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Uma vez conduzidos até os núcleos coloniais, através daqueles circuitos que analisei no Capítulo anterior, os colonos eram objeto de novas ações de propaganda, agora através da constituição, pelos fun- cionários do Povoamento, de demonstrações concretas de formas de trabalho que servissem de referência aos colonos. Chamo-as de ações de propaganda na medida em que, ainda que consistissem de uma série de operações produtivas, o objetivo que as conduzia era generalizar entre os colonos um conjunto determinado de representações.

Este tipo de iniciativa estava previsto no decreto de fundação do Povoamento. No Capítulo 2, que tratava dos núcleos fundados pela União, encontramos os seguintes artigos:

Art. 8o – O estado poderá prestar quaisquer auxílios em beneficio dos imigrantes, independente dos concedidos pela União, e instituir prêmios

de animação.

Art. 19 – Em cada núcleo conservar-se-ão lotes disponíveis para grupos

escolares, ensaios de cultura de vegetal que se possa adaptar às terras

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Art. 44 – O Governo manterá aulas de ensino primário gratuito, e fará exposições e feiras de produtos agrícolas e industriais, sempre que convier, nos núcleos coloniais.

Art. 45 – Serão instituídos prêmios para estímulo dos produtores que mais se distinguirem nas exposições, ou por qualquer outro modo. Como podemos ver, essas demonstrações deveriam ser reali- zadas em dois planos. Um deveria ser conduzido pelos funcionários do Povoamento através das iniciativas acima descritas, e outro seria conduzido pelos colonos que melhor se adaptassem ao projeto do

Povoamento.

As iniciativas previstas revelam a centralidade do aspecto pedagógico nas ações do Povoamento, isto é, do objetivo de fazer das ações dos funcionários do órgão e da própria disposição física da colônia, instrumentos de educação e instrução dos colonos de modo a obter deles determinados comportamentos cotidianos. Nesse “projeto pedagógico”, todavia, a construção de escolas nas colônias era um aspecto menor, posto que não apenas o Estado brasileiro não dispunha de recursos humanos para manter de forma continuada professores poliglotas nos núcleos coloniais, nos quais conviviam imi- grantes de várias nacionalidades, mas também porque os atingidos no caso seriam as crianças e não os adultos, que eram o alvo fundamental do esforço pedagógico. Para estes eram reservadas a grande maioria das iniciativas, como aquelas nas quais os funcionários propunham a experimentação e definição, a serem conduzidas de forma pública, de espécies vegetais adaptadas à região – os ensaios de cultura vegetal. Os funcionários se esforçavam por convencer os colonos a adotarem tais espécies e técnicas de trabalho através da exposição de sua eficácia nos campos de demonstração. Também as feiras e exposições obedeciam ao mesmo princípio pedagógico.

De todas as iniciativas previstas, aquela que foi descrita de for- ma mais recorrente nos relatórios do Povoamento foram os campos

de experiência.

Já em seu primeiro relatório, o diretor do Povoamento, afirmava: [...] Providencio para a instalação de um posto meteorológico e funda- ção de um campo de experiência na sede do núcleo, o qual irá praticar

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aos colonos serviços relevantes, não só orientando-os sobre a época aqui mais apropriada para os diferentes cultivos, e o que mais convém sejam feitos, como lhes ministrando a respeito de cada uma nossas culturas, ensinamentos e instruções que lhe serão de grande utilidade (RMAIC, 1909, p. 123).

Nos anos seguintes, cada descrição dos trabalhos de fundação de um novo núcleo colonial traria referências à montagem desses cam- pos, nas quais se revela o modo como os funcionários do Povoamento concebiam para si um papel de orientação e condução dos colonos a ser realizado através deles. Assim, em seu relatório de 1909, o inspetor em MG, Pedro Demóstenes, dizia:

Próximo acha-se o campo prático de demonstração e nele têm achado os colonos uma boa fonte de ensinamentos, sendo de grande valor já os serviços por ele prestados.

Encontram-se aí todas as plantações da zona em pleno serviço, fran- camente desenvolvidas, e isto robustece a confiança do imigrante, principalmente agora, no início, que ele não tem uma idéia decisiva sobre a valia da nossa produção.

Além desses serviços, o campo prático lhes fornece sementes e mudas, demonstrando o modo racional de plantio [...]

O algodão, cultura de grande futuro, pela facilidade com que medra nesta região, e pela prontidão de venda às fábricas de tecido da vizinhança, era olhado pelos colonos com pouco entusiasmo, muito embora se lhe repetisse as vantagens aqui enunciadas.

O campo prático lhes vai vencendo essa relutância, mostrando-lhes as facilidades do plantio, cultivo e fartura da colheita. Por solicitação dos próprios agricultores foram-lhes distribuídos 101 litros de sementes, dessa utilíssima planta (BRASIL. MAIC. 1909, p. 179).

E também o inspetor no Espírito Santo, Fidélis Reis, dizia: Para ministrar os necessários ensinamentos aos colonos recém- -chegados e guiá-los em seus primeiros passos, quanto às culturas a adotarem, tempo de plantações etc. fundou-se no núcleo um campo de experiências [...]

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Fez-se a aquisição de instrumentos agrários, compra de bois para o serviço, e em junho iniciaram-se os trabalhos, com a roçagem, desto- camento e preparo do terreno para as primeiras culturas.

Além do plantio de cereais em escala avantajada, fazem-se no campo experiências do cultivo do trigo, da alfafa, da amoreira, para se fomentar a criação da indústria da seda no núcleo.

Assim, uma vez demonstradas as vantagens de uma determinada cultura, estará o núcleo em condições de suprir de sementes aos colonos, e, ao mesmo tempo, ministrar-lhes as instruções necessárias para que eles a pratiquem com probabilidade de êxito (BRASIL. MAIC. 1909, p. 167). O que quero destacar nestas citações é a natureza da função pedagógica atribuída aos campos. Nomeados como campos de expe-

riência ou campos de demonstração, e dedicados à experiências de

adaptação de espécies vegetais às condições climáticas e de terrenos locais, estes campos eram concebidos como fontes de ensinamentos aos colonos, pois cabia às ações neles desenvolvidas pelos funcionários do Povoamento fornecerem exemplos práticos do sucesso de deter- minados modos de cultivos, e de determinados produtos, ao mesmo tempo em que forneciam os instrumentos necessários para que estes exemplos fossem seguidos. Portanto, o cerne dessa pedagogia era o exemplo; era através deles que os funcionários buscavam exercer um papel de orientação perante os colonos.

Através dos exemplos, os funcionários buscavam demonstrar a eficácia de determinadas ações, demonstrar a viabilidade da aposta no empreendimento colonial, demonstrar o prestígio e a competência do Estado brasileiro. E o alvo de todas essas demonstrações exem- plares eram o ânimo dos colonos: sua vontade, suas expectativas, seu engajamento no projeto colonial e sua crença nas imagens que os funcionários projetavam.

Mas a condição da eficácia desse esforço pedagógico era dirigir- -se à necessidades reais dos colonos, como a de sementes para o cultivo, ou ferramentas para trabalhar a terra. E fazê-lo nos primeiros tempos, depois da chegada dos imigrantes ao núcleo. Este era o mo- mento em que eles ainda não haviam feito investimentos no lote, logo na fixação naquele núcleo, mas também era o momento em que os colonos enfrentavam a situação desestruturante de se defrontar com

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um ambiente novo. Sem ter experiência ou conhecimento acumulado acerca das condições de produção naqueles terrenos. Assim, havia uma demanda concreta por informações, técnicas e instrumentos de trabalho, na qual os funcionários se baseavam para oferecer seus exemplos.

Além dos comentários sobre as demandas por sementes e ins- trumentos de cultivo, não existem nos relatórios outras referências ao modo concreto pelo qual os colonos se relacionaram com todo este esforço pedagógico. O que podemos observar aqui são, sobretudo, as características desse projeto, que supunha a produção de ações dotadas de visibilidade, concebidas como demonstrativas do compor- tamento produtivo adequado. Através dessas ações, os funcionários do

Povoamento tentavam definir as relações dos colonos com as estações,

com as técnicas de trabalho e com os objetos do trabalho.

Era também por meio dessas ações que os funcionários do

Povoamento se esforçaram por difundir esquemas de ação e de clas-

sificação do real, que acabavam por reafirmar sua autoridade no que diz respeito à definição dos comportamentos produtivos adequados. Em outras palavras, quanto mais se generalizassem os princípios de percepção da experiência colonial partilhados pelos funcionários do

Povoamento, maior seria a probabilidade que o tipo de conhecimento,

ação e experiência de que eram portadores fossem reconhecidos pelos colonos como valiosos.

Ao mesmo tempo, tais ações buscavam a visibilidade e constru- íam a centralidade da posição ocupada pelos funcionários à medida em que estes buscaram se tornarem a instância legítima de difusão das representações e práticas que organizavam o cotidiano dos colonos. Temos, assim, um conjunto de ações relacionadas a tarefas produtivas por meio das quais os funcionários se concebiam e se esforçavam por serem concebidos pelos colonos como representantes do Estado brasileiro e do seu papel organizador das ações individuais.

Era por meio do conjunto desses mecanismos, que lhes defi- niam um papel de mediação no acesso a serviços, auxílios, produtos e ensinamentos, que os funcionários se esforçavam por tornarem-se autoridades diante dos colonos.

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A centralidade das famílias: