• Nenhum resultado encontrado

receberam colônias federais, se destacam Paraná e Santa Catarina Ambos estados que combinavam um grande

estoque de terras devolutas, a quase inexistência de

serviços estaduais de colonização e um histórico intenso

de colonização européia desde o Império. Tendo em

mente que dos sete núcleos federais fundados a partir

de terras devolutas, cinco no Paraná e dois em Santa

Catarina, é interessante observar o que nos revela o

inspetor no estado do Paraná, Manoel Francisco Ferreira,

em seu relatório de 1908:

Quando assumi a direção desta Inspetoria, recebi instruções dessa diretoria no sentido de aproveitar para a colonização terras devolutas que a esse fim se prestassem e que fossem cedidas à União pelo estado. [...]

Ali foi imediatamente escolhido [...] o local apropriado à instalação da sede da futura colônia, que veio depois a se denominar “Miguel Calmon”, atendendo à feliz lembrança das autoridades e habitantes dos municí- pios de Ypiranga e Imbituya, que destarte prestavam justa homenagem ao ilustre ministro a quem o Paraná deve o início do importante Serviço do Povoamento nesta nova fase.

[...]

Mais tarde [...] havendo necessidade de ser fundado um novo núcleo para atender-se à localização do grande número de famílias de imigrantes

A utorid Ade feder Al e tecnologi As de poder n A mont Agem dos núcleos coloniais

que aqui se encaminhavam, foram pelo benemérito Presidente do Estado [...] cedidos gratuitamente à União, os terrenos devolutos existentes nas nascentes do Rio dos Patos.

Em honra ao digno paranaense que se acha à frente do governo do Estado [...] propôs esta diretoria que se denominasse “Xavier da Silva” o novo núcleo (BRASIL. MAIC. 1908, p. 160).

Esta citação revela bem a idéia de uma generosidade mútua entre Estado e União, que, por sua vez, é concebida como sendo, de fato, expressão da generosidade do presidente de Estado e do ministro, com o primeiro doando terras e o segundo doando recursos e serviços. Este foco sobre a relação entre ministro e presidente de Estado, ou melhor dizendo, sobre as autoridades, se revela, particularmente, na nomeação das colônias, mecanismo por meio do qual ambos eram homenageados e eram estabelecidos laços simbólicos entre Estado e União.

Contudo, em que pese todos os elogios trocados entre as partes, os relatórios revelam que o procedimento de doação de terras era fre- qüentemente carregado de tensões. A principal dentre as razões desta tensão era a situação de fato da demarcação e ocupação das terras.

Assim, logo após os elogios feitos ao presidente do Estado, o mesmo inspetor no Paraná afirmava:

A recente lei do Estado [...] veio, porém, criar embaraços à discriminação de terras devolutas, garantindo aos nacionais, que até então as habi- tavam como meros intrusos, o direito de legitimação de posses de 200 hectares em terras de cultura e de 2000 hectares em campos e faxinais, desde que nelas tenham cultura efetiva e morada habitual.

Estando a zona indicada pela referida municipalidade habitada por muitas famílias nacionais, verificou-se, com o prosseguimento dos trabalhos que, respeitados os terrenos que por eles estão ocupados, e lhes são garantidos pela nova lei, pouco se aproveitaria dos excessos das legitimações que se vão proceder, necessitando-se mesmo adquirir algumas das terras que se constituíram seus proprietários a fim de apro- veitar serviços já feitos e localizarem-se ao menos 50 famílias (BRASIL. MAIC. 1908, p. 161).

A utorid Ade feder Al e tecnologi As de poder n A mont Agem dos núcleos coloniais

O texto mostra, em primeiro lugar, o modo como a autonomia legislativa estadual, no que diz respeito às terras devolutas, podia criar embaraços à ação federal. Aqui, do ponto de vista do inspetor, o estado fazia movimentos contraditórios, cedendo terrenos ocupados como se fossem livres e, ao mesmo tempo, garantindo as posses neles existentes.

Esta contradição se explica, entre outras razões, pelo fato de a maioria dos estados não haver discriminado suas terras devolutas. Quando elas eram cedidas à União ou à companhias de colonização, cabia a elas fazer a medição das terras e discriminá-las das terras ocu- padas por particulares. Assim, em quase todos os casos de núcleos fe- derais fundados em terras devolutas verificou-se situação semelhante. Outro aspecto aí envolvido era a oposição entre a situação de direito, o caráter devoluto das terras, e a situação de fato, da existên- cia de diferentes modos de ocupação das terras. A lei estadual visava resolver esta oposição legalizando a situação de fato, por meio da “legitimação das posses”.

Mas este mecanismo legal não nos deve iludir quanto à tensão e violência envolvidas nestas ações de colonização das terras devolutas. Em sua análise do processo de colonização no oeste catarinense, Renk chama a atenção para a percepção dos funcionários estaduais de que

as tarefas de colonização eram conduzidas num ambiente violento21

(RENK, 1990, p. 55). E grande parte dessa violência estava ligada ao modo como se chocavam os mecanismos tradicionais de acesso à terra e o contexto de especulação imobiliária derivado das políticas estadu- ais de concessão de grandes faixas de terra a indivíduos e empresas para fins de exploração agrícola e colonização.22 Frente à ocupação

de fato das áreas que lhes eram concedidas pelos governos estadu- ais, as companhias de colonização ofereciam aos antigos moradores as opções de compra ou retirada sob ameaça do uso da força. Essas ações de violência eram nomeadas eufemisticamente de “limpeza da área” (RENK, 1990, p. 209).23

Mesmo em suas relações com os nacionais que ocupavam as terras concedidas para colonização, a atuação dos agentes do Povo-

amento não foi, aparentemente, marcada pelos mesmos expedientes

de violência utilizados pelas companhias de colonização. Todavia, agentes das companhias de colonização e do Povoamento partilhavam

A utorid Ade feder Al e tecnologi As de poder n A mont Agem dos núcleos coloniais

uma mesma representação acerca destas terras: a de que elas eram

despovoadas.

As representações que Renk identifica na fala de um funcionário do estado de Santa Catarina envolvido nas tarefas de colonização ex- pressam bem este ponto de vista. Segundo a autora, este funcionário representava os habitantes antigos das áreas de colonização como pobres a um ponto que lhes seria impossível comprar as terras em que viviam. Daí demandarem do estado a doação das terras, opção que aos olhos do funcionário estadual parecia absurda. Ao mesmo tempo, ele salientava o desejo destes moradores de viverem como intrusos, já que estariam livres do pagamento de impostos, e da obrigação de construírem casas e roças boas, posto que sua ocupação da terra era sempre provisória (RENK, 1990, p. 205).

Vejamos como representações semelhantes apareciam nas falas dos agentes federais. O primeiro aspecto dessa concepção diz respeito à natureza da ocupação da terra. O relatório do inspetor fala em posses, ao passo que colonização deveria produzir proprietários. Assim, uma região repleta de moradores, como aquela anteriormente citada, era concebida como despovoada pelo fato de a ocupação da terra não estar definida nos termos da propriedade fundiária.

Nesse sentido, é muito elucidativo o seguinte comentário do mesmo inspetor:

Quando se tratou de medir e discriminar as terras devolutas que foram cedidas pelo Estado para a instalação deste núcleo, encontrou a respec- tiva comissão diversas famílias nacionais disseminadas por pontos, onde residiam e cultivavam terras adjacentes. Essas famílias, que ilegalmente ocupavam o terreno, foram conservadas pelo chefe da comissão, que lhes concedeu os lotes onde existiam seus ranchos de morada e suas culturas, e lhes distribuiu os respectivos títulos provisórios, que lhes garante a posse legal do lote (BRASIL. MAIC. 1909, p. 254)

A citação revela que a legitimação das posses consistia em trans- formar aqueles que eram denominados invasores em proprietários por meio da distribuição de títulos provisórios e da demarcação de parcela dos terrenos por eles ocupados, mais especificamente, os ranchos de

A utorid Ade feder Al e tecnologi As de poder n A mont Agem dos núcleos coloniais

ação do Povoamento, a passagem de provisório a definitivo implicava o pagamento do lote em três parcelas, ao longo de cinco anos.

A classificação despovoada recaía ainda sobre a dispersão e mo- bilidade que caracterizava as posses. Ela era contraposta à ocupação nucleada praticada pelos colonos europeus. Expressão dessa oposição é o confronto das categorias rancho e casa, o primeiro indicando tran- sitoriedade e o segundo, permanência. Daí as moradias existentes nas

posses serem identificadas pelo primeiro termo. Outra característica

das posses residia na extensão variável das áreas ocupadas pelos na-

cionais, que poderiam alcançar, segundo a lei estadual, tamanho muito

superior àquele atribuído aos lotes dos núcleos federais.

Em resumo, tomando como referência a representação de que as características das posses de nacionais configuravam tais áreas como despovoadas, os funcionários do Povoamento empreendiam uma política de colonização baseada na discriminação das terras na forma de lotes coloniais e na concessão de títulos provisórios que se torna- riam definitivos mediante o pagamento dos lotes. Disso resultava que o esforço que os funcionários federais generalizavam seus princípios de colonização não recaía apenas sobre os governos estaduais; atingia também parcela das populações e dos espaços locais.

Formação de agentes do Povoamento e formação de Estado: