verbos, entendidos marcadores conversacionais verbais, indicam operações cognitivas realizadas, por exemplo: “pensa-se que...” indica que o/a falante avalia sua ideia. Verbos no presente indicam coincidência entre o momento da enunciação e o tempo gramatical, refletindo também certo “envolvimento pessoal do enunciador, que comenta, discute, conclui” (CORACINI, AVOLIO, MARTINELLI, 1986, p.108). Muitas vezes, um verbo no presente torna-se atemporal e não se coaduna com nenhum tempo cronológico. Estas autoras acrescentam que verbos ao se transformarem em nomes, para efeito de síntese podem constituir dificuldade de compreensão durante a fala. Outro marcador conversacional verbal “aí” é considerado como um marcador de especificidade, podendo revelar uma valoração negativa, inclusive dando a impressão de algo de baixa ou de alta qualidade, dependo do contexto, segundo Tavares (2009).

Exemplifica-se a análise do silêncio e as pausas com a diminuição do tom de voz também estão presentes no discurso quando o jovem Pierre do GD

Aurora, quando o mesmo justifica sua pausa: “deu branco na cabeça” (Pierre, linhas 70-71). Este jovem prefere-se se manter como público da cena, esquivando-se de responder às questões lhe foram colocadas por seus/as colegas durante a discussão: “sei não (.) eu ainda não sei nada disso aí (3) ainda não sei °passa para ela ali° fala você (Pierre, linhas 59-60) e ainda: “0eu agora0” (Pierre, linha 68), “0eu

não0” (Pierre, linha 120) e momentos de risos (Pierre, linhas 145 e 468).

Por meio da análise de conversação compreende-se que os momentos de correção entre os falantes são também chamados de momento de reparações. Tais reparos podem inclusive modificar a frase ou propiciar encaixamentos de ideias. Seguem alguns exemplos de elementos de interpretação com o GD Aurora, grupo com jovens estudantes de Brasília. Em outros momentos, há falas como “protesto (.) isso é mentira.” (Henri, linha 425), “é mentira” (Beatriz (linha 426) e “mentira” (Pierre, linha 434). É como se esses comentários balizassem as falas de todos, não deixando que os/as jovens exagerassem em seus discursos até mesmo se confundindo em seus relatos. Observa-se ainda em comentários críticos às falas de colegas ao longo de todo grupo de discussão: “ele é de poucas palavras::(1)” (Henri, linhas 248-249) ou ainda “esse garoto tem problema” (Beatriz, linhas 260-261) e comentários de intimidação na defesa de sua própria fala e opinião. Isso ocorreu quando Pierre pergunta ao seu colega: “tá rindo de quê °moleque°” (Pierre, linha 259). Em oposição às reparações ocorridas em falas, têm-se exemplos de ratificações de falas no GD Aurora, por meio de “ah::” (Henri, linhas 45, 46, 80, 371 e 741) e “uhum” (Pierre, linhas 185, 198, 538, ), entre outros exemplos. Neste GD Aurora o jovem Pierre, ao ratificar o comentário de sua colega Beatriz, que insinua que o idioma “o francês é mais 0fresco0 do que o inglês” (Beatriz, linhas 167 e 168),

afirma que este idioma é “0baitolinha0” (Pierre, linha 169), em tom baixo de voz. A

diminuição de voz pode espelhar que a intenção de ratificação ocorreu para exprimir que fez uma ofensa durante a fala.

Trazer os aportes da Análise da Conversação à segunda etapa de interpretação do Método Documentário justifica-se na medida em que a conversação é “a prática social mais comum no dia-a-dia do ser humano” (MARCUSCHI, 2006, p.05), que permite uma construção de identidades sociais em um contexto real. O quadro 13 exemplifica uma interpretação refletida com a triangulação metodológica, de um segmento da passagem intitulada Trajetórias, do grupo de discussão Como um Espelho:

Quadro 13: Exemplificação de uma interpretação refletida a partir da passagem Trajetórias do GD Como um Espelho

Fonte: Quadro elaborado pela pesquisadora – janeiro/2014.

A partir das duas primeiras etapas do Método Documentário, interpretação formulada e interpretação refletida, compreendeu-se que o sentido imanente é aquilo que foi emitido durante as interações realizadas durante os grupos de discussão e que a interpretação refletida é o como isto foi emitido. Terminada a interpretação refletida dos grupos, ocorreram as etapas finais de interpretação de dados.

Grupo de Discussão: GD Como um espelho

Local de realização do GD: Brazlândia Data de realização do GD: 03/10/2012 Passagem: Trajetórias - Duração da passagem: 00:14:31 - Linhas: 01-234

Participantes do GD de Jovens que lecionam LE: Gisela (Gf), 23 anos; Helen (Hf), 28 anos;

Camilo (Cm), 29 anos; Juan (Jm), 22 anos

Ls 05-35: A trajetória familiar de Gisela (Gf)

Gisela inicia sua elaboração explicativa sobre sua trajetória de vida relacionada ao estudo e ensino de idiomas após uma pausa de risadas de um segundo. Há nove subtemas na elaboração explicativa de Gisela: a) o papel do ensino médio; b) o papel do cursinho pré- vestibular; c) o emprego imediato; d) o estudo de línguas estrangeiras em geral; e) o curso de Letras; f) a reação negativa da família à sua escolha; g) Ser professora efetiva da SEDF aos 21 anos de idade; h) Não querer parar de estudar e na profissão; e i) trabalhar em escola regular e em Centro de Línguas. O primeiro sinal conversacional verbal é preposicionado: “ah:: é;” (linha 5), servindo para orientar o/a ouvinte que iniciará sua explanação. Sua elaboração explicativa não é interrompida por nenhum ouvinte, há pequenas pausas ao longo da mesmo de menos de um segundo, provavelmente para reorganizar seus pensamentos e reflexões. A profissionalização por meio do estudo de idiomas aparece como algo positivo por meio de marcadores verbais ao compará-lo a “um sonho de infância” (linha 07), “era bom” (linha 11), “emprego imediato” (linha 12), “tive uma afinidade muito grande” (linha 13) e “melhor ambiente” (linha 33). Destaca-se que houve um aumento no tom de voz ao anunciar o imediatismo da possibilidade de emprego. Em contraposição, há a reação da família da jovem que inicialmente não aprovou sua escolha profissional. Os marcadores conversacionais verbais que indicam esta reação negativa são: “não foi uma aceitação muito fácil” (linhas 16-17), “minha mãe ficou muito chateada” (linha 19), sendo que há destaque no aumento do tom de voz para o adjetivo “chateada”, ao reforçar o sentimento da mãe. Observa-se até a linha 19 que há o posicionamento pessoal positivo de Gisela, em seguida o da família que é negativo. A partir da linha 20 até 25, Gisela e família têm o mesmo posicionamento: como o emprego veio “cedo” (linha 21) isto “valeu a pena” (linha 23). Assim, Gisela e sua família passam a ter um “desejo” comum (linha 24), o que de ela não “pare por aí” (linha 25) e que “continue estudando né” (linha 26). Constata-se o marcador conversacional verbal pós-posicionado no final da sequência “né,” em tom crescente. Este marcador serve para indagar os/as ouvintes, seu público ao final de sua explanação, para chamar a atenção dos/as mesmos/as, também como forma de solicitar validação do que acabou de relatar. Das linhas 26 até 33, Gisela resume sua trajetória docente até chegar ao Centro de Línguas precedida pela docência em escola regular. Utiliza o marcador conversacional verbal “resumindo foi isso” (linha 26), como sinal de sustentação de turno (MARCUSHI, 2006, p.73). Declara que os dois ambientes de trabalho são diferentes, que o ambiente de Centro de Línguas é “melhor” (linha 32). Em sua elaboração conclusiva, utiliza-se de marcadores conversacionais suprassegmentais: aumento de voz em “realmente” (linha 31), “praticar a língua” (linha 32) e aqui (linha 32). Na linha 35, há risadas duram cinco segundos, cuja função pode ser de planejamento até que outro/a participante tome o turno.

A terceira etapa do Método Documentário – constituída de análise comparativa - permitiu construir as interrelações entre grupos de discussão. Weller (2005) entende que na análise comparativa no Método Documentário tem como objetivo “a reconstrução dos aspectos homólogos entre diferentes casos estudados” (p. 278). Essa comparação entre os grupos de discussão com docentes pioneiros, docentes novatos e estudantes favoreceu que se percebesse tais aspectos homólogos entre os grupos de discussão. Isto exigiu um olhar multidimensional, que fez refletir não somente aquilo que foi interpretado durante as etapas anteriores, mas o contexto dos/as participantes e suas inúmeras dimensões, bem como o papel da pesquisadora na pesquisa. De acordo com os dados interpretados nesta terceira etapa, pode atingir à quarta etapa, constituída da construção de tipos, ou seja, uma teorização proposta pelo/a pesquisadora, como etapa final de interpretação dos dados. Neste estudo, propõe-se uma tipologia quanto à docência em língua estrangeira durante o Capítulo VIII deste relatório de pesquisa.