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Como vemos, a proposta de Afonso Penna de dar novamente à União uma política de colonização

e de imigração foi recebida na Câmara como uma

oportunidade de definir rumos para tais políticas no

Brasil, bem como para criticar rumos então tomados.

Assim, ao passo que a proposta do deputado José

Bonifácio vinculava a ação federal aos interesses

paulistas, outros, como o deputado Elpídio Mesquita,

aproveitaram o debate orçamentário para criticar

a direção paulista. O deputado afirmou, acerca do

manifesto presidencial:

O desenv Ol viment O das pO líticas de imigraçã O e cO lO nizaçã O dO s gO vern Os centrais brasileir Os

É um programa, e esse programa diz tudo, porque evoca uma história desagradável. Até hoje o imigrante europeu tem sido um assalariado e

um sucedâneo do escravo no eito dos cafezais, vinculados aos latifúndios

agrícolas, como o antigo servo à gleba dos feudos. [...] Considerar o imigrante europeu como substituto do escravo foi o erro e origem dos desastres de nossos ensaios de colonização (AC, 1906, vol. VIII, p. 64). Trata-se aqui de uma dura crítica à direção dada pelo estado de São Paulo à imigração, em especial, pelo fato de ela romper o nexo imigração-colonização, fazendo da primeira um meio para ampliar a oferta de mão-de-obra para a lavoura cafeeira. Essa direção havia-se tornado amplamente dominante com o fim da participação federal nas políticas de imigração e colonização e a reorganização de uma agência federal com esta finalidade foi vista, por este e por outros deputados, como uma oportunidade de fazer valerem direções alternativas, em especial aquelas que colocavam a colonização em primeiro plano.

Esta ênfase na colonização aparece ainda em uma proposta al- ternativa feita pelo deputado piauiense Joaquim Cruz.40 Cujo objetivo,

ocupar as fazendas nacionais existentes no estado, que eram áreas federais, desocupadas até então. A emenda propunha a demarcação das fazendas em lotes, que seriam cedidos gratuitamente a imigrantes e nacionais, indistintamente. Em sua exposição, o deputado afirmava:

A cláusula de distribuição sem ônus dos lotes demarcados, tanto a nacionais, como a estrangeiros, colocando no mesmo pé de igualdade estes e aqueles, concorre para que as aglomerações dos últimos em de- terminadas regiões não superem o elemento nacional e é, tanto para uns como para outros, um incentivo e um estímulo (AC, 1906, vol. VII, p. 907). Esta proposta diferia das demais em alguns aspectos: ela de- fendia a concessão gratuita dos lotes, advogava a colonização nos estados do norte e propunha a mistura de nacionais e imigrantes como objetivo da política de colonização. Aparece aqui uma crítica velada a um dos resultados da política de Povoamento dos governos centrais brasileiros: a concentração e o isolamento dos imigrantes no sul do país. Num misto de cálculo geo-político e de discurso nacionalista, o deputado temia a separação de nacionais e imigrantes e, sobretudo, a

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possibilidade de uma preponderância dos últimos em determinadas regiões. E as colônias de nacionais e estrangeiros eram concebidas como instrumento para evitar tal situação.41

Este pequeno apanhado de posições, concentrado no ano em que se consolidou a proposta de criação do Serviço, não esgota o conjunto de debates parlamentares. Veremos, a seguir, que o decreto de origem do Povoamento, que foi fruto, sobretudo, de um acúmulo técnico-burocrático que se fizera na administração central desde os governos imperiais, ignorou algumas dessas demandas, e ratificou aquelas que propunham a restauração do nexo imigração-colonização. Provavelmente, a própria diversidade de posições a respeito da polí- tica de imigração e colonização que testemunhamos no parlamento contribuiu para a vitória do projeto burocrático de constituição da agência, o qual tinha por referência a continuidade da experiência monárquica. Contudo, o debate parlamentar não parou por aí, e a cada discussão anual do orçamento da agência, o debate e a disputa em torno da direção a ser dada à agência e à política de colonização e imigração eram reabertos.

Estas propostas revelam, ainda, algo de fundamental à análise da política conduzida pelo Serviço do Povoamento. Revelam a exis- tência de um conjunto variado de agentes e instituições que tratavam de imigração e colonização. Naquele momento, os principais eram: a própria burocracia federal, os serviços estaduais, as companhias de colonização, os fazendeiros que traziam imigrantes ou constituíam colônias no interior de suas fazendas por iniciativa própria, os pró- prios imigrantes e colonos, as companhias de navegação, e os agentes consulares dos países de emigração.

E era nesse espaço múltiplo, dentro do qual a burocracia fe- deral e seus recursos eram tanto um de seus ocupantes quanto um dos objetos em disputa, que se situavam a constituição e as ações do

Povoamento. Assim, a relação que o Povoamento manteve com este

conjunto de agentes não foi baseada, na sua origem, numa relação de autoridade – como se houvesse um monopólio ou uma hierarquia plenamente constituída entre os múltiplos agentes – com o Povoamen-

to, por ser agência federal, no centro ou no alto. Ao contrário, seus

objetivos, classificações, leis e realizações eram ações que visavam produzir efeitos sobre os demais agentes sociais, de forma a tentar

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construir, ao fim do processo, esta relação de autoridade. Pretensão que, por sua vez, foi constantemente colocada em questão.

O projeto do povoamento: